A construção da hidrelétrica de Belo Monte em Altamira (PA) triplicou as emissões de gases de efeito estufa no local em que hoje se encontra o reservatório da usina. Essa é a conclusão de um estudo publicado na revista Science Advances por um grupo internacional de pesquisadores.

Foram medidas as emissões em diferentes pontos da usina antes, durante e depois de sua construção. O estudo levou cerca de dez anos para ser concluído.

“A justificativa para a construção de Belo Monte partia da premissa de que usinas hidrelétricas geram energia com baixas emissões e a um custo menor do que outras fontes renováveis. Hoje esse argumento está caindo por terra, como mostramos em nosso estudo”, diz Dailson Bertassoli Jr., pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP) e coautor do estudo.

Volume a não ser desprezado

Ele explica que na região amazônica há hidrelétricas que emitem mais do que outras. A usina de Balbina (AM), por exemplo, inaugurada na década de 1980, tem emissão superior à de termelétricas que produzem quantidade semelhante de energia. “No caso de Belo Monte, a maior hidrelétrica amazônica, a emissão equivalente fica entre 15 e 55 quilos de CO2 [dióxido de carbono] por megawatt-hora produzido [há uma variação entre estações do ano]. Isso é uma fração do que seria emitido por termelétricas, mas, mesmo assim, não é nada que deva ser desprezado”, afirma.

A barragem de Belo Monte detém a maior capacidade instalada entre as usinas do tipo fio d’água em todo o mundo. Diferentemente das usinas com reservatório de acumulação, as de fio d’água dispõem de um reservatório menor. No caso de Belo Monte, são dois interligados por um canal de 20 quilômetros (km) de extensão. O principal, formado no rio Xingu, conta com 359 km². Já o intermediário, com 119 km², tem 28 diques e canais de transposição.

Os pesquisadores iniciaram as primeiras medidas de emissão de gases de efeito estufa no reservatório de Belo Monte em 2011 – antes do represamento e da construção da hidrelétrica. Ao longo dos anos, outras três medições foram realizadas nos mesmos pontos. O trabalho foi apoiado pela Fapesp por meio de nove projetos. Participaram cientistas da Linköping University (Suécia), University of Washington (Estados Unidos) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Altamira.

Emissão desigual

Um achado importante da pesquisa é a heterogeneidade das emissões na região amazônica e até mesmo entre diferentes pontos de um único reservatório. A medição em diferentes partes da represa e áreas que foram alagadas para a construção da hidrelétrica de Belo Monte mostrou que algumas emitem mais gases de efeito estufa do que outras.

A constatação põe em xeque o uso de padrões de emissão – como, por exemplo, os estipulados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com base em hidrelétricas construídas em zonas temperadas –, que são usados para estudos prévios de impacto ou até mesmo para a venda de créditos de carbono.

“Entender como se dão as emissões de gases de efeito estufa a partir do reservatório de Belo Monte é essencial para um planejamento estratégico eficiente da expansão da rede de geração de energia elétrica no país. No entanto, é tão heterogêneo que não dá nem para generalizar e se referir a ‘emissões de hidrelétrica’. Cada usina tem a sua emissão e elas devem ser avaliadas caso a caso”, diz Bertassoli Jr. à Agência Fapesp.

O fator metano

Segundo o pesquisador, um dos principais fatores que contribuem para as emissões a partir de usinas hidrelétricas é a geração de metano (CH4) pela degradação de material orgânico retido no fundo dos reservatórios.

Henrique Sawakuchi, pesquisador da Linköping University e responsável pelas primeiras medições do estudo, explica que essa alta variabilidade das emissões de diferentes hidrelétricas se deve a fatores como tipos de vegetação e solos, temperatura e clima, características da atividade microbiana e tipo de reservatório.

“Diferentemente das zonas temperadas e boreais, as altas temperaturas durante todo o ano resultam em intensa atividade microbiana e, consequentemente, em maior produção de metano e gás carbônico nas áreas tropicais”, explica Henrique.

Desvio-padrão

No caso das emissões de metano, a matéria orgânica que gera o gás vem da bacia de drenagem rio acima e se acumula no reservatório. Ela também pode ser produzida na coluna d’água pelas algas que vivem por ali.

“Esses dois fatores variam muito entre os rios da Amazônia. O Xingu, por exemplo, é um rio de água clara, o que permite maior penetração da luz do sol. Com isso ocorre maior produção de algas, que depois viram matéria orgânica e geram metano. Outros rios, como o Madeira, são conhecidos como de água branca, ou seja, a luz quase não penetra na coluna d’água. Por isso há menor crescimento de alga”, diz André Sawakuchi, professor do Instituto de Geociências da USP e também autor do estudo.

Outro fator de variabilidade é a profundidade do reservatório. “Nas zonas mais profundas, a água de fundo pode ser menos oxigenada, o que favorece a geração de metano”, explica André.

Os pesquisadores observaram também que, dependendo do tipo de solo ou vegetação alagada durante a construção dos reservatórios, há mais material orgânico disponível para biodegradação e geração de metano e gás carbônico. Dessa forma, as áreas com pastagem que não são removidas, como é feito no caso da vegetação florestal, surpreendentemente também tiveram emissões significativas.

Variações a considerar

“A parte superior do solo também tem muita matéria orgânica que vira matéria-prima para a produção de metano. São esses tipos de variações que fazem a diferença na hora de fechar a conta das emissões totais de um reservatório. Às vezes, o pasto está em um tipo de solo que tem mais matéria orgânica, enquanto a floresta está num solo que quase não tem. Varia muito e isso tudo deve ser contabilizado na hora de medir os impactos de uma hidrelétrica”, afirma André.

De acordo com os pesquisadores, os resultados reforçam a importância de considerar todas essas variáveis de heterogeneidade em estudos de impacto ambiental das hidrelétricas, mesmo que elas sejam do tipo fio d’água, como é o caso de Belo Monte.

“Deveria ser obrigatório um acompanhamento das emissões antes, durante e por um longo tempo após a construção dos reservatórios das hidrelétricas. Sobretudo nas hidrelétricas do rio Madeira, que estão vendendo crédito de carbono e as emissões não são bem estimadas. É provável que estejam vendendo crédito de carbono que não estão mitigando”, avalia Henrique.

O artigo How green can Amazon hydropower be? Net carbon emission from the largest hydropower plant in Amazonia (doi: 10.1126/sciadv.abe1470), de Dailson J. Bertassoli Jr., Henrique O. Sawakuchi, Kleiton R. de Araújo, Marcelo G. P. de Camargo, Victor A. T. Alem, Tatiana S. Pereira, Alex V. Krusche, David Bastviken, Jeffrey E. Richey e André O. Sawakuchi, pode ser lido em https://advances.sciencemag.org/content/7/26/eabe1470.