Pesquisadores de uma equipe internacional decifraram um segredo sobre a concha de um animal marinho. Os pesquisadores explicaram por que a capa protetora do braquiópode Discinisca tenuis torna-se extremamente mole na água e endurece novamente no ar. O estudo foi publicado na revista Nature Communications.

Nativo da costa ocidental da África, esse braquiópode possui uma concha rica em minerais que o protege das influências ambientais nocivas. Banhar a concha na água, no entanto, leva a uma mudança estrutural no material. Uma vez molhada, a casca dura e plana torna-se tão flexível que pode até ser dobrada sem quebrar. Com a ajuda do Swiss Light Source SLS – síncrotron instalado no Instituto Paul Scherrer (PSI), na Suíça) –, os pesquisadores decifraram exatamente como essa transformação ocorre.

O fenômeno foi descoberto por acaso há alguns anos por Fabio Nudelman, químico de materiais atualmente na Escola de Química da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Maggie Cusack, recentemente nomeada presidente da Munster Technological University, na Irlanda, forneceu a Nudelman conchas do Discinisca tenuis, originário da Namíbia. Quando ele quis lavar o objeto duro, de repente ele se tornou macio e flexível em contato com a água. A casca havia absorvido líquido e, portanto, mudado sua estrutura. O processo foi reversível: quando a casca secou, ​​tornou-se dura e quebradiça novamente.

Truque especial

Junto com colegas de seis países, Nudelman decidiu descobrir o que exatamente acontece durante essa transformação inesperada. “Em sua composição, a casca lembra um osso”, explica. “Mas o osso não muda sua estrutura quando fica molhado.” O mesmo vale para os mariscos: se os animais precisam adaptar as propriedades de sua concha às diferentes condições ambientais, normalmente têm que retrabalhar o material em um processo demorado e energeticamente caro, reabsorvendo e redistribuindo minerais. Não funciona simplesmente através da absorção de água.

Foi a chamada criotomografia, realizada no Swiss Light Source SLS, que “abriu a porta para revelar o segredo”, disse Johannes Ihli, pesquisador do Instituto Paul Scherrer no SLS e autor correspondente do artigo na Nature Communications. Com essa técnica, os pesquisadores examinaram o material como se estivessem sob um microscópio de altíssima resolução e, de fato, em temperaturas extremamente baixas. “Em temperatura ambiente, isso não teria sido possível, já que a luz de alta energia dos raios X alteraria imediatamente a estrutura sensível da concha”, explicou Ihli.

A casca do braquiópode, que não tem mais do que meio milímetro de espessura, consiste em um material híbrido: principalmente um mineral inorgânico no qual são incorporados polímeros orgânicos feitos de proteínas e açúcares. Ossos, conchas de moluscos e dentes são estruturados de maneira semelhante a partir de uma mistura de material orgânico e inorgânico. O mineral que constitui o principal componente da casca é um tipo de fluoroapatita – semelhante ao material que compõe o esmalte de nossos dentes.

Vantagem evolutiva

Minúsculos nanocristais desse material são organizados em camadas. Nudelman o comparou às paredes de tijolos: “Nesta analogia, os tijolos são os nanocristais, e a argamassa entre os tijolos consiste em moléculas orgânicas como quitina e proteínas.” Como os pesquisadores observaram, essa “argamassa” pode absorver grandes quantidades de água, fazendo com que ela inche. Por meio do armazenamento de água, ela muda sua estrutura: torna-se macia e os tijolos se tornam móveis uns em relação aos outros. “Então, a água atua como um lubrificante entre os nanocristais individuais”, explicou Ihli. “Os cristais podem deslizar uns contra os outros.” Por meio desse movimento, a concha se torna flexível.

Discinisca tenuis vive em grandes aglomerados em zonas de marés da costa onde, dependendo da maré, os animais estão expostos a ondas fortes ou águas calmas. Os pesquisadores especulam que provavelmente é vantajoso que os animais possam adaptar rapidamente a maciez ou dureza de sua concha à respectiva situação: “Isso pode evitar danos à concha e, portanto, ser a chave para a sobrevivência dos animais”, escrevem no estudo. O fenômeno pode até ser mais disseminado do que se suspeitava: “Não sabemos quantas outras espécies de animais podem existir com esse tipo de propriedade”, disse Nudelman.

Além da biologia e da evolução, os conhecimentos recém-adquiridos também são de interesse para a ciência dos materiais: o desenvolvimento de um material duro e quebradiço cuja rigidez pode ser controlada pode ser uma promessa para muitas aplicações. Roupas esportivas ou capacetes, por exemplo, podem ser capazes de se adaptar com flexibilidade aos movimentos e sempre oferecer a proteção necessária dependendo do impacto. Aproveitar esse fenômeno também pode ser útil no desenvolvimento de materiais de substituição óssea.