O nascente mercado de energia eólica offshore do Brasil nem completou um mês, e o país já mostra potencial para ser líder mundial do segmento. A publicação do Decreto 10.946/2022, em 25 de janeiro, com diretrizes para geração de energia elétrica em alto-mar, criou uma onda de otimismo entre empresas e entidades do setor. O processo de formalização conduzido pelo governo, porém, desperta a desconfiança de organizações não governamentais, diante do histórico recente da política ambiental de órgãos federais.

Pelo lado das empresas, a boa impressão se traduz em números. A lista de projetos de instalação de aerogeradores no mar em análise no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aumentou de 23, em agosto de 2021, para 36, em janeiro, totalizando, respectivamente, 46 gigawatts (GW) e 80,4 GW. Mesmo considerando que a produção de energia na costa brasileira deva começar em 2028, os dados do Ibama se tornam mais relevantes se comparados com a produção global. No mundo, a capacidade instalada estava em 35,3 GW em 2020, segundo o último relatório anual do Conselho Global de Energia eólica (GWEC, na sigla em inglês).

Boa parte das vantagens competitivas do Brasil está nas condições naturais do extenso litoral. “A plataforma continental brasileira é rasa, entre seis e 20 metros, enquanto a profundidade no Mar do Norte é de 60 a 80 metros. Além disso, os ventos são constantes e o mar não é extremamente revolto, fatores que devem reduzir os custos e aumentar o rendimento dos aerogeradores”, diz Rodrigo Mello, diretor do Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER) e do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER).

Presença multinacional bem-vinda

A presença de grupos internacionais na produção de petróleo em águas profundas do país também contribui para uma avaliação positiva do mercado. “O perfil do investidor está associado a grandes empresas de petróleo que estão colocando energias renováveis em seus portfólios, e até pelo fato de terem experiência em exploração no mar”, define Elbia Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).

A Equinor se encaixa no perfil descrito por Gannoum. A multinacional norueguesa de energia atua no Brasil, inclusive na exploração de petróleo, e detém tecnologia para eólica em áreas de águas profundas. Em agosto, a empresa submeteu ao Ibama projeto eólico offshore no Rio de Janeiro e no Espírito Santo com capacidade potencial total de 4 GW e “está avaliando outras áreas”.

A Shell não divulgou por onde vai começar, mas pretende ter forte presença no litoral brasileiro. “O Brasil é uma das quatro regiões prioritárias da Shell em energia renováveis. Olhamos a eólica offshore integrada no desenvolvimento de uma bacia de energia para viabilizar novas fontes”, diz Gabriela Oliveira, gerente de Desenvolvimento de Projetos de Geração de Energias Renováveis da Shell Energy.

Uma fonte citada por ela, o hidrogênio verde (H2V), uniu Shell e Equinor em projeto na costa da Holanda. O consórcio vai usar a energia eólica offshore para produzir o chamado “combustível do futuro”. E o futuro para qual os investidores olham é o mesmo do H2V, o de médio e longo prazo. Hoje, informa a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o custo da eólica offshore pode variar de R$ 250/MWh a R$ 500/MWh e da eólica onshore, de R$ 100/MWh a R$ 170/MWh. A tendência, porém, é de queda, com redução do custo de 49% até 2050, segundo relatório da GWEC.

No curto prazo, o primeiro leilão, marcado para 2023, é um marco no equilíbrio do negócio, com definição de preços atrativos para distribuidoras e geradoras. “Não vejo eficiência no curto prazo, mas, em cinco anos, já vislumbro uma penetração da offshore. Projetos de hidrelétrica de grande porte não devem sair do papel, por causa de toda polêmica do impacto ambiental, que, no caso de offshore, é bem menor”, afirma o sócio de energia do escritório Lefosse, Pedro Dante.

Impacto ambiental negligenciado

O Ibama já publicou o Termo de Referência Padrão para Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) de complexos eólicos marítimos. Antes, em 2019, estudo do governo mostrou que parques eólicos podem afetar a biodiversidade marítima e atividades econômicas, como a pesca.

Essas ameaças preocupam as organizações não governamentais, especialmente por as novas regras virem com a assinatura do governo de Jair Bolsonaro. A ONG Verde classifica o decreto como “fato inconteste”: “Trata-se de uma política que privilegia os interesses de setores do empresariado em detrimento de processos consultivos e democráticos”, contesta Vicente Quintão, porta-voz da organização. Ele critica também a política ambiental do governo: “Os órgãos de fiscalização ambiental, paulatinamente esvaziados na atual gestão, dificilmente servirão de freios às iniciativas mais predatórias.”

Fabiana Alves, coordenadora de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, amplifica a fala de Quintão: “Muitos processos de impacto ambiental no Brasil são acelerados e incompletos. E o governo atual orquestra no Congresso a flexibilização do licenciamento ambiental, que pode enfraquecer os mecanismos existentes para impedir que grandes projetos de infraestrutura impactem nossos ecossistemas”, afirma.

A WWF Brasil não quis comentar o decreto e informou que precisa “acompanhar e aprofundar o tema para firmar posição”.