Círculos ósseos misteriosos feitos com restos de dezenas de mamutes revelaram pistas sobre como as comunidades antigas sobreviveram à era glacial da Europa. A pesquisa, conduzida por acadêmicos das universidades de Exeter, Cambridge e Southampton (Reino Unido), do Kostenki State Museum Preserve (Rússia) e da Universidade do Colorado em Boulder (EUA), foi publicada na revista “Antiquity”.

Sabe-se que cerca de 70 dessas estruturas existem na Ucrânia e na planície ocidental da Rússia. Novas análises mostram que os ossos de um local têm mais de 20 mil anos, o que faz dessa estrutura circular a mais antiga construída por humanos descoberta na região. Os ossos provavelmente foram obtidos de cemitérios de animais, e o círculo foi então escondido por sedimentos. Agora, ele está pouco mais de 30 centímetros abaixo do nível atual da superfície.

A maioria dos ossos encontrados no local investigado, nas planícies russas, é de mamutes. No total, 51 mandíbulas inferiores e 64 crânios de mamute individuais foram usados ​​para construir as paredes da estrutura de 9,1 metros por 9,1 metros e espalhadas por seu interior. Também foram encontradas pequenas quantidades de ossos de rena, cavalo, urso, lobo, raposa-vermelha e raposa-polar.

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Arqueólogos da Universidade de Exeter também descobriram pela primeira vez restos de madeira carbonizada e outras plantas macias não lenhosas dentro da estrutura circular, situada nos arredores da vila de Kostenki, a cerca de 500 km ao sul de Moscou. Isso mostra que as pessoas estavam queimando madeira e ossos como combustível, e as comunidades que viviam lá aprenderam onde procurar plantas comestíveis durante a Era do Gelo. As plantas também poderiam ter sido usadas para venenos, medicamentos, cordas ou tecidos.

Água descongelada

Foram encontradas ainda mais de 50 pequenas sementes carbonizadas – restos de plantas que cresciam localmente ou possivelmente restos de alimentos descartados depois de terem sido preparados.

O arqueólogo Alexander Pryor, da Universidade de Exeter, que liderou o estudo, disse: “Kostenki 11 representa um exemplo raro de caçadores-coletores paleolíticos que vivem nesse ambiente hostil. O que poderia ter levado caçadores-coletores antigos a esse local? Uma possibilidade é que os mamutes e humanos teriam chegado à área em massa, porque havia ali uma fonte natural que forneceria água líquida descongelada durante o inverno – algo raro nesse período de frio extremo.”

A maioria dos ossos encontrados era de mamutes. Crédito: Alex Pryor

Pryor acrescentou: “Essas descobertas lançam uma nova luz sobre o propósito desses locais misteriosos. A arqueologia está nos mostrando mais sobre como nossos ancestrais sobreviveram nesse ambiente desesperadamente frio e hostil no clímax da última era glacial. A maioria dos outros lugares em latitudes semelhantes na Europa tinha sido abandonada a essa altura, mas esses grupos conseguiram se adaptar para encontrar comida, abrigo e água”.

Clima inóspito

A última era glacial, que varreu o norte da Europa entre 75 mil e 18 mil anos atrás, atingiu o estágio mais frio e mais severo entre 23 mil e 18 mil anos atrás, exatamente quando o local de Kostenki 11 estava sendo erguido. As reconstruções climáticas indicam que os verões eram curtos e frios e os invernos eram longos e frios, com temperaturas em torno de -20 graus Celsius ou abaixo disso. A maioria das comunidades deixou a região, provavelmente devido à falta de animais para caçar e cultivos dos quais dependiam para sobreviver. Posteriormente, os círculos ósseos também foram abandonados, pois o clima ficou ainda mais frio e inóspito.

Os arqueólogos já haviam assumido que as estruturas ósseas de mamute circular eram usadas como habitações, ocupadas por muitos meses de cada vez. O novo estudo sugere que nem sempre esse foi o caso, pois a intensidade da atividade em Kostenki 11 parece menor do que seria esperado em um acampamento de longo prazo.

Outras descobertas incluem mais de 300 minúsculas lascas de pedra e pederneira, com apenas alguns milímetros de tamanho, restos deixados para trás pelos habitantes do local, enquanto prendiam nódulos de pedra em ferramentas afiadas com formas distintas, usadas para tarefas como abater animais e raspar peles.