A cirurgia convencional de ponte de safena está com os dias contados. Foi-se o tempo em que o paciente era internado durante sete dias, tinha o osso do esterno, do peito, serrado e voltava à rotina em 60 dias, com uma cicatriz traumática de 25 cm de comprimento. Agora, a alta hospitalar pode ocorrer em quatro dias e o retorno às atividades habituais, em dez, porque os robôs invadiram os centros cirúrgicos e são capazes de realizar cirurgias minimamente invasivas, seja em cardiologia, seja em urologia, ginecologia, no tórax, pescoço ou na cabeça.

A cena já é realidade em três dos melhores hospitais privados da capital de São Paulo – o Albert Einstein, o Sírio-Libanês e o Oswaldo Cruz – e também para os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro. O primeiro hospital público brasileiro a realizar cirurgias robóticas começou a oferecer o serviço em março. Para tanto, o Ministério da Saúde repassou US$ 2,5 milhões ao Inca para a aquisição do Da Vinci Surgical System, o sistema desenvolvido pela Intuitive Surgical, empresa líder global da tecnologia de cirurgia robótica, representada no Brasil pela H. Strattner.

Criado com fundos do Departamento de Defesa norte-americano como alternativa para operações a distância, o sistema possui três componentes. O primeiro é uma mesa de operação com o robô, composto por quatro braços poliarticulados, com flexibilidade de 360 graus e movimentos precisos. Na ponta de um dos braços, há uma câmera que emite imagens em 3D. Os outros braços manipulam pinças cirúrgicas, movimentadas pela máquina, que reproduzem os movimentos das mãos do cirurgião. A segunda unidade é um console, pelo qual os médicos recebem as imagens em 3D de alta definição e realizam com as mãos os movimentos operatórios, transmitidos para o robô. Completando o sistema, há um conjunto de hardware externo.

Operados por controle remoto, os quatro braços do robô Da Vinci realizam movimentos tão precisos quanto delicados. Ao lado, o cenário de uma operação. Os cirugiões trabalham sentados, à esquerda

Carlo Passerotti, do Hospital Oswaldo Cruz: cirurgias menos invasivas e recuperações mais rápidas. Abaixo, Sergio Samir Arap, do Sírio-Libanês: “Muitos temem que o robô possa fazer um movimento indevido.”

Além da aquisição do Da Vinci, o projeto de implantação do sistema no Inca incluiu a assistência técnica do equipamento e o treinamento dos profissionais envolvidos no projeto. “O espaço físico do centro cirúrgico foi reestruturado para a instalação do robô”, diz a médica Alessandra de Sá Earp Siqueira, da coordenação assistencial do Inca. O treinamento da equipe e a capacitação prática e teórica serão realizados no Exterior e em São Paulo.

Com a chegada do equipamento, o Inca passou a oferecer cirurgias robóticas, atendendo, inicialmente, um número selecionado de pacientes das áreas de urologia, cabeça e pescoço, ginecologia e cirurgia abdominal. A primeira operação com a nova máquina foi realizada no dia 6 de março na promotora de vendas Monica dos Santos Lima, de 39 anos, que teve um tutumor removido das amígdalas com sucesso. Sem a precisão robótica a alternativa de tratamento cirúrgico implicaria serrar a sua mandíbula.

Para combater os compreensíveis receios dos pacientes quanto às cirurgias feitas por robô, o Inca pretende fornecer acesso às informações sobre os benefícios que elas oferecem. Entre eles, a melhoria da qualidade de vida do paciente, menor tempo de internação, diminuição da dor e das complicações pós-cirúrgicas e retorno mais rápido à rotina social, além de menores cortes, cicatrizes e índices de infecção hospitalar. “O grau de satisfação de pacientes operados por essa técnica é de 95%, de acordo com as informações do fabricante”, diz Alessandra.

“O procedimento é menos invasivo, além de proporcionar diagnóstico mais exato e recuperação mais rápida e menos dolorosa”, resume Carlo Passerotti, coordenador de Cirurgia Robótica do Hospital Oswaldo Cruz. O sistema traz benefícios também para o cirurgião: o robô elimina e corrige o tremor natural das mãos, proporciona maior amplitude de movimentos e melhor ergonomia durante a cirurgia, reduzindo a fadiga do médico. Com isso, o cirurgião pode visualizar em detalhes os locais que não alcançaria durante um procedimento tradicional ou mesmo laparoscópico.

Da guerra ao hospital

Concebido nos Estados Unidos para fazer cirurgias à distância durante a Guerra do Golfo, na década de 1990, o Da Vinci não foi bem-sucedido na época. Trata-se, afinal, de um sistema frágil que não dispensa a presença de um cirurgião. Mas os americanos aperfeiçoaram a tecnologia e começaram a utilizála em cirurgias nessa mesma década.

No Brasil, o robô só desembarcou em 2008, em razão do elevado custo e da falta de médicos capacitados (o treinamento demora até um ano). O primeiro hospital brasileiro a fazer uma cirurgia cardíaca robótica foi o Albert Einstein. O Sírio-Libanês foi o pioneiro em cirurgia de próstata. Já o Oswaldo Cruz fez a primeira cirurgia robótica em ortopedia, reparando as lesões branquiais (os nervos responsáveis pela sensibilidade e função motora dos membros superiores) de um motociclista.

O robô tem extrema habilidade para movimentos delicados, como as suturas ou anastomose (união de vasos sanguíneos ou de partes de órgãos). “A robótica proporciona uma maior acessibilidade à microcirurgia, pois possibilita a majoração ou miniaturização das imagens e dos movimentos”, acrescenta Passerotti. Não é só. Com menos tempo de internação e recuperação mais rápida, pacientes submetidos a cirurgias complexas geram menos gastos para os sistemas de saúde.

Medo

Em linhas gerais, o robô serve para auxiliar o cirurgião naqueles casos em que o acesso ao lugar a ser operado é mais difícil com a cirurgia convencional ou até mesmo a laparoscópica, como em cirurgias cardíacas, extrações da próstata e de tumores na cabeça, no pescoço, no reto, no cólon, no pâncreas e no fígado.

Mas, mesmo sendo um procedimento seguro, o robô ainda é temido por um grande número de mortais. “Muitos pacientes temem que o robô possa, de uma hora para outra, criar vida e fazer algum movimento indevido”, conta Sérgio Samir Arap, gerente-médico do Centro Cirúrgico do Hospital Sírio-Libanês e cirurgião do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Não existe a menor possibilidade de essa situação ocorrer. O Da Vinci dispõe de sistemas de segurança. “Mesmo que o médico faça um movimento brusco, o robô “entende” que o gesto não deveria ser feito e evita lesões”, diz Arap. De outro lado, o robô não elimina a habilidade do cirurgião. Ao contrário, só faz aquilo que o cirurgião deseja que ele faça. “Por isso, a experiência do cirurgião precisa ser levada em consideração. Afinal, é ele quem irá conduzir a cirurgia o tempo todo”, pondera Passerotti.

De fato, apesar de o robô poder ser controlado a distância, por meio de bandas largas, o cirurgião tem de estar obrigatoriamente presente na sala cirúrgica, ao lado de toda a equipe. “Caso ocorra algum imprevisto, a equipe está habilitada a abortar a cirurgia e convertê-la em uma cirurgia laparoscópica ou convencional, explica Arap. “Se algo acontecer com o equipamento, o cirurgião o desconecta do paciente e prossegue a cirurgia por videocirurgia”, diz o cirurgião cardiovascular Robinson Poffo, coordenador do Centro de Cirurgia Cardíaca Minimamente Invasiva e Robótica do Hospital Albert Einstein.

Robinson Poffo, do Hospital Albert Einstein: o robô melhora sensivelmente o desempenho cirúrgico.

O medo de ser operado por um robô também é uma questão de extrema relevância para Poffo. Em sua opinião, só há uma arma capaz de combatê-lo: a informação. Cabe ao cirurgião essa tarefa. “É ele que tem de fazer o paciente entender que o robô é uma interface entre o cirurgião e o paciente que melhora o desempenho cirúrgico, dando ao cirurgião melhores condições de trabalho”, esclarece.

Custo

Atualmente há mais de 2 mil robôs-cirurgiões em operação no mundo, todos utilizando o sistema Da Vinci. Essa realidade deverá mudar em cinco anos, quando o Canadá, o Japão e a Alemanha lançarem novos modelos. Quando isso ocorrer, o número de cirurgias robóticas deverá aumentar, pois a existência de novas marcas deve baratear o custo do procedimento.

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Nos Estados Unidos, atualmente, a versão mais nova do Da Vinci custa US$ 3 milhões. No Brasil, o preço da cirurgia robótica é mais alto do que o da operação convencional. “Cerca de 30% a mais do que uma cirurgia laparoscópica e 50% a mais do que as cirurgias convencionais”, diz Passerotti. “Nas cirurgias cardíacas, há um aumento no custo que varia de 10% a 30% quando comparadas com a técnica convencional, pois há a necessidade de materiais específicos para o procedimento”, explica Poffo. “Mas se, nessa somatória, considerarmos que o paciente fica menos tempo internado em UTI e que há redução do pós-operatório e das complicações, os custos se equivalem”, completa.

“É preciso levar em conta outros valores agregados ao tratamento”, endossa Arap. Um exemplo é a retirada da vesícula. Na cirurgia convencional, o paciente permanece no hospital por 3 a 4 dias, com risco de hérnia na incisão (12 a 15 cm, embaixo da costela), e demora quase 21 dias para retornar à rotina. Com a laparoscopia, a internação cai para 24 a 48 horas, com 3 ou 4 pequenos orifícios, e o paciente retorna às atividades em 5 dias.

Quanto à cirurgia robótica, Arap adverte que há sempre a necessidade de avaliar o custobenefício em relação a outros procedimentos cirúrgicos. No caso da extração da vesícula, por exemplo, não vale a pena, porque o custo do robô é mais alto do que a laparoscopia, e a técnica não apresenta vantagem quanto ao tempo de internação ou na qualidade de vida do paciente. “A comparação sempre deve ser feita para cada um dos tipos de cirurgias pretendidas, com estudos realizados por serviços independentes da empresa detentora do robô”, alerta Arap.

Ao lado, extração de próstata filmada em 3D pela câmera do Da Vinci. Abaixo, o console em que o cirurgião comanda os braços do robô.

Futuro

A tendência é que a cirurgia robótica evolua rapidamente, inclusive para operações plásticas. Arap aposta que a tecnologia avançará em direção à miniaturização dos componentes. “Há 20 anos um computador ocupava uma sala enorme. Atualmente, para a realização de cirurgias com o Da Vinci, é preciso uma sala de 60 m2. Sem contar que hoje existem laptops, notebooks e smartphones. No futuro, teremos robôs de tamanho bem menor que os atuais”, prevê.

A máquina está provocando uma verdadeira revolução na cirurgia. Sua utilização implica superar vários desafios, entre os quais o rápido e constante aprendizado de novas técnicas e tecnologias. “O nosso maior desafio, porém, é popularizar a cirurgia robótica no Brasil”, afirma Poffo. A aquisição e, sobretudo, a implantação do Da Vinci em 2012, em um hospital público, é apenas o primeiro passo.