Mas fechar o registro não resolve o problema e gera impacto social. Saiba o que pode ser feito para evitar o racionamento.

Os reservatórios de água do sistema da Cantareira, que abastecem 8,8 milhões de pessoas na Grande São Paulo, continuam operando em níveis baixíssimos e se esvaziando gradualmente. A seca histórica que assola a região, a pior em 125 anos, expôs a fragilidade da rede pública, que carece de estrutura para lidar com situações extremas e precisa se expandir para atender a uma insaciável demanda crescente. 

A tendência é que a agonia paulistana perdure ao longo da primavera, tradicionalmente seca, até a chegada da temporada de chuvas do verão, em dezembro. Nesse cenário de desabastecimento iminente – e numa conjuntura de alta sensibilidade política com as eleições de outubro –, o Ministério Público recomendou que o governo de São Paulo adotasse o racionamento d’água. A medida, no entanto, criaria outros problemas. De acordo com vários especialistas, ela deve ser evitada até as últimas consequências 

“Da forma como se entende o racionamento, isto é, fechar o registro e deixar um setor da cidade sem água, pode trazer problemas sociais, piorar a qualidade da água e criar riscos hidráulicos. Tecnicamente, o rodízio não é recomendável”, afi rma Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial da Água e professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da USP. 

A rede de água de São Paulo possui tubos velhos e centenas de pontos de vazamento em fissuras e junções mal-feitas. Estima-se que exista uma perda de distribuição de água tratada entre 25% e 30%. Quando se corta o fornecimento de água, a pressão dentro dos canos secos torna-se menor do que a externa. Com isso, a água acumulada no subsolo, em geral contaminada por metais pesados, benzeno e outros poluentes, pode entrar no encanamento e acabar sendo arrastada para as residências quando o fl uxo é retomado, ameaçando a saúde da população O risco hidráulico a que Braga se refere também é consequência da oscilação de pressão na tubulação. Uma carga maior ao se religar a rede força os tubos e pode agravar vazamentos e até romper os canos mais fragilizados. 

Além disso, o racionamento pode induzir a desperdícios maiores. “Quando se raciona, as pessoas começam a estocar água. Em vez de economizar, elas acabam gastando mais e, no fim, os reservatórios se esvaziam do mesmo jeito”, diz Braga. 

Outro efeito colateral é que os moradores mais pobres da periferia podem ficar privados do recurso por mais tempo. “A tubulação é longa. Demora para a água chegar ao fim da linha. Com o racionamento, quando o fluxo for reaberto, muita gente vai querer puxar água, portanto ela pode se esgotar antes de alcançar os moradores mais afastados ou então chegar com pressão baixa. Quem está no extremo da linha pode acabar sofrendo com a seca além do tempo estipulado pelo rodízio”, teme Braga.

Economia real

Para lidar com a crise hídrica paulistana, a melhor opção, de acordo com o especialista, é usar o recurso com parcimônia. Para Braga, a forma mais eficaz de se atingir esse objetivo é estabelecer  um sistema eficiente de taxação do desperdício.

“É possível fazer um estudo do histórico de consumo de cada residência e estabelecer metas razoáveis de redução”, explica. A partir desse levantamento também é possível determinar cotas de uso segundo as diversas necessidades. “Você pode calcular a quantidade que as pessoas precisam para sobreviver (tomar banho, se alimentar, fazer sua higiene, etc). Só não dá para lavar carro, lavar calçada e desperdiçar.” 

O especialista cita a eficiência do modelo de multas progressivas existente na Califórnia, Estado norte-americano que enfrenta, atualmente, uma seca muito mais severa que a de São Paulo (leia na outra página). Para cada metro cúbico de água consumido acima da cota determinada, a tarifa, que seria, por exemplo, de R$ 1, passaria a custar R$ 5; R$ 15; R$ 30, e assim por diante. 

Racionamento velado

No interior do Estado, várias cidades não servidas pela Sabesp estão sem água. Seis municípios já decretaram estado de emergêna m b i e n t e cia: Valinhos, Cordeirópolis, Casa Branca, Tambaú, Iepê e Artur Nogueira. Na capital, há relatos de falta de água em vários pontos da cidade, tanto em regiões nobres quanto em zonas afastadas. Moradores têm denunciado o corte de abastecimento durante a noite e até mesmo bares e restaurantes na Vila Madalena, reduto da boemia, têm fechado por não terem como lavar a louça. Para muitos, o governo já faz um racionamento velado. 

A Sabesp, concessionária responsável pelo abastecimento e pelo saneamento básico, admite ter reduzido a pressão da rede de distribuição, mas rejeita o racionamento. Para Antônio Eduardo Giansante, professor de infraestrutura urbana da Universidade Mackenzie, a justificativa da empresa é válida, mas a decisão de reduzir a pressão também pode trazer prejuízos. “Existem os mesmos riscos, mas eles são bem menores do que em um rodízio plenamente estabelecido. Reduzir a pressão não é um erro. É uma medida necessária para economizar água”, diz. 

Em ano eleitoral, a crise vai ganhando cada vez mais contornos políticos. O governo do PSDB, no comando do Estado de São Paulo há 20 anos, é acusado de ser responsável pela escassez. Faltaria investimento em infraestrutura para suprir a demanda crescente da metrópole e enfrentar o cenário de falta de chuva. Não se pode, entretanto, desprezar a intensidade da seca atual no Sudeste, a maior registrada em 125 anos de medição.

Para Benedito Braga, estatisticamente, é pouco provável que o verão seco passado se repita no ano que vem. Deverá chover na estação chuvosa, mas provavelmente os reservatórios esvaziados não serão recompostos. Parece claro que o cenário de crise se repetirá sem obras de transposição  de rios que aumentem a oferta de água e atendam à necessidade de abastecimento dos 20 milhões de habitantes da Grande São Paulo. 

Apesar de grave, há uma lição positiva a se tirar da situação: é preciso colocar a água entre as prioridades da agenda política, como já é feito há anos nos Estados do Nordeste do Brasil.