Apesar de sua reputação como potência industrial e tecnológica, país tem ficado à margem dos avanços na tecnologia quântica. Mas um novo computador ultrapotente em solo alemão pode virar o jogo.Uma nova era quântica pode estar se anunciando na Alemanha. O país pretende recuperar terreno em relação à China e aos Estados Unidos, líderes do setor de computação quântica, uma tecnologia capaz de proporcionar enormes vantagens estratégicas às economias que a dominem.

Nesta terça-feira (15/06), a gigante tecnológica americana IBM e o Instituto Fraunhofer, sediado em Munique, anunciaram uma cooperação baseada no novo computador IBM Quantum System One, atualmente o mais poderoso do gênero na Europa.

A partida à iniciativa foi dada apenas dias após dez grandes protagonistas da indústria alemã anunciarem a formação de um consórcio com a meta de testar aplicações industriais promissoras para a computação quântica. O Quantum Technology and Application Consortium (QUTAC) é integrado pela BASF, o Grupo BMW, Boehringer Ingelheim, Bosch, Infineon, Merck, Munich Re, SAP, Siemens e Volkswagen.

“O potencial econômico é enorme, e temos que fazer tudo em nosso poder para assumir um papel na competição internacional”, comentou Nicole Hoffmeister-Kraut, secretária de Economia do estado de Baden-Württemberg, onde está localizado computador quântico.

Num painel de debates por ocasião da apresentação do novo computador, ela citou um estudo do Boston Consulting Group, avaliando em 69 bilhões de dólares o potencial de criação de valor da área de tecnologias quânticas até 2035. “Claro que queremos ter uma grande, ou pelo menos alguma, parcela disso”, comentou.

Alemanha voava abaixo do radar quântico

A China e os EUA detêm muito mais patentes de tecnologia computacional quântica do que a Alemanha, apesar de o país ser o lar de um ambiente de pesquisa nesse campo pouco conhecido, porém altamente ativo.

“Eu diria que voamos abaixo do radar por muito tempo”, sugere Christian Ospelkaus, professor de Física Quântica da Universidade Leibniz de Hannover, falando à DW. Isso se deve, em parte, ao fato de que, no passado, o financiamento simplesmente transcorria sob outros títulos.

“Não se dizia 'estamos construindo um computador quântico', mas antes 'vamos estudar um estado altamente entrelaçado de 20 íons'.” Agora, o QUTAC e o IBM Q System One estão trazendo à tona toda essa expertise. O país tem se mostrado forte em todas as áreas necessárias a construir computadores quânticos, agora a questão é seguir até o fim, afirma Ospelkaus.

“Precisamos do nosso próprio hardware na Alemanha, que nós mesmos possamos desenvolver, não que alguém nos convença a comprar de lá de longe.” Por outro lado, “para a coisa ir em frente, também é preciso um mercado correspondente, que estimule o desenvolvimento desses dispositivos”. “E é aí que a indústria pode fazer muito, claro.”

O que é computação quântica

Ao contrário dos computadores convencionais, que processam funções de modo binário, realizando as tarefas com o uso de fragmentos de dados que são sempre ou 0 ou 1, as máquinas quânticas empregam partículas subatômicas, sendo capazes de considerar as implicações tanto de 0 como de 1, ao mesmo tempo.

Essas unidades informáticas, denominadas qubits (abreviatura de “quantum bits”), ampliam significativamente o potencial computacional, alcançando velocidades muito superiores às dos supercomputadores existentes. No momento, porém, os dispositivos quânticos estão apenas começando a superar o que os convencionais já fazem, mas não necessariamente ao ponto de representar um valor adicional, explica Ospelkaus.

Os cientistas têm criado problemas que um computador clássico não é capaz de resolver, mas um quântico, sim. Só que “o problema em si não era útil”, admite o professor. Agora isso está começando a mudar: “Estamos justo chegando ao ponto em que, para casos muito seletos, essas máquinas já estão cuspindo resultados úteis.” E é neles que há anos os protagonistas da indústria alemã estão interessados.

Muitas das companhias integrantes do QUTAC já têm especialistas quânticos em sua folha de pagamento, e essas equipes estão se tornando cada vez mais importantes, revela Ospelkaus. Uma postagem do diretor de informática da Volkswagen no LinkedIn, por exemplo, continha oferta de emprego para um especialista quântico que ajudasse a identificar aplicações potenciais da tecnologia “com a meta final de alcançar uma vantagem operacional” para a empresa automotiva.

Mas, para que serve?

Há muitas ideias sobre como a computação quântica é capaz de impulsionar o setor industrial. Um vídeo da BMW sugere que computadores desse tipo poderiam ajudar os robôs industriais a encontrarem o modo mais eficiente de aplicar material de vedação nas juntas dos automóveis, economizando tempo, dinheiro e material.

Outros empregos incluem identificar as rotas mais eficientes e econômicas para o transporte de mercadorias e materiais; aprimorar o aprendizado automático; ajudar os computadores a entenderem melhor a linguagem natural, ou aumentar sua capacidade de “ver” e identificar objetos captados pelas câmeras.

Tem sido visto com desconfiança o potencial dos computadores quânticos de decifrar mensagens criptografadas. Essa tecnologia poderia resultar em alternativas mais seguras à criptografia, mas os especialistas veem de modo ambivalente os riscos reais dessa aplicação. Seja como for, ainda é necessário completar muita pesquisa até tais ideias se tornem realidade.

O altamente conceituado Instituto Fraunhofer passará a utilizar o novo computador quântico para realizar testes de aprendizado automático, otimização e mais. Mesmo companhias não pertencentes ao QUTAC e outros interessados podem se cadastrar no instituto para realizar seus próprios experimentos e se familiarizar com a tecnologia.

Ao que tudo indica, o país planeja começar a desenvolver o que Ospelkaus denomina um “ecossistema quântico abrangente”. Diversas iniciativas nesse sentido já despontam, como o Quantum Valley da Baixa Saxônia.

“Acabaremos vendo na Alemanha um ecossistema quântico onde indústria e academia, usuários e desenvolvedores de hardware, integradores de sistemas e fornecedores, pequenas e grandes empresas, trabalhem juntos para impulsionar o avanço dessa tecnologia”, aposta o professor. Ele calcula que dentro de cinco a dez anos já se pode esperar uma “real vantagem quântica”.