Em tempos de isolamento social, mães contam como lidam com a solidão e a saudade dos filhos, que aperta ainda mais em datas comemorativas.Confinada em seu apartamento na cidade de Atibaia, interior paulista, a professora aposentada Márcia Maria Lopes Coelho, de 73 anos, recorda-se exatamente do dia 15 de março de 2020. Já faz quase 14 meses: aquele domingo foi a última vez que ela sentiu o abraço de seus filhos, foi a última vez que ela teve um contato físico com alguém.

Viúva, Márcia é mãe de dois filhos e avó de dois netos. No dia em que foi abraçada pela última vez, o filho mais velho, o designer Lucas, de 39 anos, levou uma boa compra de supermercado. A ideia era abastecer a despensa para que a mãe pudesse enfrentar o isolamento. Fazia apenas quatro dias que a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia decretado que a covid-19 era uma pandemia global e, àquela altura, interrogações eram maiores do que qualquer perspectiva.

“Jamais imaginei que um período de isolamento social fosse durar tanto tempo”, comenta ela. “O ser humano é um ser social, não consegue viver isolado. Uma vida enclausurada é ir morrendo cada dia um pouquinho.”

“[Naquele 15 de março] levei uma compra grande de mercado. Estava de máscara, conversamos e, na hora de ir embora, dei um abraço nela”, recorda Lucas.

“Lembro-me de conversar com ele, de comentar que 'se Deus quiser, não vai durar muito tempo, lá para o meio do ano tudo já vai estar normalizado'”, diz Márcia. Evidentemente que o período de isolamento se arrastou muito mais do que o imaginado naquele dia. Para que Márcia pudesse se manter em casa, compras de supermercado e farmácia passaram a ser feitas pela filha Giuliana, de 36 anos — e os pacotes deixados passaram a ser deixados à porta.

No dia 4 de maio 2020, quando a professora aposentada completou 72 anos, os filhos organizaram uma festa virtual surpresa, reunindo os familiares por videoconferência. No dia 10 daquele mês, primeiro Dia das Mães em tempos de covid-19, veio o baque: foi quando Márcia sentiu o peso do isolamento.

“O ficar sozinha por opção é uma coisa, o ficar sozinha por necessidade, por estar proibida [de ter contato com alguém], é outra: deixa a gente desnorteada”, diz Márcia. “Há momentos em que quero sair, conversar, ir na rua, respirar, ir ao mercado, ir à loja apenas para conversar com a moça da loja.”

Sem baixar a guarda

A situação de Márcia se tornou mais difícil porque ela tem transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Conforme relata, em determinados momentos passou a achar que tudo à sua volta estava contaminado, infectado, tomado pelo coronavírus. Em alguns dias, chegava a lavar as mãos a cada 10 minutos e não tocava em nenhum objeto em sua casa. “Ficava andando de um lado para o outro, nem me sentar eu podia, para não encostar em nada”, conta.

Medicada e orientada por um psiquiatra, ela considera que o quadro está sob controle. Mas nem ela nem os filhos acham que é hora de baixar a guarda. “É dolorido [o afastamento], mas é necessário para não colocarmos sua vida em risco”, avalia Lucas.

“A esperança é a última que morre, mas também é a primeira que mata”, comenta a professora aposentada. “Todos os dias a gente vê as notícias e percebe que a situação ainda é grave.”

Vacinada com as duas doses — em 20 de março e 14 de abril —, ela agora admite algum relaxamento. Na última terça, quando celebrou o 73º aniversário, recebeu a filha, o genro e os netos. Mas mantendo distanciamento e, claro, todos usando máscara. Diz que sente falta de ver um sorriso ao vivo, mas por enquanto recorre às videochamadas para isso.

Os abraços ainda vão ter de esperar. Tanto ela quanto os filhos acreditam que é preciso que todos estejam vacinados para que não haja risco para nenhum deles. O Dia das Mães vai ser via WhatsApp. “É um esforço. Mas não estar com ela neste momento é o maior presente que a gente pode dar para garantir a sua saúde”, diz Lucas.

“Tenho saudades de contato social, de pegar meu neto no colo, abraçar meus filhos. Eu não sei viver sem compartilhar minha vida com alguém”, afirma Márcia. “Não quero perder a esperança [de que tudo vai voltar ao normal], mas há momentos em que fico desesperançada. Não imaginava que isso iria se prolongar por tanto tempo. Mas temos de esperar: enquanto a maioria da população não estiver vacinada, todos corremos riscos.”

“Eles estão presentes no meu coração e pensamento”

Na família Massunari, o isolamento social necessário por conta da pandemia foi agravado pelo fator geográfico. Enquanto a professora Maria das Graças Côrtes Massunari, de 69 anos, segue vivendo com o marido em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, os três filhos acabaram se fixando longe dali. Gustavo, de 41 anos, em Manaus, Amazonas. Alexandre, de 40 anos, em Taubaté, no interior paulista. A caçula Laura, de 37, vive em Porto Velho, Rondônia.

Se os encontros já eram raros, acabaram inviabilizados pela situação epidêmica. A última vez que mãe e filho se encontraram foi em janeiro de 2020.

“Sinto muita falta deles todos. Tudo em casa me lembra deles: um bolo, uma comida gostosa, uma música, tudo me faz pensar e sentir a presença deles”, comenta. “Por onde ando aqui em casa, eles estão presentes no meu coração e pensamento.”

“Muitas vezes, sinto vontade de voar, ser um pássaro”, acrescenta. E quando vão voltar a se ver? “Vai depender da pandemia, talvez ainda este ano. É muito triste passar as datas comemorativas sem eles. Tem dias que a saudade aperta mais. Só que não dá, eu entendo.”

“A gente tem de ter esperança que tudo vai melhorar”

No residencial para idosos Lar Sant'Ana, de São Paulo, muitos dos residentes não têm contato físico com os familiares desde 9 de março do ano passado. As visitas passaram a ser visuais — foi instalada uma barreira de acrílico para proteger os moradores e, ao mesmo tempo, amenizar as saudades.

“É sempre mais gostoso encontrar o filho e dar um abraço, um beijo, né? Mas se não dá, fazer o quê?”, comenta a moradora Anna Lyrs Guimarães de Carvalho, de 95 anos, que vive ali desde 2008. Ela é mãe de três filhos.

Carmen Perez Gimenez, de 89 anos, também lamenta o distanciamento social. “Sempre fui muito beijoqueira. Muita saudade [de abraçar], eu era muito amorosa com eles [os três filhos]. Às vezes choro de lembrar, mas minha maior vitória é que eu tenho uma família super-unida.”

“A gente tem de ter esperança que tudo vai melhorar, apesar de tanta coisa ruim que a gente está vendo”, diz ela, sobre a pandemia.