Um estudo internacional envolvendo 233 pesquisadores com 46.540 entrevistados em 67 países, incluindo o Brasil, indicou que a adesão às medidas de controle da pandemia depende, em boa medida, do quanto as pessoas se sentem parte de um país e têm consciência de que as ações individuais influenciam as dos outros.

Nesse estudo, em países como Nova Zelândia, Dinamarca e Alemanha, cuja população apresentou uma elevada identidade nacional e senso de coletividade, as medidas de higiene pessoal e distanciamento social ganharam ampla adesão, ajudando a evitar que a pandemia saísse de controle. Nesses lugares, os líderes políticos incentivaram o uso de máscaras faciais não só para as pessoas se protegerem, mas também para proteger as outras pessoas.

Inversamente, de acordo com esse trabalho, a adesão às medidas de controle da pandemia foi menor e o número de pessoas infectadas ou mortas pelo novo coronavírus cresceu mais facilmente nos Estados Unidos, na Rússia, no Brasil e em outros países que incentivam o individualismo, e as máscaras, quando adotadas, visam principalmente à proteção de quem as usa.

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“A identidade nacional se mostrou como o mais forte indicador da adesão às medidas de políticas públicas de enfrentamento à covid-19”, disse o psicólogo Paulo Sérgio Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e um dos coordenadores do estudo, publicado em outubro como preprint no repositório PsyArXiv, ao lado do também psicólogo Jay Van Bavel, da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos. Os dois pesquisadores falarão sobre esse estudo em um webinário promovido pela Fapesp no dia 4 de novembro.

Identidade nacional

“Identidade nacional”, explica Boggio, “é o senso de pertencimento ao país e o significado de ser parte de uma nação para cada pessoa”. Segundo ele, quanto maior a identidade nacional, maior é o engajamento em ações que exigem sacrifício pessoal em benefícios do grupo. “Identidade nacional”, acrescenta, “é diferente da exaltação do próprio grupo, que é o narcisismo nacional”.

“Se quiserem ter respostas mais efetivas contra a pandemia, os gestores e as políticas públicas precisam promover o senso de coletividade da população com práticas pró-sociais, mostrando, por exemplo, que mesmo quem não está na faixa de risco deveria pensar que suas ações podem proteger ou prejudicar outras pessoas”, comentou a psicóloga Chrissie Ferreira de Carvalho, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma das autoras desse trabalho.

“Estudos como esse são importantes para promover mudanças de comportamento e influenciar a adesão às medidas sanitárias, como tem feito o Behavioural Insights Team, um comitê de aconselhamento do governo britânico, que trabalha diretamente com o gabinete do primeiro-ministro”, reforça o psicólogo Ronaldo Pilati, da Universidade de Brasília (UnB), que não participou do levantamento internacional.

Com sua equipe da UnB, Pilati chegou a resultados semelhantes em outra pesquisa sobre essa temática. “Quanto mais o indivíduo avalia que a adesão às medidas de distanciamento social é importante para os amigos e para a família, maior tende a ser a sua adesão”, diz ele, com base em um estudo com 2.056 entrevistados no Brasil, publicado em 30 de setembro também como preprint no PsyArXiv.

Detmold, noroeste da Alemanha: menor adesão ao uso de máscaras e ao distanciamento social durante o verão facilitaram o recrudescimento da pandemia. Crédito: Thorsten Krienke/Flickr
Associação com variáveis

No estudo internacional, os pesquisadores distribuíram questionários on-line, respondidos entre o final de março e meados de maio, e os entrevistados pontuavam a maior ou menor concordância com uma série de afirmações ou perguntas, em uma escala de 0 a 10 – do Brasil, participaram 1.807 pessoas. A maior ou menor concordância com afirmações como “Eu me identifico como brasileiro” e “Ser um brasileiro é um importante aspecto de quem eu sou” dimensionavam a identidade nacional.

Cada participante avaliava também de 0 a 10 sua adesão às medidas de higiene pessoal (usar máscaras e lavar as mãos com frequência), distanciamento social e apoio às políticas públicas, como a restrição a viagens e o fechamento de bares, restaurantes e escolas, por meio de afirmações sobre cada item. Os pesquisadores liberaram os dados para os interessados, mediante cadastro, no site https://icsmp-covid19.netlify.app.

As análises estatísticas das respostas dos entrevistados associaram a identidade nacional com três outras variáveis: distanciamento social, higiene pessoal e apoio a políticas públicas, com valores variando de 0, o mais baixo, a 0,5, o mais alto. “Os índices são os coeficientes da relação entre a identidade nacional e as medidas de proteção dos indivíduos, mas não das nações”, adverte Boggio. “Um país pode até ter um índice alto, mas seu efeito na adesão só ficará aparente se o líder fomentar a identidade nacional.”

A Dinamarca foi o país que apresentou os maiores índices de identidade nacional refletidos no distanciamento social (0,48), na higiene pessoal (0,29) e no apoio a políticas públicas (0,34). Em segundo lugar está a China, respectivamente com 0,38, 0,27 e 0,27.

Papel das lideranças políticas

Os Estados Unidos apresentaram índices de 0,34, 0,28 e 0,27, respectivamente. No Brasil, os valores de identidade nacional foram 0,11 para distanciamento social, 0,15 para higiene pessoal e 0,12 para apoio a políticas públicas.

A Colômbia ocupou o penúltimo lugar, com 0,008 de distanciamento físico, 0,07 de higiene pessoal e 0,05 de apoio a políticas públicas. Em último está a Espanha, com 0,0009, 0,05 e -0,003, respectivamente.

Esse trabalho reforçou o papel das lideranças políticas para promover a adesão da população às medidas de contenção da epidemia, já evidenciado em um artigo do mesmo grupo publicado em abril na “Nature Human Behavior”.

“Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, recém-reeleita, tem sido uma líder exemplar ao evocar o sentimento coletivo da população e ressaltar que cada um se protegendo ajudará também a comunidade”, observou Boggio, que contou com apoio da Fapesp, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “Os países que apresentaram boas respostas contra a pandemia, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia, Dinamarca e Alemanha, são conduzidos por mulheres.”

Efeito da ideologia política

O levantamento registrou “um pequeno efeito” da ideologia política dos entrevistados, que eles próprios avaliavam por uma escala de 0 a 10 entre esquerda e direita, na adesão às medidas contra a pandemia. Quanto mais à esquerda, maior a adesão às medidas de combate à pandemia. Inversamente, quando mais à direita, maior o individualismo e menor o suporte às políticas públicas.

Pesquisadores das universidades Yale e de Nova York, nos Estados Unidos, viram essa relação em outro estudo publicado em maio no repositório PsyArXiv. Com base em registros de 17 milhões de usuários de smartphones, eles verificaram que as pessoas que votaram em Donald Trump em 2016 exibiram 16% menos distanciamento físico durante a pandemia do que os que votaram em Hillary Clinton. Além disso, o menor distanciamento físico nos condados pró-Trump foi associado a uma taxa de crescimento 27% maior nas infecções por covid-19 do que os do outro grupo.

No Brasil, de modo similar, “o partidarismo ajuda a predizer a adesão às medidas de saúde pública contra a pandemia”, observou Pilati, com base em um estudo com 700 entrevistados, publicado também em setembro como preprint no PsyArXiv. “Os entrevistados que se classificavam como mais de direita seguiam menos as normas sanitárias e endossavam mais as teorias conspiratórias, segundo as quais a epidemia é uma grande mentira ou o vírus teria sido espalhado de propósito pelos chineses.”

PROJETO

A influência de fatores sociais no julgamento de fundamentos morais (nº 19/26665-5); Modalidade Bolsas no Brasil – Pós-doutorado; Pesquisador responsável Paulo Sérgio Boggio (UPM); Bolsista Gabriel Gaudêncio do Rêgo; Investimento R$ 203.497,56.