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Maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, a região de Abrolhos viu a lama da Samarco bater à sua porta ao atingir a foz do rio Doce, no Espírito Santo, limite sul da sua área de 95 mil km2. Graças a condições adequadas de temperatura, pressão e um tanto de sorte, o desastre ambiental não adentrou muito mais o território que se estende, por terra e mar, até o rio Jequitinhonha, na Bahia. Mas evidenciou a fragilidade desse paraíso nacional, que muitos acreditam (erroneamente) se restringir ao Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, reconhecido pela ONU como Sítio Ramsar – designação das áreas alagadas ou marinhas mais importantes do mundo.

Ao contrário disso, a área é um corredor ecológico com diferentes categorias de unidades de conservação, como parques nacionais e estaduais, áreas de proteção ambiental, reservas extrativistas e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Desembarcada na região em maio deste ano, a equipe Miramundos abraçou o desafio de mapear toda sua extensão. Durante um mês, percorreu 4.650 km de carro, 500 km de barco a motor e 40 km a remo, 200 km de bicicleta, 150 km de caminhada e visitou 14 cidades.

“Diferentemente dos que fazem trabalhos de pesquisa e científicos, que viajam a pontos específicos para estudos a fundo, nossa proposta foi fazer um trabalho jornalístico mais abrangente e inédito naquela área”, conta o fotojornalista Rafael Duarte. Além de Duarte, a expedição contou com os fotógrafos Flavio Forner e Enrico Marcovaldi, este especializado em imagens subaquáticas; com a cobertura audiovisual de Pedro Serra e com o preparo logístico de Jaime Portas Vilaseca, que também foi curador do produto dessa aventura, o livro Abrolhos – Terra e Mar (Editora Bambalaio).

Como, antes de embarcarem nas expedições que planejam, Duarte e Vilaseca (os fundadores da Miramundos) buscam se aproximar de organizações que já atuam nos locais de interesse, a empreitada recebeu um suporte especial da Conservação Internacional do Brasil, presente há 20 anos nessa região. Outro grande parceiro foi a Marinha do Brasil, que abriu as portas da Ilha de Santa Bárbara, área sob sua proteção, e facilitou o acesso a parques da região atualmente fechados para o público.

A equipe se propôs a captar a diversidade da região não só em riqueza natural, mas também em arquitetura, religiosidade, artesanato, comunidades e costumes locais. Para o bem e para o mal. “Retratamos a região como a encontramos: a foz do rio Doce amarronzada, os dias nublados, as árvores arrastadas e as barreiras construídas para conter o avanço do mar”, diz Duarte. Se por um lado a beleza das paisagem encheu seus olhos, o que mais o impressionou foi o impacto social decorrente das questões ambientais do desastre da Samarco e das mudanças climáticas.

Marcada pelos recifes, a região sofre com o aumento da temperatura das águas, que abala o equilíbrio marinho e mata os corais. Por outro lado, a pesca predatória já ameaça de extinção o budião-azul, peixe herbívoro que se alimenta de algas; sem ele, as algas crescem muito, sufocam e também matam os corais. Outra espécie quase ameaçada que frequenta a região é a baleia-jubarte. Vindas do sul do continente, essas baleias ficam no arquipélago de junho a novembro para se reproduzir.

Enquanto estas ainda encontram condições propícias na região, as tartarugas já sofrem as consequências da lama da Samarco. O Projeto Tamar registrou uma enorme baixa este ano: poucas tartarugas chegaram até as praias de Regência (ES), próxima à foz do rio Doce, local ao qual voltam anualmente para desova. O alerta “abra os olhos!” (origem do nome Abrolhos), para os navegantes portugueses não perderem seus barcos nos corais, serve hoje para chamar nossa atenção para a preservação dos corais e de todas as riquezas naturais e culturais dessa área.