Na última década, o brasileiro correu mais. Estimase que haja mais de quatro milhões de corredores no país atualmente, tornando as provas de pedestrianismo – como também é chamada a corrida de rua – o segundo esporte mais popular do país depois do futebol, que conta com mais de 30 milhões de adeptos. Um levantamento da Federação Paulista de Atletismo, feito entre 2009 e 2010, mostra que houve um aumento de 24,3% de provas de corrida de rua só no Estado de São Paulo.

Além disso, todas as grandes capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis, Recife e Salvador, além de cidades do interior, como Campinas (SP) e Paraty (RJ), têm se destacado pela oferta de corridas. Cada vez mais cidades fecham ruas para abrir passagem a atletas urbanos e corridas modestas e despretensiosas, meias maratonas (21 km), maratonas (42 km) ou ultramaratonas (acima de 42 km).

O fenômeno das corridas no Brasil acompanha o boom registrado nos Estados Unidos nos anos 1970, impulsionado pelo médico norte-americano Kenneth Cooper, cujo objetivo era estimular as pessoas a caminhar e correr para manter uma vida saudável. Provas que incluem participação popular e feminina também ajudaram a tornar as corridas mais comuns no dia a dia. Sem contar que se trata de um esporte simples, acessível e democrático.

À direita, medalha de bronze comemorativa dos Jogos Olímpicos de 1896, em Atenas. No verso, inscrições em grego.

“Correr é a segunda atividade física que o ser humano aprende após andar. Também é um exercício que emagrece e que pode ser feito em qualquer lugar, sem a necessidade de um companheiro”, argumenta Mário Sérgio Andrade Silva, fundador da Run&Fun, empresa de assessoria esportiva. “Isso sem contar com a atração de milhares de eventos de pedestrianismo em São Paulo, no Brasil e no mundo, que movimentam milhões de dólares”, complementa.

Por que correr?

Os motivos que levam alguém a correr variam desde a busca pela saúde e a qualidade de vida até a fruição estética e a sociabilidade. O médico chefe do Programa de Álcool e Drogas da Faculdade de Medicina da USP, Arthur Guerra de Andrade, 56 anos, começou a correr há seis anos, por incentivo do filho. “Ele disse que eu estava gordo e sedentário e me convocou para ir ao clube”, conta.

Depois de fazer um pouco de musculação, Andrade descobriu na corrida uma opção prazerosa para se manter em forma. Hoje, corre seis dias por semana, com acompanhamento de especialista, e faz natação às segundas-feiras. Já correu mais de 100 provas, completou oito maratonas – todas internacionais – e se prepara para o triatlo Iron Man, em Florianópolis, no dia 29 de maio, prova em que os atletas nadam, pedalam e correm.

 

 

 

Maratona histórica

Acredita-se que a maratona surgiu em 490 a.C., quando o guerreiro ateniense Fidípides correu 42 quilômetros, da baía de Maratona até Atenas, para anunciar a vitória grega sobre os invasores persas – convertendo-se imediatamente em herói. Diz a lenda que ao concluir o percurso Fidípides teria morrido. Suas últimas palavras teriam sido: “Rejubilem-se! Vencemos!”

Muitos séculos depois, durante a Olimpíada de 1896, em Atenas, estabeleceu-se a corrida de 40 quilômetros em homenagem ao herói, inaugurando a modalidade nos jogos oficiais.

Em 1908, quando a Olimpíada foi realizada em Londres, adicionaramse 2,195 quilômetros ao percurso original. O motivo foi a exigência da família real britânica de que os atletas passassem na frente da sua residência, o Castelo de Windsor, para que os membros da realeza pudessem assistir confortavelmente à prova.

Curiosamente, nos Jogos Olímpicos seguintes, na França, a distância de 42,195 quilômetros já foi adotada como oficial para a maratona, embora o país fosse um tradicional rival da Inglaterra. Para muitos, a decisão foi um reflexo da hegemonia mundial britânica após a Primeira Guerra Mundial.

Corridas de rua

As corridas de rua surgiram na Inglaterra no século 18 e se popularizaram no resto da Europa e nos Estados Unidos. No final do século 19, após a primeira maratona olímpica, mais pessoas começaram a correr em áreas urbanas, principalmente nos Estados Unidos.

Na década de 1970, houve o jogging boom no Brasil, conhecido como cooper, a prática de correr em ritmo constante, aumentando o condicionamento físico sem desgastar o corpo. A modalidade proposta pelo médico norte-americano Kenneth Cooper popularizou o pedestrianismo no mundo todo.

Na mesma época, surgiram as primeiras provas em que se permitia a participação popular e feminina. Com a popularidade das corridas de rua e a busca pela melhoria da qualidade de vida, o número de corredores urbanos e rurais nunca mais parou de aumentar.

 

 

A Meia Maratona das Pontes, realizada em São Paulo, tem largada na ponte Octavio Frias de Oliveira (zona sul) e chegada na Cidade Universitária (zona oeste).

 

 

 

 

 

A vontade de melhorar o desempenho físico fez com que Andrade mudasse os hábitos de vida. A alimentação, que era um problema, passou a ser saudável. “Estou muito mais regrado. Eu ficava longos períodos em jejum. Agora, minha alimentação é toda fracionada, evito ficar longos períodos em abstinência.” Sua esposa, a publicitária Daniela Dalle Molle Guerra de Andrade, que corre há quatro anos, parou de fumar. Ela também destaca que adquiriu mais qualidade do sono e disposição durante o dia.

Corredores da 14ª Meia Maratona do Rio de Janeiro, em 2010, passam pela Avenida Niemeyer.

Correr traz imediatos benefícios físicos e psicológicos. Aumenta a capacidade cardiorrespiratória, proporciona maior controle do peso, melhor disposição física e diminui riscos cardíacos. Psicologicamente, o esporte melhora o bem-estar, diminui o estresse e os sintomas de depressão. “A partir de um certo tempo de treino e intensidade, há maior produção de endorfina e noradrenalina, em geral associadas à sensação de bem-estar após o treino”, explica Silva.

“Depois que comecei a correr, fico mais focado no trabalho”, afirma o médico Arthur Andrade. “Eu era meio gordo, agora, sou magro. Fiquei tipo o gatão de meia-idade, sabe? Também me cuido mais: faço check-ups e exames de sangue. Isso sem falar no prazer que a corrida me dá.” Embora o pedestrianismo exija apenas um tênis, um calção e uma rua, o acompanhamento de um especialista é importante para evitar lesões.

“A corrida não gera comprometimento articular grave. Mas para começar é preciso passar por um médico e fazer uma avaliação completa antes de iniciar os treinos. Depois, comprar um bom par de tênis e procurar a orientação de um educador físico experiente”, recomenda Silva.

O acompanhamento por um profissional é recomendável para manter um ritmo equilibrado e preparar o corpo. Por exemplo, fazer musculação para se fortalecer. Muita gente, entretanto, prefere confiar no bom-senso e no esquentamento prévio e dispensa o especialista. A corrida é democrática porque tem custo zero; os especialistas, nem tanto.

O fundador da Run&Fun ressalta que o ritmo dos treinos depende muito do indivíduo. “Para que haja o efeito desejado, o treino deveria ser feito pelo menos três vezes por semana, começando com, no mínimo, 30 minutos”, diz Silva. Muitas provas realizadas com pouco intervalo de tempo (sobretudo maratonas com 42 quilômetros de extensão) também podem desgastar demais.

“Acho que se empenhar em muitas corridas não é legal porque acaba forçando demais, você pode se machucar”, afirma Daniela. “Gosto de ter duas metas, uma para cada semestre; foco nelas e eventualmente faço uma prova ou outra”, explica.

Para correr em uma maratona, aí sim, é preciso planejamento e critério. Acima de tudo, a atividade deve ser prazerosa. Silva comenta que “é comum, em três anos, com treinos consistentes, uma pessoa sedentária estar pronta para o desafio”. Disciplina e perseverança são requisitos importantes para uma prova de longa distância. Nesse ponto, o especialista diz que todo corredor precisa ter calma e pensar em longo prazo, para evoluir no esporte mantendo qualidade e saúde.

 

“Correr, apesar de ser simples, requer orientação e cuidados. Além disso, não se consegue nada da noite para o dia. É preciso ter calma e pensar a longo prazo.”

Mário Sérgio Andrade Silva, fundador da Run&Fun

 

 

“Tenho três dicas. Primeira: tente correr em grupo, porque é muito mais gostoso. Segunda: procure alguém com experiência para orientar. Terceira e última: não subestime seus limites. Sempre dá para fazer um pouquinho mais!”

Arthur Guerra de Andrade corre há seis anos. Já participou de oito maratonas internacionais e agora se prepara para seu primeiro triatlo

Para quem começa a correr, manter o ritmo de treino é tarefa difícil. Às vezes, a preguiça bate e não dá vontade de sair da cama. Silva recomenda encontrar um grupo para treinar. Depois, definir objetivos, a curto e a médio prazo. “Não existe milagre. Se você quer ter uma vida com mais qualidade, deve abrir espaço para se cuidar e começar a fazer isso antes de vir a ser obrigado por questões médicas.” Com algum tempo de treinamento – um ou dois meses -, os resultados já são perceptíveis, o que estimulará a continuar o programa.

A popularidade das corridas de rua e a preocupação com o combate ao sedentarismo e o bem-estar faz com que muitas pessoas e empresas procurem assessorias esportivas. Criada em 1994, a Run&Fun distribui diariamente 2 mil planilhas de treino. Além disso, atende mais de 30 empresas que desenvolvem programas de saúde para os funcionários, como a Promon, a Novartis, a Tecnisa e a Unilever. A corrida serve de estímulo para melhorar a qualidade de vida e a socialização entre os funcionários.

Satisfação sem preço

Após completar oito maratonas internacionais, Artur de Andrade garante que a sensação é maravilhosa. “É uma sensação de dever cumprido. Se, além disso, o seu tempo de desempenho for bom, nossa, aí é sensacional. Dá uma sensação de estar intensamente vivo, de estar inteiro”, comemora. Sempre que as agendas do casal coincidem, eles tentam aliar a corrida com o prazer de viajar.

O aumento do número de corredores representa uma mudança de hábito da população brasileira, uma preocupação com uma vida saudável. Uma das vantagens da corrida é poder se encaixar no horário e nas preferências de qualquer um. Cada um tem seu ritmo e seu horário preferido para praticar o esporte. Um lugar atraente para o pedestrianismo é importante, mas diante da sua ausência há cada vez mais gente correndo pelas calçadas das ruas. Não à toa, é a mania urbana do momento. A corrida e seus milhões de adeptos significam uma mudança social, e não moda passageira.

Texto: maira@planetanaweb.com.br

Corrida e evolução

Dennis Brambler e Daniel Lieberman, pesquisadores das universidades de Utah e Harvard, nos Estados Unidos, afirmam que a habilidade de correr por longas distâncias contribuiu para a evolução humana. Analisando estruturas ósseas ao longo da história paleontológica do homem, os biólogos constataram adaptações evolutivas e definições fisiológicas peculiares, como articulações ósseas da rótula, glândulas sudoríparas, ausência de pelos e tendão de Aquiles, essenciais para a realização de corridas de longa distância e para a dissipação do calor do corpo. Correr por longas distâncias atrás de presas na savana africana determinava a sobrevivência da espécie humana.

As hipóteses apresentadas no artigo Endurance Running and the Evolution of Homo, na revista Nature, baseiam-se no fato de que a corrida de longa distância era essencial para garantir uma dieta rica em proteínas e gordura, constituída por carne da caça e por carniça. A necessidade de correr, por sua vez, contribuiu para o desenvolvimento do corpo humano com sua atual estrutura, dentes pequenos e cérebro volumoso.

“A corrida de longa distância é uma forma primária de exercício e recreação, mas suas raízes podem ser tão antigas quanto a origem do nosso gênero, determinando de maneira relevante a constituição do corpo humano”, afirmam os cientistas.

A corrida internacional de São Silvestre, que acontece todo último dia do ano em São Paulo, é a mais tradicional do país. Ela já conta com mais de 20 mil inscritos.

“Eu diria para um iniciante começar devagar, alternando com caminhada. É preciso estar com a musculatura fortalecida. Eu, por exemplo, faço musculação e pilates. Outra dica é não começar a correr sozinho. É bom ter a orientação de um profissional, senão você acaba se machucando.”

Daniela Dalle Molle Guerra de Andrade corre há quatro anos. Em janeiro, foi com o marido fazer a meia maratona da Disney. Agora, se prepara para sua primeira maratona em Amsterdã ou Berlim