“Lembrem-se: chega de celulares”, disse o papa Francisco, com 40 milhões de seguidores em seu perfil no Twitter, ao interromper uma missa na Praça de São Pedro para recriminar o uso massificado dos smartphones. Não é a primeira vez que o papa se pronuncia oficialmente sobre a tecnologia entre os católicos. Em 2014, Francisco pediu que se “fizesse bom uso do mundo digital” e ainda alertou para “os perigos da rede”. Mas moderou seu discurso ao afirmar que “a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isso é algo bom, é um dom de Deus”.

O padre Marcelo Magalhães concorda com o papa e considera que a internet pode ser também um espaço de fé. Ele é o diretor de comunicação do Santuário de Aparecida do Norte e responsável por sua versão virtual, que recebeu 14 milhões de visitas em 2016. “Embora seja virtual, passa pelo espiritual, passa por uma oração, há uma conexão com Deus. O que preocupa a Igreja é que a pessoa se relacione com Deus, que faça a oração, mantenha a espiritualidade. Se não consegue ter diálogo com Deus, aí vai ser um problema”, esclarece.

O papa Francisco: bom senso no mundo digital (Foto: iStockphotos)

Na página a12.com/santuario, recentemente atua­lizada para ser acessada em dispositivos móveis, é possível ver os 72 mil m2 da basílica em tempo real, de diferentes ângulos, em qualquer uma das 24 horas do dia. E, mais do que acompanhar uma missa ou ler trechos da Bíblia, o devoto pode acender uma vela virtual sem custos, a menos que queira voluntariamente fazer uma contribuição, também online. Já são mais de 2,5 milhões de velas acesas através do site desde o seu lançamento.

Ressalvas

Embora o Vaticano tenha forte presença online há bastante tempo – o papa Bento XVI, em 2012, foi o primeiro pontífice a ter um perfil no Twitter –, não é qualquer novidade virtual que a Santa Sé recebe com entusiasmo. O lançamento de um aplicativo (app) para confissão (veja box abaixo) é aceito com ressalvas. A professora Nathalie Hornhardt, que leciona comunicação e religião na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), comenta que o app é encarado pelo Vaticano como válido, mas apenas como um adiantamento, uma orientação; ele não deve substituir a confissão real.

“A Bíblia é um dos apps mais baixados hoje; ao mesmo tempo, a Igreja Católica ainda pisa em ovos, não sabe quais são os limites – ela está testando, até porque é a instituição que mais tem perdido fiéis”, diz. Nathalie lembra que, em relação à “digitalização” da fé, os evangélicos (pentecostais) antecederam os católicos e atuam com mais desenvoltura. “Eles realmente viram uma possibilidade de mercado”, avalia a professora.

Santuário de Aparecida: 14 milhões de visitas na versão virtual. (Foto: Divulgação)

Magali Cunha, professora e pesquisadora de mídia e religião da Universidade Metodista, também destaca o pioneirismo dos evangélicos nas mídias digitais. Ela lembra que a Igreja Católica sempre valorizou as redes de comunicação (instituindo, inclusive, o Dia Mundial das Comunicações), mantém uma importante presença do papa no Twitter e reconhece o alcance da fé virtual. Por outro lado, esclarece, “a Igreja Católica tem um apego muito grande à questão do sacramento, então a virtualidade esbarra em alguns dogmas. Mas isso já não ocorre entre os evangélicos, pois eles não são tão ligados ao sacramento”.

Além da presença significativa em rede (veja quadro à esquerda), com perfil no Facebook, Twitter, YouTube e Instagram, a Igreja Universal do Reino de Deus oferece o conforto das palavras do pastor a distância. O fiel angustiado conta com serviço de chat com o pastor ou grupos de auxílio e aconselhamento via WhatsApp. Doações e promessas também podem ser feitas pelo site.

Sempre na mídia

A reforma protestante, que completou 500 anos em 2017, já apontava para a relação entre mídia e religião, segundo o professor de teologia Gerson Leite de Moraes, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele observa que a imprensa foi fundamental para as ideias de Lutero e que a modernidade nasce desse casamento entre a religião e os meios de comunicação. “A mídia é um grande facilitador da transmissão da mensagem, mas isso não é novidade; a novidade é uma mídia nova e diferente. O problema é quando a religião passa a ser exposta como mercadoria”, afirma.

Prensa antiga, instrumento que permitiu a expansão das ideias de Lutero. (Foto: iStockphotos)

Se velas, orações e aconselhamentos vão e vêm pela rede mundial, técnicas como passes espirituais não teriam por que ficar de fora. Páginas kardecistas ou de religiões de matriz africana orientam como receber um passe via internet. E o uso da mídia para ampliar o alcance das mensagens religiosas não se restringe apenas aos cultos ocidentais. Em países europeus e nos Estados Unidos há pregadores islâmicos na televisão. É possível ainda fazer um tour virtual por templos budistas e praticar meditação.

Também se ensina a praticar a umbanda a distância. Uma página que seria a primeira plataforma de ensino online de umbanda oferece diversos cursos sobre a prática (veja box abaixo). Entre suas missões está: “Unir tecnologia e espiritualidade a favor da disseminação do conhecimento e da construção de ideias para a evolução humana”.

Para Horn­hardt, o sucesso da adesão da prática virtual da fé também se justifica por atender a uma sociedade cada vez mais individualizada e sem tempo. “Estamos na época mais mimada dos indivíduos”. Moraes concorda e considera que ainda é cedo para avaliar os desdobramentos desse espaço diferente de celebrar a fé. “É um fenômeno que está despertando pesquisas e debates e, por enquanto, causa estranhamento na religião tradicional, mas vamos ver como isso se desenvolve ao longo do tempo”.


Fé num clique

Aplicativos e sites de sucesso na internet ganham versões como espaços para praticar a fé e experimentar a espiritualidade

• App Confissão
No “Confession: A Roman CatholicApp” (em versão Android ou iOS), o fiel marca suas falhas, numa espécie de formulário. Ao final, o app gera a penitência baseada no relato e por meio de algoritmos. É possível até receber um relatório sobre os pecados mais comuns.

• Amor abençoado
Sites (já há um tempo) e aplicativos facilitam a união de casais de mesmo credo. Conhecido como “Tinder Cristão” ou “Tinder Evangélico”, o Divino Amor (do dono do Tinder) oferece possibilidade de matches para católicos ou evangélicos. Pode-se até aplicar alguns filtros. Há também alguns mais restritivos, como o Amor Católico ou o JSwipe (só para judeus).

• GodTube
Versão gospel do YouTube. Usuários podem postar ou assistir a vídeos de oração, cultos, orientações e de música de artistas do estilo.

• UniVer
Conhecida como a ‘Netflix’ da Universal e pelo slogan “Univer para Crer”, é uma plataforma de vídeos em streaming com programação apenas religiosa.

• UmbandaEAD
Seria a primeira plataforma de ensino online de umbanda. Com mais de 240 mil seguidores em seu perfil no Facebook e 27 mil em seu canal do YouTube, abrange várioos cursos, como Oferendas, Mediunidade, Gestão de Terreiros ou Candomblé.

• Santa Ceia em casa
E-commerces de produtos religiosos vão de velas a atabaques, de santos a orixás. Mas é possível encontrar também hóstia e vinho, itens ligados à comunhão. O Vaticano se posicionou oficialmente, a pedido do papa Francisco, sobre a responsabilidade com o “sacrifício eucarístico”, manifestando, entre as orientações a párocos e fiéis, “preocupação com a venda da matéria eucarística em supermercados, lojas e até mesmo na internet”.

• FaceGloria
Apresentava-se como “a rede social da família cristã”. Lançada em 2015, ganhou fama ao substituir o botão “curtir” por “amém”, mas, fez um inimigo poderoso, o próprio Facebook, e não sobreviveu a um processo judicial.