As mais antigas pistas automobilísticas da Alemanha estavam prontas para um grande campeonato. Porém as chuvas torrenciais mudaram os planos: galpões do Nürburgring testemunham agora solidariedade e calor humano.Milhares de fãs dos esportes automobilísticos haviam reservado em suas agendas o 15 a 17 de julho de 2021 para o ADAC Truck Grand Prix. Para quem as corridas de caminhões são as rainhas do esporte, nada como a batalha entre os colossos de aço de cinco toneladas e 1.200 HP, no campeonato europeu.

Mas há dias os motores se calaram no Nürburgring, o mais antigo circuito de grande prêmio de corridas da Alemanha, transformado, em vez disso, num centro de coleta e distribuição de artigos de primeira necessidade para as vítimas das intempéries no oeste do país.

O holandês Ferry, que nos últimos anos trabalhou como assistente no evento, também estava ansioso pelas emoções nas pistas do complexo de Nürburgring, no estado da Renânia-Palatinado. Mas quando as enchentes se abateram sobre a região, ele não hesitou em ficar para dar apoio aos atingidos.

“Sou totalmente fanático por corridas de carro, e é claro que tinha imaginado bem diferente o fim de semana. Mas em horas assim, tudo mais é secundário, o que está em primeiro plano é ajudar.”

Solidariedade sem limites

Ferry havia chegado na quarta-feira de Hamm, a 200 quilômetros de distância, e estava num supermercado de Ahrweiler quando as inundações começaram a fazer estragos. Assim que conseguiu chegar mais ou menos seco em seu acampamento, foi imediatamente recrutado. Agora, ele é um das centenas de voluntários que carregam caixas de suco, margarina e água entre as estantes nos galpões do complexo esportivo.

“Quando se está diante de uma família, a mulher só de toalha, o homem de roupão de banho, com a criança pela mão, você pode ser forte como quiser: os olhos simplesmente se enchem de lágrimas. Já vi algumas enchentes no meu país, mas nunca passei por uma coisa assim”, comenta o holandês, visivelmente emocionado.

Simone Becker também é uma fã das corridas, que há 20 anos frequenta o templo alemão do esporte. Eram 2h00 da madrugada da quinta-feira, quando ela partiu para o centro de assistência.

“Meu marido nem perguntou, simplesmente pegou o carro e foi, assim que chegou o primeiro apelo de ajuda. Somos profundamente ligados ao Nürburgring, e agora estão precisando de nós de uma maneira diferente. Estamos aqui para coisas super importantes, solidariedade não tem limites.”

Administrar as emoções é o mais difícil

De colete amarelo, Simone foi designada como coordenadora, e cuida para que sejam devidamente distribuídas as centenas de sacolas azuis cheias de comida e roupas secas, brinquedos e carrinhos de bebê.

Para ela, a tarefa mais difícil é consolar as dezenas de desabrigados hospedados no hotel de quatro estrelas do outro lado da rua. “Eu falo com todo mundo aqui, também com os ajudantes. Todos têm que, de algum modo, se arranjar com as próprias emoções. E, afinal, a gente não tem a menor experiência com esse tipo de acontecimento.”

Há uns metros de distância, na frente de cabideiros carregados de roupas para homens, mulheres e crianças, está o porta-voz do circuito de Nürburgring Alexander Gerhard. Ele e seus colegas organizaram logo na quinta-feira um centro de assistência no local, e comunicaram imediatamente nas redes sociais.

“E aí, de repente, aquilo que pensamos como uma ação emergencial regional, se transformou num centro nacional de coleta de donativos. Temos aqui quatro galpões cheios de coisas, montanhas e toneladas e roupas”, conta, admirando comovido os voluntários que demonstram tanta disposição de ajudar

Unidos na catástrofe

De toda a Alemanha, e até da Suíça, acorre gente para auxiliar e doar roupas. O Nürburgring foi até forçado a pedir que os artigos sejam enviados a outros locais de coleta, explicando que ali só é necessário água e alimentos.

A policia, o corpo de bombeiros e o serviço federal de defesa civil THW também utilizam o complexo esportivo como sede de operações, devido a sua localização central. “O que está acontecendo aqui é fora do comum. Acima de tudo, é impressionante a disposição de ajudar: todo mundo funciona e dá o que pode, o melhor possível”, admira-se Gerhard.

E é exatamente isso que o padre Klaus Kohnz vem pregando há mais de 30 anos na cidade de Nürburg e cercanias. Sentado no saguão do hotel do circuito, ele espera sua próxima missão de apoio espiritual, depois de já ter assistido hoje mais de uma dezena de vítimas da enchente.

“A maior preocupação das pessoas é com os parentes. E, claro, a incerteza de se vão poder voltar a morar nas suas casas. E a questão de como há de ser o futuro profissional dela; afinal, existências inteiras foram arrasadas.” Kohnz tem longa experiência com enchentes: a casa de seus pais, à beira do rio Mosela ficava frequentemente com água até os joelhos. Mas nunca viu nada assim.

Quem procura seus conselhos são sobretudo os mais idosos: “Por um lado, é claro, eles estão completamente fora de si por todas essas vivências horríveis, e agora, também totalmente extenuados fisicamente. Muitos ainda perderam os números de celular dos parentes; são coisas que consomem muito.”

No fim do dia, o padre parte para a última missa em sua paróquia. Mas estará de volta ao Nürburgring pela manhã, assim como todos os demais voluntários: “O sofrimento afeta fundo a gente. E grandes catástrofes, como esta enchente gigantesca, unem os seres humanos.”