Depois de viajar vários bilhões de quilômetros em direção ao Sol, um jovem objeto parecido com um cometa orbitando entre os planetas gigantes do Sistema Solar encontrou um estacionamento temporário ao longo do caminho. O objeto se estabeleceu perto de uma família de asteroides antigos capturados, chamados de Troianos, que orbitam o Sol à distância de Júpiter. Esta é a primeira vez que um objeto semelhante a um cometa foi localizado próximo à população dos Troianos.

Um artigo sobre a descoberta foi publicado na revista “The Astronomical Journal”.

O visitante inesperado pertence a uma classe de corpos gelados encontrados no espaço entre Júpiter e Netuno, os “Centauros”. Eles se tornam ativos pela primeira vez quando aquecidos à medida que se aproximam do Sol e fazem a transição dinâmica para se tornarem mais parecidos com um cometa.

Atividade de cometa

Registros do telescópio espacial Hubble, da Nasa/ESA, revelam que o objeto mostra sinais de atividade de cometa, como uma cauda, ​​vazamento de gás na forma de jatos e uma coma envolvente de poeira e gás. Observações anteriores feitas pelo telescópio espacial Spitzer, da Nasa, deram pistas sobre a composição do objeto semelhante a um cometa e os gases que conduzem sua atividade.

“Apenas o Hubble poderia detectar características parecidas com cometas ativos tão longe com nível tão alto de detalhes, e as imagens mostram claramente esses aspectos, como uma cauda larga de aproximadamente 644 mil quilômetros de comprimento e características de alta resolução perto do núcleo devido a uma coma e jatos”, disse o pesquisador principal do Hubble, Bryce Bolin, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), na Califórnia.

Descrevendo a captura do Centauro como um evento raro, Bolin acrescentou: “O visitante deve ter entrado na órbita de Júpiter na trajetória certa para ter esse tipo de configuração que lhe dá a aparência de compartilhar sua órbita com o planeta. Estamos investigando como ele foi capturado por Júpiter e pousou entre os Troianos. Mas achamos que pode estar relacionado ao fato de que teve um encontro próximo com Júpiter.”

As simulações de computador da equipe de pesquisa mostram que o objeto gelado, chamado P/2019 LD2 (LD2), provavelmente transitou perto de Júpiter há cerca de dois anos. O planeta então direcionou gravitacionalmente o visitante para a localização co-orbital do grupo de asteroides Troianos, cerca de 703 milhões de quilômetros “à frente” de Júpiter.

Gás e poeira

O objeto nômade foi descoberto no início de junho de 2019 pelos telescópios Atlas (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System) da Universidade do Havaí, localizados nos vulcões extintos de Mauna Kea e Haleakala. O astrônomo amador japonês Seiichi Yoshida avisou a equipe do Hubble sobre a possível atividade de cometas. Os astrônomos então escanearam dados de arquivo do Zwicky Transient Facility, uma ampla pesquisa de campo  conduzida no Observatório Palomar, na Califórnia, e perceberam que o objeto estava claramente ativo em imagens de abril de 2019.

Eles seguiram com observações do Observatório Apache Point, no Novo México, que também sugeriu a atividade. A equipe observou o cometa usando o Spitzer poucos dias antes da aposentadoria do observatório, em janeiro de 2020, e identificou gás e poeira ao redor do núcleo. Essas observações convenceram a equipe a usar o Hubble para dar uma olhada mais de perto. Auxiliados pela visão nítida do Hubble, os pesquisadores identificaram a cauda, ​​a estrutura da coma e o tamanho das partículas de poeira e sua velocidade de ejeção. Essas imagens os ajudaram a confirmar que as características se devem a uma atividade semelhante à de um cometa relativamente novo.

Embora a localização do LD2 seja surpreendente, Bolin se pergunta se este pit stop poderia ser uma parada temporária comum para alguns cometas que rumam para o Sol. “Isso pode ser parte do caminho através dos Troianos de Júpiter para o Sistema Solar interno”, disse ele.

O convidado inesperado provavelmente não ficará entre os asteroides por muito tempo. Simulações de computador mostram que ele terá outro encontro próximo com Júpiter em cerca de mais dois anos. O planeta gigante então expulsará o cometa da sua órbita e este continuará sua jornada para o interior do Sistema Solar.

Júpiter no controle

“O legal é que você está na verdade flagrando Júpiter pegando esse objeto ao seu redor, mudando seu comportamento orbital e trazendo-o para o sistema interno”, disse Carey Lisse, membro da equipe do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins (APL) em Maryland. “Júpiter controla o que está acontecendo com os cometas uma vez que eles entram no sistema interno, alterando suas órbitas.”

O intruso é provavelmente um dos últimos membros da chamada “brigada de cometas” a ser expulso de sua casa gelada no cinturão de Kuiper para a região do planeta gigante por meio de interações com outro objeto do próprio cinturão de Kuiper. Localizado além da órbita de Netuno, o cinturão de Kuiper é um refúgio de restos congelados da construção de nossos planetas ocorrida 4,6 bilhões de anos atrás. Ele contém milhões de objetos. Ocasionalmente, tais objetos têm quase acidentes ou colisões que alteram drasticamente suas órbitas. Eles então deixam o cinturão de Kuiper e entram na região do planeta gigante.

A jornada desses corpos em direção ao Sol é acidentada. Eles saltam gravitacionalmente de um planeta externo para o próximo em um jogo de fliperama celeste antes de alcançar o Sistema Solar interno, aquecendo à medida que se aproximam do Sol. Os pesquisadores dizem que os objetos passam tanto ou mais tempo ao redor dos planetas gigantes, que os puxam gravitacionalmente – cerca de 5 milhões de anos – do que atravessando para o sistema interno onde vivemos.

“Cometas de ‘curto período’, do sistema interno, se rompem cerca de uma vez por século”, explicou Lisse. “Então, para manter o número de cometas locais que vemos hoje, achamos que a brigada tem que entregar um novo cometa de curto período a cada 100 anos.”

Surpresa para os pesquisadores

Ver a atividade de liberação de gases em um cometa a cerca de 750 milhões de quilômetros do Sol (onde a intensidade da luz solar é 1/25 da intensidade da Terra) surpreendeu os pesquisadores. “Ficamos intrigados ao ver que o cometa havia acabado de começar a se tornar ativo pela primeira vez tão longe do Sol, a distâncias onde o gelo de água mal começa a sublimar”, disse Bolin.

A água permanece congelada em um cometa até ele chegar a cerca de 322 milhões de quilômetros do Sol. Então, o calor da luz solar converte o gelo da água em gás que escapa do núcleo na forma de jatos. Portanto, a atividade sinaliza que a cauda pode não ser feita de água. Na verdade, as observações do Spitzer indicaram a presença de monóxido de carbono e dióxido de carbono (CO2). Isso poderia estar impulsionando a criação da cauda e dos jatos vistos no cometa em órbita de Júpiter.

Assim que for expulso da órbita de Júpiter e continuar sua jornada, o cometa poderá se encontrar com o planeta gigante novamente. “Cometas de curto período como o LD2 encontram seu destino ao serem jogados no Sol e se desintegrando totalmente, atingindo um planeta ou se aventurando muito perto de Júpiter mais uma vez e sendo jogados para fora do Sistema Solar, que é o destino usual”, disse Lisse. “Simulações mostram que em cerca de 500 mil anos, há 90% de probabilidade de que esse objeto seja ejetado do Sistema Solar e se torne um cometa interestelar.”