O papa Francisco não se cansa de demonstrar que é um homem afinado com o seu tempo. Assim como escolheu a ilha de Lampedusa, na Itália, um dos ícones da migração clandestina rumo à Europa, para sua primeira viagem apostólica, num manifesto contra a “globalização da indiferença”, ele decidiu dedicar sua primeira encíclica própria (a anterior, Lumen Fidei, de 2013, foi em boa parte redigida por Bento XVI) ao meio ambiente e à necessidade premente de defendê-lo.

Essa é uma preocupação antiga do atual papa, que considera “a custódia da criação e a ecologia” um dos maiores desafios da humanidade. Sua visão de ecologia, aliás, vai além do costumeiro viés ambiental e dialoga com outras áreas, como economia e sociedade. “Essa encíclica está dirigida a todos que possam receber sua mensagem e crescer na responsabilidade para a casa comum que Deus nos confiou”, antecipou o pontífice ao falar sobre a obra à agência EFE em 14 de junho, dias antes do seu lançamento.

Com 191 páginas, o documento papal, denominado Laudato Si (“Louvado Seja”, frase inicial do Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis, escrito em 1225), começou a ser produzido em 2013 e foi divulgado oficialmente em 18 de junho. Entre os colaboradores que contribuíram para o resultado final estão o teólogo Leonardo Boff, o bispo d. Erwin Kräutler, da prelazia do Xingu, o cardeal ganense Peter Turkson e os teólogos argentinos Carlos María Galli e Víctor Fernández.

 

Evitar prejuízos gerais

Um capítulo da obra, “Diá­logo sobre o Ambiente na Política Internacional”, ganha uma importância multiplicada num momento em que os líderes do G7, o grupo dos países mais industrializados do mundo, se comprometem a, até 2100, abdicar do uso dos combustíveis fósseis (veja sobre isso aqui). No texto, Francisco diz que é preciso firmar urgentemente acordos internacionais para “estabelecer percursos negociados a fim de evitar catástrofes ambientais que acabam por prejudicar a todos”. A encíclica certamente porá pressão nos países reunidos na COP21, a conferência da ONU sobre o clima marcada para dezembro, em Paris. A COP21 tem o compromisso de estabelecer um substituto para o Protocolo de Kyoto, de 1997, que buscava definir limites para a emissão de gases do efeito estufa.

Exatamente por isso, vários cientistas – em geral, uma comunidade indiferente ou até hostil em relação às religiões – elogiaram a posição de Francisco (formado em química, a propósito). Há informações de que, mesmo antes do lançamento da encíclica, seu texto já era debatido em universidades como Harvard, Yale e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), três das mais importantes instituições de ensino superior do mundo. “As pessoas veem o papa como um mensageiro altamente confiável, respeitado e admirado, que está transmitindo uma mensagem clara de que o aquecimento global é uma ameaça grave”, analisa Anthony Leiserowitz, diretor do Projeto de Yale em Comunicação sobre Mudanças Climáticas.