“As pessoas portadoras de deficiência não querem pena. Querem uma oportunidade”, afirma Enilson de Moraes, presidente nacional da Associação Brasileira de Pessoas com Deficiência (ABPcD). Segundo ele, essas pessoas devem conquistar uma qualificação profissional para ser produtivas e valorizadas no mercado de trabalho. Formar bons profissionais é o objetivo dos cursos e palestras oferecidos pela ABPcD, criada devido à demanda pelos serviços de pessoas com deficiência.

A procura por esses trabalhadores aumentou desde a promulgação da Lei nº 8.213, cujo artigo 93 obriga as empresas a contratar funcionários com necessidades especiais de modo que eles representem de 2% a 5% do total de empregados. O descumprimento da lei implica multa, que nem sempre é leve. “Um banco chegou a pagar R$ 7 milhões”, comenta Moraes. Nos últimos tempos o governo tem pressionado mais as empresas e, em consequência, elas têm contratado mais deficientes, mas colocando-os em qualquer posto. No mercado de trabalho, muitos dos portadores de necessidades especiais são subestimados, o que os leva à baixa autoestima e ao pouco esforço em se inserir socialmente. Com o intuito de mostrar a esses indivíduos e às grandes corporações do que eles são capazes, a ABPcD oferece cursos profissionalizantes gratuitos aos deficientes com mais de 16 anos. Deve-se lembrar que os alunos começam o curso já empregados por uma companhia: esta contrata a ABPcD para realizar uma seleção e, posteriormente, fazer a qualificação dos profissionais.

Na outra página, Enilson, presidente nacional da ABPcD, ao lado de Marcelo, deficiente visual programador do HSBC. Na foto ao lado, Marcelo, que sozinho conseguiu aprender Linux.

Para cumprir seu objetivo de inclusão profissional e social, os cursos da ABPcD abordam conteúdo profissionalizante e comportamental. De início, os alunos passam por entrevistas (etapa que dura em média três meses) a fim de descobrir seu perfil profissional. Depois, são encaminhados para cursos de um a quatro meses, ministrados em salas que atendem às necessidades especiais de deficientes físicos, visuais, auditivos e intelectuais leves.

A outra metade do conteúdo do curso é dedicada à educação comportamental. É preciso ter em vista que muitas das pessoas com deficiência foram privadas do convívio social e, para elas, trabalhar numa empresa é se inserir num universo totalmente novo. Assim, o treinamento da ABPcD aborda temas como ética profissional, comporta mento no ambiente corporativo e relacionamento com colegas de trabalho. “Procuramos prepará-las socialmente”, afirma Moraes. “Não é só ensinar os outros a olhar a pessoa com deficiência, mas ensinar o próprio portador de deficiência a olhar e a compreender os outros no mundo em que será inserido e com quem passará a conviver.”

Um diferencial do serviço prestado pela ABPcD é o treinamento de conscientização e sensibilização, que busca ensinar a todos os funcionários de uma empresa como é a realidade dos deficientes. Moraes observa que muita gente não está acostumada a lidar com as pessoas com deficiência – trata-as como “coitadas”, e isso é um dos piores olhares que podem receber, pois faz o deficiente se sentir inválido. “Nosso objetivo é mostrar que todos são responsáveis por ajudar essas pessoas a elevar sua autoestima. Dar uma oportunidade a elas é mais que uma ajuda, é uma responsabilidade social.”

À medida que os deficientes se inseriram no mercado de trabalho, despontaram profissionais com muito potencial. A oportunidade dada a essas pessoas, acima de tudo, mostra como uma deficiência pode abrir portas para uma habilidade inigualável.

Uma pessoa com síndrome de Down, por exemplo, é excelente para executar trabalhos repetitivos, como organização e administração de materiais. Não por acaso, houve um crescimento do emprego delas em supermercados e hotéis. Os deficientes auditivos, por seu lado, demonstram alto poder de concentração. Por serem menos influenciados pelo meio externo, têm mais facilidade de desempenhar suas tarefas. Muitos deles são designados para a programação de computadores.

Uma empresa automobilística de Curitiba descobriu que um cego é capaz de desenvolver o trabalho de controle de qualidade melhor que uma pessoa dita normal. Motivos: ele tem maior capacidade de se concentrar e, pelo tato, consegue perceber pequenas saliências em peças de automóvel.

Cego de nascença, Marcelo Paula da Silva sempre sonhou em ser programador de computador. A profissão pode parecer impossível para quem não vê, mas Moraes garante: “Ele tem um programa, Jaws, que lê a tela do computador. Só que trabalha em uma velocidade tão rápida que não conseguimos acompanhá-lo.” Hoje, Marcelo trabalha no banco HSBC.

Moraes também destaca a história de Mirella Prosdócimo. Ela ficou tetraplégica aos 17 anos e hoje é diretora da Adaptare, voltada para pessoas com deficiência. No começo foi difícil, mas hoje ela vai ao shopping e ao cinema, acompanhada de mulheres que a ajudam nos afazeres cotidianos. “Ela diz que o mais difícil não foi enfrentar o problema físico, mas se assumir socialmente e agir de modo normal”, conta Moraes. Ele destaca que a influência de amigos, da família e de colegas que nunca a deixaram baixar a autoestima foi essencial para a superação.

Todas essas são capacidades que as pessoas com deficiência desenvolvem. A ABPcD busca ajudá-las para que possam se aceitar e ser aceitas socialmente, de modo que haja respeito por suas limitações e admiração por suas habilidades. “Dê uma oportunidade a uma pessoa com deficiência”, prega Moraes. “Ela vai segurar aquilo como a coisa mais importante. E demonstra por meio da atitude: uma pessoa sempre positiva, alegre, que contamina o departamento.”

Para saber mais www.abpcd.org.br

 

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