Alguns disparos podem calar representantes emblemáticos da vida selvagem, como Cecil, o leão mais querido do Zimbábue, morto em julho a flechadas, ou as dezenas de rinocerontes e elefantes ameaçados de extinção que são derrubados a bala, todo mês, em diversos países da África. Outros tipos de disparos, entretanto, são usados para preservar espécies e habitats ainda em equilíbrio natural. Assim trabalham os fotógrafos que miram suas lentes na preservação e procuram, com as imagens que produzem, evitar tragédias anunciadas.

“Prefiro fazer fotos dos grandes espaços que ainda podem se manter a salvo a gerar arquivos dos problemas de um mundo perdido – não que o relato de estragos ambientais não seja importante”, dispara o fotógrafo e biólogo Luciano Candisani, único representante brasileiro da International League of Conservation Photographer (iCLP). A liga de profissionais dedicados à conservação da natureza e de culturas nativas age por meio de expedições a regiões ameaçadas, bancada por parcerias com organizações, doações (crowdfunding), trabalho voluntário, etc.

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“Não tento trazer um olhar antropomórfico, procuro mostrar a ligação do animal com seu habitat original, onde o ser humano não alterou a harmonia, porque é essa relação que me encanta. Ver os bichos no zoológico não me causa nenhuma emoção. Não quero retratos de bichos bonitos nem postais de paisagens.” Inteiramente comprometido com o meio ambiente nos seus 18 anos de carreira, Candisani foi convidado a integrar o grupo desde sua criação, em 2005, e é também o único integrante brasileiro do time de colaboradores da edição principal da National Geographic.

A mais recente expedição da iLCP que contou com Candisani, em 2013, levou-o a uma das seis barreiras duplas de corais existente no mundo, a Danajon Bank, que se estende por 400 km na região central das Filipinas. O grupo formado por cientistas e outros três fotógrafos – o americano Michael Ready, o mexicano Claudio Contreras e o alemão Thomas Peschak – produziu pesquisas e imagens desse frágil sistema ameaçado pela sobrepesca, pesca com explosivos, superpopulação, poluição e mudança climática. O material foi veiculado em blog, reportagens, se transformou em livro e exposição itinerante. “Esse é o nosso objetivo, gerar divulgação e visibilidade ao tema”, comenta o brasileiro.

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Embora o retorno desses cliques fotográficos não tenha chegado – ainda – à criação de um parque nacional, como aconteceu no Gabão, graças ao trabalho do fotógrafo Michael Nichols (confira texto ao final da reportagem), é possível ver desdobramentos positivos em outras frentes. “Eu meço o alcance do nosso trabalho pela internet. Quando fui convocado para esse trabalho, quase não tinha material online daquela área. Hoje a região está mencionada em diferentes sites de várias línguas, e geralmente são nossas fotos que aparecem”, comemora Candisani.

Dois outros profissionais dessa “caçada fotográfica”, Ready e Contreras, sabem que, mais tempo menos tempo, os resultados vêm. Eles trabalharam juntos, em 2011, em outra expedição da iLCP, focando suas objetivas na bacia do rio Flathead, na Colúmbia Britânica, no Canadá. Conhecida como Sacred Headwaters (águas quentes sagradas, em tradução livre), a região das nascentes dos três últimos rios canadenses sem represa que correm para o Oceano Pacífico estava ameaçada pelos planos da Shell de perfurar uma centena de poços em busca de metano e por outras tantas concessões de minas a céu aberto para extrair diferentes minerais, inclusive ouro. Os estragos dessas atividades afetariam uma área de extrema beleza, rica biodiversidade e cultura ancestral de povos nativos.

“Além da exposição itinerante, outro produto desse trabalho foi um livro que o próprio Wade Davis, líder da expedição, fez chegar aos legisladores canadenses daquele momento”, lembra Contreras. No fim de 2012, o governo da província voltou atrás. “E o Vale do Rio Flathead passou a ser protegido por lei da exploração de gás e petróleo”, complementa Ready. Eles atribuem esse resultado ao empenho de organizações de conservação da área, juntamente com o poderoso impacto e alcance das imagens geradas durante a expedição.

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Dentro do Brasil, Candisani procura atrair os olhares para uma situação um tanto similar a essa. O Pantanal se vê hoje ameaçado pela construção de um sistema de dezenas de pequenas centrais hidrelétricas. Essas usinas não demandam a construção de grandes reservatórios, pois funcionam a fio d’água, mas impactam de qualquer forma. “O regime das águas vai mudar, porque os rios envolvidos nascem no Cerrado e abastecem o Pantanal. A biologia das espécies dessa área está toda ligada à variação da seca e da cheia”, argumenta.

Enquanto se movimenta para atrair atenção para esse tema, Candisani já tem resultados para contar de outras histórias que enquadrou. Um deles é o belo impacto que conseguiu para os muriquis, espécie de macaco endêmico da Mata Atlântica, em risco de extinção. Uma série de viagens para a Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Miguel Abdala, em Minas Gerais, que concentra a maior população da espécie, rendeu reportagens e mais visibilidade para o projeto Preserve Muriqui, desenvolvido na reserva.

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“Redes internacionais já fizeram documentários aqui, mas as imagens veiculadas na TV são passageiras. O livro de fotos de Candisani é um dos trabalhos que mais nos ajudam a divulgar o projeto. O material impresso é um instrumento muito melhor”, conta Ramiro Passos, presidente da RPPN e neto do cafeeiro fundador dessa área de conservação. Como prova disso, Passos está preparando agora uma segunda edição; Candisani foi o fotógrafo convidado, e já aceitou.

Candisani não nega que sua atividade também tem impacto sobre o ambiente. Principalmente no caso dele, que faz as imagens a curtíssimas distâncias dos animais – às vezes, menos de um metro –, inclusive dos mais perigosos como os jacarés. E até mesmo no trabalho que desenvolve atualmente, dentro do projeto Legado da Mata, da Reserva Votorantim (no sul do estado de São Paulo) em que animais de grande porte disparam os cliques por meio de sensores de presença em “armadilhas fotográficas”, como gosta de chamar. “Geralmente é como se não tivesse nada lá, uma fauna invisível que só ouvimos, mas não vemos. Com estúdios camuflados isso é possível”, explica.

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Os flagras revelaram animais raros da região, como a anta albina, e estão levando as comunidades a valorizar mais seu entorno. “Para quem vive aqui, era normal ver a anta albina, não sabíamos que era rara”, comenta Andrea Tappei, diretora de comunicação da prefeitura de Tapiraí (SP). A cidade dá acesso à reserva e acredita no seu potencial turístico, principalmente depois que as imagens da “fauna invisível” se tornaram conhecidas internacionalmente na National Geographic e circularam em rede nacional no programa Fantástico, da TV Globo. Tapiraí pode esperar por mais, já que em agosto uma exposição do projeto foi inaugurada em São Paulo.

Apesar de tantas provas da interdependência de todas as espécies, Candisani acredita que a maioria das pessoas encara a natureza como um departamento à parte. “É como se não tivesse nada a ver com a vida delas. Como se o nosso estilo de vida na cidade, andando de carro, não fosse um problema ambiental também.” Ainda falta as pessoas discutirem o papel dos grandes ambientes preservados e fazerem a ligação entre a onça e a água, o muriqui e elas mesmas.

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Além da imaginação

Imagens da biodiversidade obtidas durante a expedição MegaTransect, que atravessou um corredor de vegetação virgem no Gabão e no Congo, levou à criação de diversas reservas

O poder da fotografia tem sua expressão máxima na repercussão alcançada com a expedição MegaTransect, organizada em 1997 por Michael Fay, conservacionista e explorador da National Geographic. Para registrar os momentos dessa empreitada ambientalista, a equipe de pesquisadores contou com a companhia do fotógrafo Michael Nichols. A expedição percorreu um corredor de florestas virgens que cortam mais de 3,2 mil quilômetros do Gabão e do Congo, em busca das riquezas da fauna e da flora, e do impacto humano na região. O objetivo da iniciativa era comprovar e divulgar uma das áreas de maior biodiversidade do planeta e a importância de se preservar o “último Éden”, como foi rotulado pelo grupo.

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Que o digam todas as populações de gorilas, chimpanzés, elefantes e hipopótamos que habitam a região. Os 456 dias de trabalho tiveram consequências além do esperado, mas na medida do desejado. Em 2002, durante a Cúpula da Terra de Johannesburgo, o governo do Gabão divulgou a fundação de uma rede de 13 parques nacionais, envolvendo 28,5 mil km2, mais de 10% da extensão total do país. Em seu discurso, o presidente Omar Bongo anunciou a criação da Agência Nacional de Parques e declarou abertamente que as iniciativas foram inspiradas nas imagens e no levantamento realizado pela expedição, eliminando qualquer dúvida sobre o poder da fotografia de realmente sensibilizar as pessoas para os temas enquadrados com arte e sentimento.