O Planalto do Tibete há muito é considerado um dos últimos lugares a ser povoados por humanos em sua migração ao redor do globo. Um novo artigo de arqueólogos americanos e chineses destaca que os denisovanos, nossos primos extintos, alcançaram o “teto do mundo” cerca de 160 mil anos atrás – 120 mil anos antes das estimativas anteriores para nossa espécie – e até mesmo contribuíram para a nossa adaptação à elevada altitude.

Publicado online na revista Trends in Ecology & Evolution, o artigo sugere que um cruzamento de evidências arqueológicas e genéticas fornece pistas essenciais para reconstruir a história do povoamento da região.

Hibridização

Os denisovanos eram hominíneos arcaicos outrora dispersos pela Ásia. Depois de vários casos de cruzamento com os primeiros humanos modernos na região, uma de suas hibridizações beneficiou a sobrevivência e o assentamento dos tibetanos em grandes altitudes.

Essas conclusões estão entre as descobertas que levaram Peiqi Zhang, doutoranda da Universidade da Califórnia em Davis (EUA) que participou de escavações de um sítio arqueológico acima de 4.600 metros no Tibete, e Xinjun Zhang, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) que estuda DNAs humanos e denisovanos, a fazer a pergunta: o que sabemos sobre como e quando a região foi povoada? (Xinjun Zhang obteve seu doutorado em antropologia genética na UC Davis em 2017. As duas pesquisadoras não são parentes.)

As cientistas conduziram uma revisão das evidências da dispersão e assentamento humano no Planalto Tibetano, integrando as descobertas arqueológicas e genéticas até agora. “Antes de nosso artigo, faltava uma revisão abrangente que reunisse os dois campos, especialmente com igual ênfase”, disse Peiqi Zhang.

Quatro períodos de ocupação

As investigações arqueológicas sugerem quatro períodos principais de ocupação, começando com denisovanos cerca de 160 mil anos atrás e seguidos por três períodos de humanos que chegaram a partir de cerca de 40 mil anos atrás, 16 mil anos atrás e 8 mil anos atrás.

“Com base em evidências arqueológicas, sabemos que existem lacunas entre esses períodos de ocupação”, disse Peiqi Zhang. “Mas o trabalho arqueológico no Planalto Tibetano é muito limitado. Ainda existe uma possibilidade de ocupação humana contínua desde o final da Idade do Gelo, mas não encontramos dados suficientes para confirmá-la.”

Os denisovanos foram identificados pela primeira vez em 2010, com base no DNA extraído do osso de um dedo de uma menina encontrado em uma caverna nas montanhas Altai, na Sibéria. Seu DNA carregava o haplótipo altamente semelhante ao gene Endothelial Pas1 (EPAS1), que em populações vivas é conhecido por melhorar o transporte de oxigênio no sangue. A maioria dos tibetanos modernos carrega uma alta frequência do gene EPAS1.

Em 2019, um maxilar de uma caverna no Planalto Tibetano foi identificado provisoriamente como denisovano, mas não foi possível determinar se a mandíbula carregava o mesmo gene. “Não sabemos se os denisovanos se adaptam à hipóxia do Planalto Tibetano a esse ponto”, disse Peiqi Zhang.

Grupos distintos

Pouco se sabe sobre a biologia e o comportamento dos denisovanos no planalto.

Estudos genéticos mostram que asiáticos e oceânicos (pessoas da Austrália, Nova Zelândia, Melanésia, Micronésia e Polinésia) herdaram diferentes quantidades de DNA denisovano, disse Xinjun Zhang. “Isso pode significar que o cruzamento ocorreu em algum lugar da Ásia nos ancestrais asiáticos antes da subdivisão das populações locais que vemos hoje”, disse ela.

E isso aconteceu mais de uma vez. “A partir dos estudos genéticos, podemos detectar que todos os asiáticos do oriente, incluindo os tibetanos, cruzaram com dois grupos denisovanos distintos, sendo um desses eventos exclusivo para os asiáticos do leste (e o outro compartilhado com outros asiáticos do sul)”, disse Xinjun Zhang.

“Uma vez que todos os asiáticos orientais mostram os mesmos padrões, temos motivos para acreditar que esse evento de cruzamento (aquele que é exclusivo dos asiáticos orientais) aconteceu em algum lugar nas terras baixas, em vez de no planalto.”

Adaptação biológica

As pesquisadoras propõem dois modelos de ocupação humana do Planalto Tibetano como uma estrutura para estudiosos que podem ser testados por descobertas futuras:

1) Visitas intermitentes antes de se estabelecer lá durante todo o ano, por volta do fim da Idade do Gelo, cerca de 9 mil anos atrás;

2) Ocupação contínua começando 30 mil a 40 mil anos atrás.

Em qualquer um dos modelos, os denovisanos poderiam ter passado o haplótipo EPAS1 para os humanos modernos cerca de 46 mil a 48 mil anos atrás.

“A questão principal é se eles ficavam lá o ano todo, o que significaria que foram adaptados biologicamente à hipóxia”, disse Nicolas Zwyns, professor associado de antropologia da UC Davis e autor supervisor do artigo. “Ou eles simplesmente acabaram lá por acidente e então voltaram para as terras baixas ou simplesmente desapareceram?”

Não está claro quando os denisovanos foram extintos, mas alguns estudos sugerem que pode ter sido há 20 mil anos. “Embora não saibamos se eles estavam adaptados à elevada altitude, a transmissão de alguns de seus genes para nós será a virada do jogo milhares de anos depois para nossa espécie se adaptar à hipóxia”, disse Zwyns. “Isso para mim é uma história fantástica.”