Com o auxílio de vários telescópios terrestres, uma equipe internacional de astrônomos analisou as temperaturas atmosféricas de Netuno durante um período de 17 anos e descobriu que existe uma queda surpreendente nas temperaturas globais do planeta, seguida por um aquecimento dramático em seu polo sul.

“Estas variações são inesperadas”, disse Michael Roman, pesquisador associado de pós-doutorado na Universidade de Leicester (Reino Unido) e autor principal do estudo publicado na revista The Planetary Science Journal. “Estamos observando Netuno desde o início do seu verão austral e esperávamos que as temperaturas fossem gradualmente subindo e não descendo.”

Tal como na Terra, existem estações em Netuno à medida que o planeta orbita em torno do Sol, com a diferença de que uma estação nesse planeta dura cerca de 40 anos terrestres e um ano tem uma duração de 165 anos terrestres. É verão no hemisfério sul do Netuno desde 2005, e os astrônomos estavam ansiosos para ver como as temperaturas variavam após o solstício de verão austral.

Esta composição mostra imagens térmicas de Netuno tiradas entre 2006 e 2020. As três primeiras imagens (2006, 2009, 2018) foram tiradas com o instrumento VISIR no Very Large Telescope do ESO, enquanto a imagem de 2020 foi capturada pelo instrumento COMICS no Telescópio Subaru (O VISIR não estava em operação em meados do final de 2020 por causa da pandemia). Após o resfriamento gradual do planeta, o polo sul parece ter se tornado dramaticamente mais quente nos últimos anos, como mostrado por um ponto brilhante na parte inferior de Netuno nas imagens de 2018 e 2020. Crédito: ESO/M. Roman, NAOJ/Subaru/COMICS

Resfriamento gradual

Os astrônomos analisaram quase uma centena de imagens térmicas, em infravermelho, de Netuno, capturadas durante um período de 17 anos, para compreenderem as tendências gerais na temperatura do planeta com mais detalhe do que o conseguido até hoje.

Os dados mostraram que, apesar do começo do verão austral, a maior parte do planeta esfriou gradualmente nas últimas duas décadas. A temperatura média global de Netuno caiu 8°C entre 2003 e 2018.

Os astrônomos ficaram surpresos ao descobrir um aquecimento dramático do polo sul de Netuno durante os últimos dois anos de suas observações, quando as temperaturas subiram rapidamente 11°C entre 2018 e 2020. Embora o vórtice polar quente de Netuno seja conhecido há muitos anos, um aquecimento polar tão rápido nunca havia sido observado anteriormente no planeta.

“Nossos dados cobrem menos de metade de uma estação de Netuno e então ninguém esperava ver mudanças grandes e rápidas”, disse o coautor Glenn Orton, pesquisador sênior do Jet Propulsion Laboratory (JPL), do Caltech, nos EUA.

Mudanças observadas no brilho infravermelho térmico de Netuno, uma medida de temperatura na atmosfera do planeta. O gráfico mostra a mudança relativa no brilho infravermelho térmico da estratosfera de Netuno com o tempo para todas as imagens existentes tiradas por telescópios terrestres. Imagens mais claras são interpretadas como mais quentes. Imagens de infravermelho termal correspondentes (topo) em comprimentos de onda de ~ 12 µm mostram a aparência de Netuno em 2006, 2009, 2018 (observado pelo instrumento VISIR do Very Large Telescope do Observatório Europeu do Sul) e 2020 (observado pelo instrumento COMICS do Subaru). O polo sul parece ter se tornado dramaticamente mais quente nos últimos anos. Crédito: Michael Roman/Nasa/JPL/Voyager-ISS/Justin Cowart

Tarefa complicada

Os astrônomos mediram a temperatura de Netuno com o auxílio de câmaras térmicas, instrumentos que medem a radiação infravermelha emitida por objetos astronômicos. Para sua análise, a equipe combinou todas as imagens existentes de Netuno coletadas nas últimas duas décadas por telescópios terrestres. Os astrônomos analisaram a radiação infravermelha emitida por uma camada da atmosfera de Netuno chamada estratosfera, o que lhes permitiu traçar um quadro da temperatura de Netuno e suas variações durante parte do seu verão austral.

Como Netuno está a cerca de 4,5 bilhões de quilômetros de distância e é muito frio – a temperatura média do planeta chega a cerca de -220°C –, medir sua temperatura da Terra não é tarefa simples. “Este tipo de estudo só é possível graças a imagens infravermelhas sensíveis obtidas por grandes telescópios tais como o Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), que consegue observar Netuno muito nitidamente, mas este tipo de telescópios só se tornou disponível mais ou menos nos últimos 20 anos”, disse o coautor Leigh Fletcher, professor da Universidade de Leicester.

Cerca de um terço de todas as imagens foram obtidas pelo instrumento VISIR (VLT Imager and Spectrometer for mid-InfraRed) montado no VLT do ESO, no deserto chileno do Atacama. Devido ao tamanho do espelho do telescópio e à altitude, as imagens têm uma resolução muito elevada e uma grande qualidade, oferecendo as imagens mais nítidas de Netuno. A equipe utilizou também dados do Telescópio Espacial Spitzer, da Nasa e imagens obtidas com o telescópio Gemini South no Chile, assim como dos Telescópios Subaru, Keck e telescópio Gemini North, todos instalados no Havaí.

Netuno visto em comprimentos de onda de luz visível (centro) e infravermelho termal (direita), em 2020. A imagem central combina várias imagens do Telescópio Espacial Hubble, enquanto a imagem infravermelha à direita foi tirada do Telescópio Subaru em Maunakea, Havaí. No infravermelho térmico, o polo sul quente de Netuno brilha mais intensamente do que nunca. Crédito: Michael Roman/Nasa/ESA/STSci/MH Wong/LA Sromovsky/PM Fry

Origem intrigante

Como as variações de temperatura de Netuno foram tão inesperadas, os astrônomos ainda não sabem qual a sua origem. Podem ser atribuídas a variações na química estratosférica de Netuno, ou padrões climáticos aleatórios ou até ao ciclo solar. Serão necessárias mais observações durante os próximos anos para explorar as razões dessas flutuações. Telescópios terrestres futuros, tais como o Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, poderão observar variações de temperatura como estas com maior detalhe, enquanto o Telescópio Espacial James Webb, da Nasa/ESA/CSA, fornecerá novos mapas das temperaturas e da química da atmosfera de Netuno.

“Acho Netuno muito intrigante porque, na realidade, sabemos ainda muito pouco sobre ele”, disse Roman. “Estes resultados apontam para um quadro bastante complexo da atmosfera de Netuno e das suas variações com o tempo.”