O material genético que codifica as adaptações e os “superpoderes” de morcegos – como voar, usar o som para se mover sem esforço em completa escuridão, tolerar e sobreviver a vírus potencialmente mortais e resistir ao envelhecimento e ao câncer – foi revelado e publicado na revista “Nature”. O trabalho foi feito pelo consórcio internacional de cientistas Bat1K, que sequenciou o genoma de seis espécies de morcegos vivos amplamente divergentes. David Jebb, Martin Pippel (ambos do Instituto Max Planck de Biologia Celular e Molecular e Genética, da Alemanha) e Zixia Huang (da University College Dublin, da Irlanda) são os principais autores do texto divulgado na “Nature”.

Embora outros genomas de morcegos já tenham sido publicados anteriormente, os sequenciados pelo Bat1K são dez vezes mais completos do que qualquer outro de morcego divulgado até hoje.

Um aspecto das descobertas do artigo mostra a evolução através da expansão e perda de genes na família de genes APOBEC3. Essa família é conhecida por desempenhar um papel importante na imunidade a vírus em outros mamíferos. Os detalhes que explicam tal evolução estabelecem as bases para investigar como essas alterações genéticas, encontradas em morcegos, mas não em outros mamíferos, poderiam ajudar a prevenir os piores resultados de doenças virais em outros mamíferos, incluindo humanos.

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Genomas incompletos

“Cada vez mais, encontramos duplicidades e perdas genéticas como processos importantes na evolução de novos recursos e funções em toda a árvore da vida”, disse Liliana M. Dávalos, bióloga evolucionária do Departamento de Ecologia e Evolução da Faculdade de Artes e Ciências da Stony Brook University (EUA) que trabalhou no comitê executivo do Bat1K e também assina o estudo. “Mas determinar quando os genes se duplicaram é difícil se o genoma estiver incompleto. E é ainda mais difícil descobrir isso se os genes foram perdidos. Com uma qualidade extremamente alta, os novos genomas de morcegos não deixam dúvidas sobre mudanças em importantes famílias de genes que não poderiam ser descobertas com genomas de qualidade inferior.”

Para sequenciar os genomas, a equipe usou as mais recentes tecnologias do Centro de Genoma de Dresden (Alemanha). O trabalho gerou novos métodos para montar essas peças na ordem correta e identificar os genes presentes. Embora os esforços anteriores tivessem identificado genes com potencial para influenciar a biologia única dos morcegos, descobrir como as duplicações de genes contribuíam para essa biologia única era complicado por causa dos genomas incompletos.

A equipe comparou esses genomas de morcegos com os de outros 42 mamíferos para decifrar onde os morcegos estão localizados na árvore da vida dos mamíferos. Usando novos métodos filogenéticos e conjuntos de dados moleculares abrangentes, os pesquisadores descobriram que os morcegos estão mais intimamente relacionados a um grupo chamado Ferungulata. Ele abrange carnívoros (que incluem cães, gatos e focas, entre outras espécies), pangolins, baleias e ungulados (mamíferos com cascos).

Evolução diferente

Para descobrir mudanças genômicas que contribuem para as adaptações únicas encontradas em morcegos, a equipe procurou sistematicamente diferenças genéticas entre eles e outros mamíferos. Os pesquisadores identificaram regiões do genoma que evoluíram de maneira diferente em morcegos e a perda e ganho de genes capazes de impulsionar os traços únicos desses animais.

“É graças a uma série de análises estatísticas sofisticadas que começamos a descobrir a genética por trás dos ‘superpoderes’ dos morcegos, incluindo sua forte capacidade aparente de tolerar e superar vírus de RNA”, disse Dávalos.

Os pesquisadores encontraram evidências nos requintados genomas desses animais de “vírus fossilizados”, evidências de infecções virais sobreviventes no passado. Mostrou-se também que os genomas de morcegos contêm uma diversidade maior desses remanescentes virais do que outras espécies, fornecendo um registro genômico da interação histórica antiga com infecções virais. Os genomas revelaram ainda as assinaturas de muitos outros elementos genéticos além das inserções virais antigas, incluindo ‘genes saltadores’ ou elementos transponíveis.