PreviousNext

A volta da fotógrafa portuguesa Elisabete Maisão à sua terra natal, em junho de 2015, depois de três anos no Brasil, coincidiu com o grande avanço do desembarque na Europa de imigrantes fugidos de guerras civis, regimes totalitários e problemas ambientais em países como Síria, Iraque, Afeganistão e Eritreia. “Fiquei muito sensibilizada”, conta. Elisabete logo coordenou com a amiga Sabrina Lefebvre – cabeleireira e idealizadora do projeto HairCult, sobre a cultura do cabelo ao redor do mundo – para passar quatro dias fotografando os cortes de cabelo que a segunda faria nos imigrantes no campo de refugiados de Calais, assentamento no norte da França de onde muitos tentam seguir para o Reino Unido.

Ao ver que as mesmas pessoas com quem conviveu naqueles dias precisavam fazer filas de três horas para tomar um banho de seis minutos ou para receber um prato de comida, Elisabete não conseguiu mais sair dali. E foi mais fundo na questão, percorrendo por três meses diversos campos de refugiados localizados em nove paí­ses: França, Bélgica, Alemanha, Áustria, Grécia, Eslovênia, Macedônia, Sérvia e Croácia. Em cada lugar por onde passou, ela encontrou uma situação diferente, conheceu e acompanhou histórias de sofrimento e coragem, reencon­trou alguns imigrantes ao longo do caminho e se sentiu constantemente dividida entre fotografar e assumir as atividades de ajuda humanitária. “O trabalho nunca para. E a escolha é difícil”, desabafa.

Em Dobova (Eslovênia), Elisabete presenciou os maus-tratos da polícia, que se dirigia aos refugiados aos gritos. No barco entre Atenas e a ilha de Lesbos, na Grécia, vivenciou o apartheid que separa imigrantes de europeus, levando estes para uma área melhor do barco, mesmo que ambos tenham comprado o mesmo tipo de passagem. Viu muitas pessoas dormindo ao relento, caminhando horas sem nada além de água, algumas vezes sob neve. Pagou abrigo para uns, deu carona a outros e ainda ajudou diferentes refugiados a atravessar fronteiras.

Encontrou na Alemanha o país que recebeu mais refugiados e da melhor maneira. “Mas foi difícil termos contato com eles. Os locais são lotados de segurança.” Em nenhum momento a fotógrafa pediu autorização por escrito para fazer as imagens. “Só com o olhar ou o gestual elas me mostravam se permitiam, ou não, ser retratadas naquela situa­ção. Muitas pessoas não querem e eu respeito isso, não insisto.” Outras vezes foram os policiais que a impediram de fotografar, como nos campos de Dobova e Presevo (Sérvia).

As experiências que viveu influenciaram até o estilo de Elisabete. Os retratos em planos fechados, que eram sua opção até ali, passaram por uma adaptação. “Foi um exercício constante de abrir o plano para mostrar mais o que estava à volta.” Na opinião da fotógrafa, os campos de refugiados são uma contradição em si. Eles existem para receber as pessoas que não podem seguir viagem. “Estão recebendo porque elas não estão sendo recebidas. Os governos dos países fecham as portas e são os voluntários e as ONGs que têm assumido a tarefa de cuidar dessas pessoas”, comenta.