A síndrome da imunodeficiência adquirida, mais conhecida por sua abreviação em inglês, Aids, é um mal que leva cerca de 5 mil pessoas à morte diariamente no mundo todo. É uma doença sem cura, cujo tratamento é caro. Mas cientistas ao redor do globo trabalham para fabricar uma vacina contra a doença. “Uma das razões pelas quais a elaboração de uma vacina que nos proteja dela ainda não foi bem-sucedida é a alta taxa de mutação do seu vírus, o HIV”, assinala David Heckerman, diretor sênior do grupo de Ciência da Microsoft Research.

Para se ter uma ideia, o HIV sofre tantas mutações no corpo humano que o vírus de uma pessoa será diferente do de outra, mesmo que a primeira tenha infectado a segunda. O corpo humano tem uma defesa viral que precisa reconhecer a ameaça. Então, se pensarmos que nosso sistema imunológico é formado por “soldados”, esses são facilmente despistados pelo HIV. “Um vírus da Aids no corpo de uma pessoa sofre tantas mutações, se não mais, quanto o vírus da gripe durante sua existência”, ressalta Heckerman.

A respeito dessa mutação constante, o grupo de cientistas vinculados à Microsoft Research comparou o HIV aos spams, aqueles e-mails indesejados que surgem na caixa de entrada do correio eletrônico. O que essas mensagens que nos incomodam diariamente têm a ver com um dos vírus mais perigosos do mundo? A resposta é simples. Uma das maiores dificuldades para não receber os spams é o bloqueio de mensagens e remetentes. Se você prestar atenção, notará que cada e-mail tem um diferencial quase imperceptível. Alguns possuem remetentes distintos, como nome1@algumacoisa.com.br e nome2@algumacoisa.com.br; ou assuntos com variações, como remédio e remédi0. Analogamente, os pesquisadores notaram que se o spam fosse uma criatura viva, estaria em constante mutação.

Essas pequenas alterações conseguem driblar o sistema de filtro do computador, mas, ainda assim, podemos identificar o teor da mensagem. Portanto, todo spam, por mais alterações que tenha, precisa passar uma informação compreensível ao consumidor. Com isso, há um padrão de mensagens que podem ser detectadas pelo filtro. Por exemplo, variações da palavra “remédio” com “comprar” na mesma mensagem significam um padrão que pode ser bloqueado.

A situação do vírus da Aids é muito semelhante. Segundo Heckerman, tal como as mensagens de spam, o HIV tem uma estrutura-base (responsável para se fazer compreender dentro do organismo) a fim de perpetuar seu código viral. Logo, o pesquisador sugere que o “calcanhar de aquiles” da Aids seriam justamente esses pontos com características-chave para identificação do vírus. Encontrando pontos e padrão de mutação, seria possível criar um modo de fazer nosso sistema imunológico reconhecer o vírus e eliminá-lo.

O HIV, quando ataca a célula, faz várias réplicas diferentes de si mesmo que, por sua vez, criam mais cópias desse gênero, e assim por diante. É praticamente impossível que o nosso sistema imunológico não seja enganado. Isso também não significa que o corpo desista de acabar com o ataque viral. Há um “cabo de guerra” entre o agente patogênico e a defesa do corpo: enquanto o vírus tenta achar outros modos de se camuflar, o sistema imunológico trabalha para aprender a identificar o disfarce. Uma das peças-chave nessa batalha é o antígeno leucocitário humano (HLA, em inglês), ou molécula do complexo de histocompatibilidade principal, que é responsável por diferenciar o que pertence ao corpo do material intruso e emitir um alerta para que haja uma resposta imunológica. Cada pessoa possui um conjunto diferente de HLA. Considerando-se que o HIV precisa sofrer mutações para não ser detectado por esses agentes, então, o vírus sofrerá mudanças diferentes de pessoa para pessoa.

Uma vacina contra o HIV deve ser capaz de tirar o disfarce do vírus e estimular a fabricação dos anticorpos. Além disso, é preciso dizimar o mal do corpo, pois, se uma unidade do vírus sobreviver, ela se replicará e voltará a enganar o sistema imunológico. Os cientistas da Microsoft Research têm trabalhado desde 2006 para desenvolver softwares que auxiliem os demais pesquisadores a formular uma vacina “à prova de mutação”. Esses programas de computador são uma ferramenta eficaz para organizar dados e ajudar na decodificação de regras de mutação do HIV.

 

Vacina contra o HIV

Há seis anos, David Heckerman e colegas estudam um modo de desenvolver a vacina contra o HIV. Eles notaram algo importante para combater essa doença grave: o vírus sofre inúmeras mutações. Essa informação é valiosa, porque mostra que os métodos tradicionais de desenvolvimento de vacina não funcionam com o HIV.

Explicando de forma simplificada, a vacina tradicional é constituída por uma cópia enfraquecida do causador da doença, que leva o sistema imunológico a preparar anticorpos para combatê-lo. No caso do HIV, a taxa de mutação é tão alta que há o risco de o corpo produzir a defesa errada. Portanto, é necessário um estudo sobre como achar um meio de identificar o vírus, mesmo que ele sofra mudanças.

 

Os softwares podem ser usados por quaisquer cientistas. Um dos destaques é o PhyloD.net, uma ferramenta estatística que poderia identificar as mutações do vírus. O objetivo é que ela seja usada em muitos estudos grandes, e que os pesquisadores do mundo a abasteçam com dados de pacientes.

Segundo Heckerman, a estratégia de elaborar uma vacina contra a Aids é juntar o máximo de dados possíveis de uma “população de vírus”, para montar um modelo de computador que consiga identificar trechos mutáveis de uma sequência genética e estabelecer possíveis mutações a partir de padrões encontrados. A vacina teria de conter fragmentos desses “códigos-chave” para alertar o sistema imunológico sobre onde e o que atacar. Assim, nosso corpo, familiarizado com esses padrões, poderia reagir contra as células infectadas e acabar com o vírus.

É uma tarefa árdua, uma vez que envolve milhares e milhares de variações. De acordo com o cientista, o sistema de computação e estatística permite a elaboração de formas compactas de “pseudovírus” e “pseudoproteínas” que serviriam como código para identificar e eliminar certas sequências do vírus. Tal como os spams, ao identificar o padrão de mensagem, é possível bloquear a ação. “O HIV não é invencível”, finaliza Heckerman.

Pai do anti-spam

David Heckerman atua como pesquisador sênior na divisão de pesquisas da Microsoft desde 1992. Com seus estudos, criou a primeira máquina que conseguia identificar e filtrar spams, e-mails que geralmente têm caráter de propaganda e que podem conter alguns softwares maléficos. Trabalhando no aperfeiçoamento desses filtros, que são baseados no reconhecimento de mensagens e padrões, ele percebeu que o “ponto fraco” dos spams seria o de vender algo. Portanto, necessariamente, eles devem se fazer entender pelo consumidor. Depois, Heckerman usou essa analogia para elaborar um sistema que ajudasse na obtenção de um padrão de mutação para o vírus da Aids, auxiliando no desenvolvimento da vacina.

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Texto: maira@planetanaweb.com.br