São 10h30. Seu Antônio é um dos primeiros a chegar. A fila ainda não está tão grande como ficará daqui a duas horas. Na porta, ele apresenta o seu cartão de identificação à recepcionista. Pronto! Agora é só entrar e se servir: saladas, arroz, feijão, carne, verduras, suco, fruta ou doce. Hora de almoçar. Esse é um ritual que se repete desde 2002, quando o Refeitório Popular Santo Agostinho foi criado pelos padres católicos da Sociedade Agostiniana de Educação e Assistência Vicariato Regional do Brasil, no centro de Bragança Paulista, interior de São Paulo. A partir daí, de segunda a sexta-feira, o local, de impecável limpeza, oferece uma refeição caseira e totalmente gratuita às pessoas carentes, sempre das 10h30 às 14 horas. Aos sábados, domingos e feriados, o horário muda um pouquinho: das 11 horas às 16 horas.

Como seu Antônio, mais outras 3 mil pessoas daquele município são beneficiadas com uma refeição balanceada na hora do almoço. Isso apenas em Bragança Paulista, pois em outra cidade paulista – Guarulhos – as refeições gratuitas somam 2.800 por dia. Não é só. Com o dinheiro arrecadado nos colégios agostinianos Mendel (São Paulo), São José (no município paulista de mesmo nome), Nossa Senhora de Fátima (Goiânia, em Goiás) e com os 4 mil alqueires de mata nativa que abrigam o aconchegante Hotel Villa Santo Agostinho (em Bragança Paulista), os padres – além dos dois refeitórios populares – mantêm sete creches (que atendem um total de 3.500 crianças) e ainda fornecem 120 mil cestas básicas por mês para asilos, orfanatos e outras entidades. Do total, 60 mil são distribuídas em Guarulhos e as outras 60 mil, em Bragança Paulista, Pedra Bela e Pinhalzinho, entre outros municípios da região.

“Quando os padres decidiram abrir o restaurante, alguns políticos daqui reagiram dizendo: por que, em vez de dar comida, vocês não ensinam essas pessoas a pescar?”, lembra Sérgio Golin, gerente de vendas do Hotel Villa Santo Agostinho. Ao comentário inquisidor, os padres deram uma sábia resposta, calando as vozes exaltadas da Câmara Municipal: “Se quiserem dar a vara de pesca e ensinar essas pessoas a pescar, fiquem à vontade. Nós lhes daremos uma boa refeição, porque uma pessoa com fome não é capaz de aprender nada!” Assim, a inflamada polêmica chegou ao fim. Hoje, o Refeitório Popular atende várias famílias carentes e moradores de rua de Bragança Paulista, para os quais aquele prato de comida é a única refeição do dia.

“Mais do que saciar a fome de crianças, adultos e idosos, aqui, nós indiretamente fazemos todo um trabalho de assistência social”, conta o enfermeiro Laércio Leite, gerente do restaurante. No dia a dia, essa “tarefa extra” inclui desde dar pequenas dicas de educação, higiene e alimentação aos frequentadores e incentivá-los a fazer bicos, ganhando o seu próprio dinheirinho com a reciclagem ou com a limpeza de terrenos, até ensinar ao alcoólatra que decidiu deixar o vício como enfrentar suas crises de abstinência. “Sempre procuramos aconselhá-los com carinho, ajudando-os a resgatar sua dignidade”, orgulha-se Leite.

Sua rotina, como a dos outros nove funcionários que ali trabalham, começa logo cedo. Afinal, é preciso receber as refeições que chegam prontas do Hotel Villa Santo Agostinho, onde os cardápios são diariamente preparados sob a supervisão de nutricionistas. Na pequena cozinha, a comida é aquecida num moderno forno industrial. Cada detalhe do ambiente é supervisionado de perto, pois, embora não seja sofisticado, o interior do refeitório prima pela ordem e pela limpeza.

A ordem, por sinal, nem sempre fez parte do lugar. Há alguns anos, a prefeitura local decidiu destacar guardas e uma viatura para assegurar a convivência harmônica entre os frequentadores do refeitório, pois alguns deles se embriagavam e acabavam arrumando confusão.

Se a ideia era garantir a segurança, o tiro saiu pela culatra. Ao invés de paz, trouxe guerra, pois muitos carentes sentiam-se intimidados, revoltavam-se e partiam para o conflito. De seu lado, Leite também não estava nada feliz com a situação. Assim, decidiu colocar um ponto final naquilo. Conversou amigavelmente com os policiais, pedindo-lhes que se afastassem, e assumiu sozinho a responsabilidade de manter a tranquilidade no local. “Nossa intenção sempre foi fazer um trabalho de conscientização com essas pes soas, ganhando a confiança delas”, diz o gerente. “E ninguém consegue cativar o semelhante usando a força e intimidando-o pelo medo.”

A ousada iniciativa de Leite foi muito bemsucedida. Há anos, o Refeitório Popular funciona “sozinho”, sem nenhum tipo de ronda, nem policiais e viaturas. “Dificilmente acontece alguma confusão aqui. Todos se respeitam e alguns acabam até se tornando amigos”, afirma o gerente. “Nas raras vezes em que alguém se exalta, me sento à mesa com ele. Converso e argumento. A pessoa compreende e nunca mais age daquela forma”, acrescenta o gerente. A última briga? Leite não lembra mais quando foi. Nada mau para um refeitório que diariamente fornece refeições para quase 3% dos 110 mil habitantes de Bragança Paulista.

Para saber mais

O Refeitório Popular Santo Agostinho fica na rua Coronel João Leme, 1.100, bairro do Lavapés, Bragança Paulista (SP). Todas as refeições diariamente ali servidas são preparadas sob o comando de nutricionistas do Hotel Villa Santo Agostinho, também de propriedade da Sociedade Agostiniana de Educação e Assistência Vicariato Regional do Brasil, da Província Agostiniana de Castela. Como os demais empreendimentos dos padres católicos, o Hotel Villa Santo Agostinho destina parte de seus lucros a obras assistenciais.

Informações: www.hotelvillasantoagostinho.com.br