Dar seu nome ao cachorro ou congelar seu corpo depois de morto não parecem técnicas convincentes para se alcançar a imortalidade. Com a tecnologia avançada, espera-se que isso se torne realidade de um modo bem diferente e condizente com os dias de hoje: transportando o “eu” para um outro “corpo”, criando um avatar. Mas diferentemente do filme Avatar, de James Cameron, em que a mente de um humano era capaz de entrar em um outro corpo e depois retornar ao original, os avatares que se consegue criar atualmente constituem uma extensão da mente alojada em um boneco virtual que não envelhece biologicamente e habita a internet.

Algumas empresas apostam no conceito de avatar para alcançar a eternidade da “essência” humana, como a nor teamericana Terasem Movement Foundation Inc. (TMF), com o projeto Lifenaut. Imagine conversar com Abraham Lincoln, Mahatma Gandhi e outras celebridades da história! E, melhor ainda, conhecer os gostos e comportamento do seu tataravô. Ou permitir que seus tataranetos possam perguntar sobre como era a sua vida na nossa época. E as expectativas vão muito além disso: já pensou se você pudesse inserir toda sua essência em um corpo robótico ou mesmo orgânico?

Embora o cenário pareça extraído de um episódio de ficção científica, muito se tem trabalhado para concretizar essa ambição humana de tornar o ser eterno, capturando sua consciência ou mesmo transferindo-a para outro corpo. O objetivo do projeto Lifenaut é preservar e disponibilizar essa “essência” de uma pessoa em um corpo – real ou virtual – que lembre muito seus traços e gestos característicos. Para tanto, o projeto se divide em duas partes: o biofile e o mindfile. O primeiro é o armazenamento das células e do DNA por meio da criogenia, técnica usada para congelamento de embriões. O mindfile é a parte mais complexa: a extração e o armazenamento do que se conhece popularmente por “essência”.

História viva

No site do Lifenaut é possível conversar com celebridades da história mundial, como Abraham Lincoln, Charles Darwin, Gandhi, a abolicionista norte-americana Harriet Tubman e sua conterrânea Susan B. Anthony, líder feminista. Eles fazem parte do projeto História Viva, no qual pessoas do mundo contribuem com seu conhecimento sobre esses personagens. Já é possível dizer um ‘oi’ a qualquer um deles e obter alguma frase famosa que disseram.

 

headsets neurais

Mas como se extrai a “essência” de um ser humano? A tarefa de capturar a personalidade, os costumes e as características mais marcantes de uma pessoa tal qual ela realmente é desafia os pesquisadores do projeto. Isso porque ainda não há um método ou tecnologia capazes de realizar uma extração objetiva da “essência”. “Acreditamos que daqui a uns 75 anos haverá um software baseado em inteligência artificial que possa criar uma aproximação boa para arquivar a consciência ou a mente e transferi-la para um corpo cibernético ou robótico, ou mesmo orgânico”, prevê o norteamericano Bruce Duncan, diretor administrativo da TMF, em entrevista à PLANETA.

► PARA TORNAR A “PERSONALIDADE” DO AVATAR MENOS SUBJETIVA, QUEM PARTICIPA DO LIFENAUT FAZ TESTES PSICOLÓGICOS E, ALGUMAS VEZES, USA HEADSETS NEURAIS, COMO OS FABRICADOS PELA NEUROSKY

Para dar os primeiros passos nessa nova “vida”, é preciso começar criando um mindfile no site www.lifenaut.com. Nele, é necessário fazer o upload de informações pessoais, além de fotos, vídeos, textos e áudios. O problema é que o processo é muito subjetivo e, portanto, as informações reunidas são o reflexo da imagem que se tem de si mesmo. Afinal, a tendência é ressaltar pontos positivos e dar informações sobre a vida de acordo com seu ponto de vista.

Extrair a “essência pura” de alguém ainda é um enigma. “Uma vez que o Lifenaut é um projeto de longo prazo, por enquanto, estamos com o foco na captura de informações essenciais de uma pessoa. Não podemos garantir que o avatar seja a cópia exata do indivíduo. Essa é uma questão muito importante para nós. Desenvolvemos métodos e estratégias para extrair o conteúdo da pessoa”, afirma Duncan. Para driblar essa resistência, o Lifenaut conta com uma série de testes psicológicos a fim de obter informações mais objetivas. “É provável que, no futuro, um mindware (software da mente) e um software de inteligência artificial sejam capazes de agregar informações menos ‘conscientes’ dos mindfiles. Queremos descobrir um modo de ler um indivíduo nas suas ‘entrelinhas'”, diz.

 

Por enquanto, os membros do Lifenaut tentam encorajar todos os seus 5 mil usuários a fazer o upload da informação autobiográfica por meio do compartilhamento de documentos, imagens, vídeo e áudio que considerem valiosos. Segundo Duncan, a empresa também usa outros métodos, como inventários de personalidade e mapa da rede social. “Atualmente, temos trabalhado com headsets neurais que conseguem capturar e transmitir a atividade das ondas cerebrais”, afirma. Por enquanto, a TMF ainda está trabalhando numa tecnologia de inteligência artificial que consiga criar um “clone mental”.

Para o Lifenaut, no momento, o melhor modo de garantir que os avatares sejam o reflexo mais detalhado é que você e pessoas que o conheçam bem ou que tenham convivido durante um certo tempo estejam diretamente envolvidas no upload e armazenamento de informações que reflitam seus modos, valores e crenças. Também é muito importante que se passe algum tempo inserindo dados para refinar o vocabulário, o estilo de falar, as respostas e as características comportamentais do avatar. “Esse aprimoramento pode levar anos, dependendo da quantidade de tempo devotada. Baseado em nossa experiência, se uma pessoa passa umas três horas por semana interagindo com seu avatar, ela poderá perceber um progresso significativo em algumas semanas”, assinala Duncan.

É claro que você, ao aderir ao projeto Lifenaut, deseja notar algumas características particulares em seu avatar. Para isso, é essencial ensinar o eu virtual a ser você. Estudiosos das universidades de Central Florida e Illinois, ambas nos Estados Unidos, constataram que a aparência o mais próxima possível do real de um avatar está muito presa à capacidade de expressar alguns detalhes que tornam a pessoa única. Eles chegaram a essa conclusão por meio de uma pesquisa feita para construir o avatar de Alexander Schwarzkopf, ex-diretor da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos. Por exemplo, uma inclinação da cabeça ou um movimento da sobrancelha enquanto o indivíduo fala podem parecer meros detalhes insignificantes. Mas, quando detalhes desse tipo não estão presentes, isso faz com que o avatar pareça muito artificial.

“O realismo no avatar é uma combinação de informação detalhada e expressão autêntica que represente a essência da pessoa – por exemplo, suas experiências e crenças”, diz Duncan. De acordo com ele, o projeto Lifenaut usa sistema de inteligência artificial de conversação, imagens realistas de fotos e dados customizados interativos para a criação e preservação do mindfile.

 

Um dos desafios para que o avatar pareça mais real reside na sua capacidade de conversação. O software de inteligência artificial usado para a conversação dos avatares do Lifenaut foi desenvolvido pela empresa Rollo Carpenter, ganhadora do segundo lugar da competição Loebner, que realiza o Teste Turing, avaliação para determinar se um programa é inteligente. Esse software serve para treinar e moldar a habilidade dos avatares em termos de comunicarse, interagir e aprender informações de seus criadores. “Nos estágios iniciais, seu avatar tem linguagem bem primitiva, como se fosse uma criança. À medida que você o ensina – respondendo a entrevistas, complementando o banco de dados e fazendo os testes de personalidade -, ele conseguirá responder a perguntas mais complexas”, afirma Duncan.

► NO COMEÇO, O AVATAR POSSUI LINGUAGEM PRIMITIVA, COMO SE FOSSE UMA CRIANÇA. ALGUMAS HORAS POR DIA ENSINANDO-O A SER VOCÊ SÃO SUFICIENTES PARA QUE ELE SE APRIMORE EM CONVERSAR

Mas, claro, ainda existe muito o que esperar para poder escutar conselhos sábios dos antepassados. O mecanismo de inteligência artificial usado no Lifenaut é desenvolvido para construir “conceitos”, em vez de ter um reconhecimento de palavras-chave que ative uma resposta automática. Então, é necessário um pouco de conversação sobre determinado assunto antes que o avatar saiba o que responder.

O site do Lifenaut utiliza dois softwares de destaque. O primeiro é usado como base de dados para armazenar e tornar acessível as informações do mindfile; o segundo, para criar um avatar baseado em fotografia. “O que torna o Lifenaut único é que, enquanto muitos sites permitem a criação de uma imagem baseada num avatar, nossos avatares são conectados aos mindfiles, que usam inteligência artificial para ajudar no desenvolvimento de um ‘você’ digital único”, explica Duncan.

Agora, resta aos pesquisadores do Lifenaut o desafio de aperfeiçoar seus equipamentos e adaptá-los para cumprir sua meta de enriquecer o desenvolvimento das características essenciais de uma pessoa em um avatar. Um dos objetivos atuais também é encontrar um meio de extrair informações menos subjetivas, usando novas tecnologias, como os headsets que mostram a atividade cerebral associada a estados emocionais específicos. Outro desafio é elaborar um sistema de fácil compreensão, para que qualquer pessoa possa ser capaz de deixar sua essência autobiográfica em um avatar.

Os avatares podem representar o legado de uma vida. Ou seja, todo o conhecimento que uma pessoa adquire em sua existência física pode ser transmitido às próximas gerações. “A habilidade de passar esse conhecimento para a frente e torná-lo acessível para a consciência da humanidade poderia representar uma aceleração na resolução de muitos conflitos, como pobreza, doença e discriminação”, reflete Duncan.

 

Criando seu avatar

Criar uma representação de si mesmo no Lifenaut é bem simples.

1 Faça o upload de uma foto em que apareça o rosto inteiro. É bom lembrar que a foto não pode ser muito pequena.

2 É preciso marcar a posição dos olhos, do queixo e da boca, para que eles tenham movimento.

3 E voilà! O avatar virtual está terminado e pronto para bater um papo com você. Mas lembre-se: ele ainda só fala em inglês.

 

Avatares vão dominar o mundo!

Se você entrasse em um prédio e deparasse com um rosto em uma tela de computador lhe perguntando o andar ao qual gostaria de ir, o que faria?

Sem dúvida, hoje ainda pode parecer um pouco estranho conversar com um rosto em uma máquina. Mas a tendência é que isso pareça cada vez mais normal. A Microsoft, por exemplo, pretende colocar recepcionistas virtuais em alguns de seus prédios nos próximos meses. O objetivo é “aprender mais sobre as experiências de usuários com sistemas inteligentes que usem interface conversacional com sensores naturais de áudio e vídeo. Tais aprendizados nos ajudariam a desenvolver extensões do sistema para lidar com conjuntos maiores de tarefas”, disse à PLANETA o brasileiro Henrique Malvar, diretorgeral da Microsoft Research, em Redmond, Estados Unidos.

O que aproxima essa recepcionista virtual de um humano é que ela consegue perceber o número de pessoas que estão se dirigindo a ela e também capta dados de comando de uma conversa. No vídeo de apresentação do projeto, duas pessoas conversam entre si sobre a qual prédio e andar devem ir. O avatar presta atenção ao diálogo e extrai as informações sem que as pessoas tenham de lhe dar uma ordem direta.

Segundo Malvar, um dos problemas encontrados nesse protótipo é o entendimento do contexto. Por exemplo, a distância que uma pessoa está da câmera pode deixar o avatar em dúvida: a pessoa fala com ele ou está apenas conversando com uma terceira pessoa? “Outro desafio é a filtragem de dados errôneos que podem ser detectados pelos sensores. Por exemplo, um barulho alheio que possa ser confundido com um sinal vocal”, afirma ele.

Tendo tudo isso em vista, as próximas melhorias serão feitas para aumentar a precisão do sistema de sensores e de análise de conversação. Os pesquisadores da Microsoft também pretendem melhorar o módulo de síntese de voz, para que esta pareça o mais natural possível. “Já dispomos de tecnologia de síntese de voz praticamente indistinguível da voz de um ser humano. Também vamos melhorar a qualidade de síntese gráfica das imagens do avatar, e possivelmente usar um display 3D para maior realismo”, conclui.

Com toda essa tecnologia, não se espante se, no futuro próximo, você tiver de conversar com vários avatares ao longo do dia. O seu avatar, inclusive.

 

O gêmeo é quem ficará doente

Um gêmeo virtual? Dentro de 30 a 50 anos, no máximo, deverá ser uma realidade. Quem faz essa prospecção é Natalia Alexandrov, matemática do Langley Research Center, da Nasa: a pesquisa médica pode trabalhar para criar “gêmeos” virtuais, capazes de reproduzir todas as características genéticas do indivíduo “original”.

Será preciso extrair, no momento do nascimento, amostras do DNA e do tecido da criança, para poder representá-los em um modelo matemático. Todos os dados clínicos acumulados pela pessoa real, a partir de consultas médicas e das vacinações de rotina, serão inseridos nesse gêmeo virtual e nele elaborados. Qual será a utilidade de toda essa trabalheira? Detectar antecipadamente, na versão virtual, possíveis patologias, prevenindo-as depois na pessoa original e, no momento em que isso for necessário, testar, sempre no virtual, os remédios, avaliando os eventuais efeitos colaterais dos mesmos no gêmeo de carne e osso.

Para saber mais

www.lifenaut.com

www.terasemmovementfoundation.com

www.icogno.com

Texto: maira@planetanaweb.com.br