No fim de maio, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou uma pesquisa extraída do Censo Demográfico 2010, Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, que revela dados sobre a infraestrutura dos 5.565 municípios do país. O levantamento, que registra a existência de itens específicos do entorno dos domicílios como calçada, iluminação pública, coleta de lixo e arborização, abriu uma polêmica entre pesquisadores preocupados com a situação das árvores nas cidades brasileiras.

O consenso é firme. As árvores são importantes no meio urbano por amenizar as altas temperaturas, umedecer o ambiente e reduzir os poluentes atmosféricos, além de diminuir a poluição sonora. Seu pleno potencial se expressa em espécies de grande porte – com oito metros de altura e copa de 25 metros de diâmetro ou mais. Elas também absorvem dióxido de carbono, propriedade crucial em tempos de mudança climática. E são imprescindíveis por sua beleza natural.

Entre as cidades com mais de um milhão de habitantes, Goiânia (GO) aparece em primeiro lugar no estudo do IBGE, com quase 90% dos domicílios contemplados por árvores ao seu redor. A seguir vêm Campinas (SP) e Belo Horizonte (MG), com 88,4% e 83%, respectivamente. O problema é a pesquisa considerar que uma quadra é arborizada se abrigar uma única árvore. “Além de não servir para o diagnóstico do verde urbano, esse estudo divulga dados imprecisos ou incorretos”, critica o biólogo João Carlos Nucci, professor no Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná.

Segundo Nucci, tanto as universidades quanto a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (Sbau) ainda discutem qual é a melhor forma de coletar índices de arborização em uma cidade. Não há consenso sequer sobre a definição do que são as áreas verdes urbanas, o que acaba gerando índices discrepantes entre os municípios, a depender do conceito adotado. Entre os termos em debate estão cobertura vegetal, floresta urbana, espaço livre e outros.

Maria Luisa Castello Branco, coordenadora de geografia no IBGE, defende a pesquisa e explica que seu objetivo não era fazer um levantamento das árvores encontradas, mas sim fornecer um panorama geral dos logradouros. “É uma pesquisa que tem de ser analisada em seu conjunto”, diz. “Mas não tenho dúvida de que os locais onde há pelo menos uma árvore são melhores do que onde não há nenhuma.”

15 m² por habitante

Costumeiramente divulga-se como uma “recomendação” da Organização das Nações Unidas, ou da Organização Mundial da Saúde, o ideal de cada habitante dispor de 12 m² de área verde nas cidades. “Esse índice simplesmente não existe”, afirma João Carlos Nucci. “Apareceu equivocadamente em um estudo antigo e passou a ser reproduzido, sobretudo pelos meios de comunicação.”

Para os especialistas, estabelecer um padrão mundial de arborização mínima que sirva para comparar pontos distantes do globo, como a Amazônia e a Arábia, não é simples. “As necessidades e contextos da arborização urbana são tão variados que seria muito difícil para a Sociedade Internacional de Arboricultura (ISA, em inglês) estabelecer uma metodologia rígida para a comparação entre diferentes cidades”, afirma Luana Vargas, arborista e gerente da entidade, baseada nos Estados Unidos.

No Brasil, a Sbau sugere uma proporção mínima de 15 m² de área verde por habitante, considerando apenas parques, praças e outros espaços públicos destinados à recreação. Para a arborização das calçadas, porém, a entidade não tem nenhuma diretriz. “Grosso modo, se as ruas tivessem árvores de dez em dez metros, de preferência de grande porte, seria o ideal”, opina a urbanista Eliane Guaraldo, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), diretora regional da Sbau. Dessa forma, haveria mais ou menos uma planta diante de cada residência, considerando-se que os terrenos urbanos têm em média dez metros de frente.

Embora algumas cidades gostem de se autointitular “a mais arborizada do Brasil”, poucas têm, de fato, um inventário de todos os exemplares encontrados em suas ruas ou praças. Assim, fica difícil compará-las de verdade.

Curitiba conta ter mapeado 300 mil árvores. João Pessoa, por sua vez, supõe ter por volta de 100 mil, por meio de uma regra de três. “A conta foi feita a partir de um pré-inventário de 2007, de 941 das 5.300 ruas existentes na cidade”, explica o engenheiro agrônomo Anderson Fontes, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb) do município.

Já Goiânia levantou 15% de sua área central e, somando-a a amostras do restante da capital, chegou ao total de 650 mil exemplares, apenas nas vias públicas. A esses, adicionou 300 mil que teria plantado entre 2005 e 2008, quando publicou seu Plano Diretor de Arborização Urbana – apesar de não acompanhar se as mudas “vingaram”. Considerando o número de habitantes de cada município, Curitiba teria 0,17 árvore por habitante, enquanto João Pessoa teria 0,13 e Goiânia, 0,72.

O Rio de Janeiro, apesar da má distribuição da vegetação entre os bairros – como acontece em várias cidades -, tem pedaços de dar inveja aos outros municípios. Já reivindicou o título de “maior cidade florestal do mundo”, graças às matas preservadas nos morros. Apesar de a arborização dos subúrbios ser péssima, um passeio por Ipanema ou Leblon mostra ruas sombreadas por grandes e belas copas, que estão ali há mais de 80 anos e são muito valorizadas pela população. Recentemente, moradores da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, protestaram contra seu destombamento como patrimônio público, temendo que 113 árvores centenárias sejam retiradas do local para a construção de uma estação do metrô.

São Paulo, selva de pedra a perder de vista, também conserva vários bairros arborizados planejados pela Companhia City – nome da empresa que, em 1911, adquiriu 15 milhões de metros quadrados na capital paulista para transformá-los sob o conceito de “cidade jardim”. Entre eles estão o Alto da Lapa, Butantã, Pacaembu e Jardins. Algumas áreas são tombadas como patrimônio e as árvores acabam protegidas. Outra ajuda vem do fato de os cabos de eletricidade serem subterrâneos em alguns pontos, resolvendo o conflito entre vegetação e fiação aérea, uma das principais ameaças à integridade dos exemplares urbanos.

Conflitos elétricos

De acordo com as companhias de eletricidade, galhos que tocam ou caem sobre os cabos, ou mesmo a queda de árvores, são as principais causas de corte no fornecimento de energia nos centros urbanos. Por isso, as empresas promovem constantemente podas drásticas nos espécimes de grande porte. “Só que elas comprometem a saúde da árvore e sua estrutura”, diz Eliane Guaraldo.

É por causa dos conflitos que as companhias de eletricidade estão entre os que incentivam o plantio de espécies de pequeno porte sob suas redes. Mas, para Eliane, a recomendação é equivocada. “Pode-se plantar árvore grande embaixo de cabo elétrico”, afirma. “Basta que, durante o crescimento seja feito o manejo adequado até a copa ultrapassar a altura dos cabos.” Enquanto as de pequeno ou médio porte terão de sofrer podas constantes para que não alcancem os fios – o que acaba onerando, inclusive, o serviço das fornecedoras de energia.

Ao mesmo tempo, segundo a bióloga Mariana Siqueira, ex-diretora de arborização da Agência Municipal de Meio (Amma) de Goiânia, é preciso investir em redes compactas de fiação aérea, a fim de que as podas, quando necessárias, sejam muito menos severas. “As linhas não compactas inviabilizam muito a arborização”, diz.

De acordo com informações levantadas pela engenheira agrônoma Giuliana del Nero Velasco, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, a implantação da rede elétrica aérea convencional custaria entre R$ 54 mil e R$ 67 mil por quilômetro. Já o uso de uma rede compacta, além de reduzir custos de manutenção, giraria entre R$ 36 mil e R$ 62 mil por quilômetro. Quatro concessionárias foram pesquisadas: Copel (PR), CPFL (SP), Light (RJ) e Cemig (MG).

O ideal seria que as cidades enterrassem seus cabos. Com isso, garantiria menos poluição visual e caminho mais livre para qualquer tipo de árvores que os moradores desejem. O problema é o custo. Segundo a pesquisa, a instalação de uma rede subterrânea custaria cerca de R$ 436 mil por quilômetro.

Cuidados necessários

Em Maringá (PR), localizada a 428 quilômetros de Curitiba, 100% do cabeamento é do modelo compacto. Com isso, segundo Giuliana, a cidade poda menos suas árvores e gasta 80% menos na manutenção dos fios.

O município nasceu em 1947 sob planejamento generoso de arborização de ruas, que hoje contam com 150 mil exemplares, segundo a Secretaria de Meio (Sema). Apesar disso, o verde de Maringá sofre com problemas comuns a outras cidades. O principal deles é o cuidado deficiente com as árvores, segundo um estudo de 2008 coordenado pelo engenheiro florestal André Sampaio e o professor de agronomia Bruno de Angelis, da Universidade Estadual de Maringá. Após cadastrar 93 mil espécimes distribuídos por 72% de toda a área da cidade, os pesquisadores concluíram que cerca de 33 mil unidades (35% do total) apresentavam severos danos físicos ou doenças e pragas.

A falta de cuidados compromete em grande medida a conservação das espécies, e não só as prefeituras são responsáveis por eles. É comum a população, sem buscar nenhuma orientação, impermeabilizar a calçada ao redor do tronco, fixar pregos ou fazer corte ou poda irregulares – podendo resultar em altas multas e ser considerado crime ambiental, em alguns casos. Por vezes, o cidadão planta uma muda por conta própria e não atenta para características importantes do local ou da espécie. “É preciso verificar, por exemplo, se há espaço suficiente no passeio para a árvore escolhida”, diz a arquiteta e urbanista Lúcia Costa, coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Paisagismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Bastante plantado pela população, o Ficus benjaminai é um exemplo de espécie inadequada para a calçada, segundo os especialistas. Suas raízes agressivas podem danificar seriamente encanamentos, fundações e asfalto – mesmo com as podas extremas feitas para controlar a natureza da árvore. Resultam no que o botânico Ricardo Cardim, do blog Árvores de São Paulo, chama de “árvores cotonete”. Além de feias, não prestam nenhum serviço ambiental à cidade ou a seus moradores.

“Por outro lado, observamos, em todo o Brasil, uma tendência de ‘arbustizar’ as cidades”, diz Eliane Guaraldo. “Isso ocorre quando a árvore morre e no lugar as pessoas plantam coisas que, no seu entender, dão menos trabalho.” Assim, multiplicam-se as pequenas resedás e as escovas-de-garrafa onde antes havia altaneiros oitis, sibipirunas ou tipuanas. É bem melhor procurar a orientação das prefeituras, até porque uma poda não autorizada pode gerar multa.