O tubarão-da-groenlândia é uma verdadeira excentricidade dos mares: sua carne é intragável, seus hábitos alimentares, ecléticos, e às vezes desagradáveis. Embora seja um grande caçador, não dispensa uma boa carniça, e em seu estômago já foram encontrados restos de renas e cavalos.

Outra característica menos atraente são seus olhos: crustáceos semelhantes a vermes se prendem às córneas, tornando seu hospedeiro quase cego. Felizmente, isso não parece representar um grande problema, já que ele consegue perseguir lulas sob o gelo do Ártico, em profundidades turvas de até mais de 2 mil metros. No entanto, o aspecto mais notável desse tubarão curioso é sua vida útil, a mais longa de qualquer vertebrado.

Olhos revelam a idade

A idade de outros tubarões pode ser determinada contando os anéis de crescimento em suas vértebras – da mesma forma como se contam os anéis no tronco de uma árvore.

Mas o tubarão-da-Groenlândia tem ossos macios e gelatinosos, que revelam pouco sobre sua história de vida. Foi apenas em 2016 que os cientistas revelaram sua extraordinária longevidade, olhando profundamente em seus olhos.

Apesar de não serem muito bons para enxergar, os olhos do tubarão, como os de outras espécies, contêm proteínas que são preservadas ao longo de toda a vida do animal. Os cientistas reuniram os olhos de 28 tubarões-da-groenlândia, capturados acidentalmente por traineiras de pesca, e os dataram por radiocarbono.

Tubarões menores estavam vivos desde o início dos anos 1960, quando altas concentrações de carbono-14 na atmosfera deixaram marcas de testes nucleares em seus tecidos.

Mas foi descoberto que uma fêmea adulta de cinco metros não só já existia antes da era nuclear, como bem antes da Revolução Industrial: os cientistas avaliaram seu nascimento em algum ponto entre 1504 e 1744.

Ameaçados pelo derretimento do gelo

Esse espécime sobreviveu a uma época em que tubarões eram caçados pelo óleo de seu fígado, usado em lâmpadas pré-elétricas. Altas concentrações de óxido de trimetilamina tornam sua carne venenosa. Consta que um processo de fermentação de meses a transforma numa delícia, mas certamente não é um prato para todos os gostos. Porém isso não impede de acabarem presos, como pesca indesejada, em redes destinadas a espécies mais apetitosas.

Milhares de tubarões-da-groenlândia encontram seu fim desse modo, a cada ano. E a ameaça aumenta à medida que as águas do Ártico esquentam e o gelo derrete, abrindo novas extensões de seu habitat para a pesca comercial.

O ritmo lento de suas vidas não ajuda: com um metabolismo excepcionalmente vagaroso, adaptado ao habitat gelado, eles só atingem a maturidade sexual aos cerca de 150 anos de idade. Por isso a crise climática também pode ser fatal para o tubarão-da-groenlândia. Se uma nova geração conseguir sobreviver, o mundo em que viverá será muito diferente do de seus pais.