Cortar emissões de gases de efeito estufa para que a Terra se aqueça no máximo 1,5 °C é um esforço que vale a pena, se comparado a um limite de 2,0 °C. Essa é a conclusão do relatório especial do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática) divulgado em 5 de outubro em Incheon (Coreia do Sul). Para tornar isso possível, porém, uma mitigação drástica deve ser deflagrada “muito antes de 2030″, dizem os cientistas.

O documento do painel do clima da ONU foi projetado especificamente para tratar dessa questão, já que o limite considerado no âmbito do Acordo de Paris para combate à mudança climática é de 2,0 °C acima dos níveis medidos antes da Revolução Industrial. Em 2015, porém, já havia muitos indícios de que esse número talvez fosse otimista demais, e o novo relatório compara os desafios e benefícios de mudar a meta para 1,5 °C.

Não surpreendeu os cientistas que tanto os desafios quanto os benefícios são muito maiores. Agora, porém, há uma medida bem quantificada sobre essa diferença.
Em essência, barrar o aquecimento em até 1,5 °C requer um corte global de emissões de 45% em 2030, em relação às emissões medidas em 2010 (linha de base do Acordo de Paris), e de 100% em 2050. Já a meta de 2,0 °C requer um corte de 20% em 2030 e emissões zero em 2075.

Como temos 12 anos até 2030, não se trata de um desafio trivial, sobretudo se pensarmos que a Terra já é hoje 1,0 °C mais quente do que na era pré-industrial. Mas os benefícios de frear a subida em 1,5 °C compensariam o esforço. Para reforçar a robustez em suas conclusões, o IPCC reuniu 91 cientistas na produção do relatório. O texto cita mais de 6 mil estudos, vários deles encomendados especialmente para o painel da ONU.

Benefícios e desafios

O aumento médio do nível do mar, por exemplo, tenderia a cair 10 cm no cenário de 1,5 °C (numa projeção até 2100). Como se trata de uma média, faria uma diferença drástica para áreas costeiras baixas, as mais ameaçadas pela mudança climática.

Áreas terrestres vulneráveis a crises hídricas também poderiam encolher 50% com a mudança de meta sugerida. Ela reduziria ainda os riscos do aquecimento global para a biodiversidade marinha, os recursos pesqueiros, os ecossistemas e os serviços prestados pela natureza aos humanos.

Os benefícios socioeconômicos mais diretos também seriam grandes. A meta de 1,5 °C reduziria em níveis apreciáveis os riscos climáticos para saúde, produção de alimentos, modos de sustento, recursos hídricos e segurança humana. Essa mudança significaria ainda um maior impulso ao crescimento econômico global, compensando investimentos em mitigação.

Os cenários mais viáveis traçados pelo IPCC para possibilitar isso, porém, requerem ação praticamente imediata. Segundo o relatório, quanto mais cedo as emissões caírem, menos o planeta dependerá de ações maciças de remoção de carbono, como plantio de vastas áreas de floresta. As trajetórias simuladas com menor pressa para a mitigação de emissões exigem que, no futuro, a Terra atinja “emissões líquidas negativas”, com ações de remoção superando em volume a emissão de gases-estufa.

A necessidade de remover e estocar carbono coloca a questão do desmatamento – principal fonte de emissões no Brasil – como um elemento crítico para atingir essa meta. Cada hectare de floresta fará diferença quando o planeta tiver de zerar suas emissões líquidas, e é muito mais barato manter uma área florestada do que plantar outra de igual tamanho.

Quanto maior a demora em se tomar ações, porém, menos realistas parecem os cenários recomendados. Uma lentidão maior para chegar a 50% no corte de emissões implicaria a adoção extensa de estratégias de eficácia ainda desconhecida em escala operacional.

Considerando-se que a trajetória atual de emissões na Terra aponta para um aquecimento de 3,4 °C, porém, sabe-se que nem a meta de 2,0 °C parece atingível. O cenário de 1,5 °C torna mais palpável o debate sobre aumento da ambição entre os signatários do Acordo de Paris. As ações tomadas diante dos fatos dependem agora de o que vai ocorrer no plano político.