Nove cidades brasileiras já desenvolveram projetos para testar a Smart Grid, a rede inteligente de energia que proporciona tarifas diferenciadas e mais economia na conta de luz.

Você chega em casa logo após o trabalho e se prepara para tomar uma ducha quando seu filho alerta que é melhor esperar meia hora para usar uma tarifa de luz pela metade do preço. Você tranquiliza o menino e diz que não há problema, pois naquele mês os painéis solares de casa geraram uma quantidade de energia suficiente para garantir três meses sem tarifa. Depois do banho, você liga o computador e baixa um e-mail da companhia de energia, informando que está na hora de trocar o chuveiro: as medições mostram que o aparelho está com defeito e vem consumindo mais energia do que deveria. 

Em um futuro não distante, essa poderá ser a rotina de muitos lares brasileiros. O sistema que pode fornecer a base tecnológica para isso já está sendo testado em várias cidades do país. Denominado Smart Grid, ou “rede inteligente”, é considerado a última tendência em sustentabilidade no abastecimento energético. “As redes inteligentes utilizam tecnologia da informação para monitorar e atuar na geração, na transmissão, no armazenamento e no consumo de eletricidade, para gerenciar a oferta e a demanda por energia”, diz a engenheira ambiental Ana Carolina Rodrigues Teixeira, que desenvolve um estudo sobre o tema na PUC Minas, em Belo Horizonte. 

Com a Smart Grid, as concessionárias  de energia adquirem informações exatas sobre cada ponto da rede, da geração à casa do consumidor. Tornamse capazes de saber em tempo real em  que áreas da cadeia de transmissão estão ocorrendo perdas de energia, e agir com precisão em caso de incidentes, em vez de perder tempo procurando a falha em grandes trechos. Com o sistema efi ciente, o desperdício pode ser reduzido antes mesmo de chegar ao consumidor fi nal. “Tudo depende da confi guração da rede e de onde seria implantada, mas na cidade de Évora, em Portugal (onde o sistema já está em funcionamento), a economia de energia foi da ordem de 4%. Estimativas mais otimistas chegam a 20% de redução”, diz André Pepitone da Nóbrega, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

Impacto no bolso
Para a maioria dos brasileiros, a grande diferença estaria na hora de pagar a conta de luz. Com um monitoramento preciso do consumo, as concessionárias poderiam disponibili zar uma tarifa diferenciada. O preço da energia variaria ao longo do dia, mais caro nos horários de pico e mais barato nos horários de menor consumo. Com isso, mais consumidores optariam, por exemplo, por tomar banho no horário da manhã, diminuindo a pressão sobre o sistema em certas horas do dia. 

Além disso, a implantação da Smart Grid permitiria que o brasileiro não só consumisse, mas também vendesse energia para as concessionárias, gerando energia em sua própria casa. O sistema já existe em países como a Alemanha. Lá, quem instala painéis solares para eletricidade em sua residência pode pagar o custo da instalação vendendo o excedente de energia de volta para a rede. “No Brasil, isso pode ser mais um impulso para o desenvolvimento tecnológico e a utilização da energia solar”, afirma Ana Carolina. 

No entanto, o caminho para a difusão da Smart Grid no país ainda é  longo. Em primeiro lugar, é preciso trocar os medidores de energia de cada residência, que hoje são analógicos, por modelos eletrônicos. A Aneel estima que haja, em todo o território nacional, cerca de 70 milhões desses aparelhos. Até o momento não existem estimativas de quanto a troca total custaria nem  quanto tempo levaria – mas custaria, sim, para a companhia, não para o consumidor. Esse poderá ser um trabalho de vários anos, mas iniciativas já começam a surgir e mostrar resultados.

Rede prática
Pelo menos nove cidades brasileiras já possuem projetos experimentais de implantação de Smart Grids. Uma delas é Aparecida, em São Paulo. A concessionária de energia que atende a região, a EDP, já trocou 14 mil medidores no município, sem custo para os usuários, como parte do projeto Inov- City, iniciado em 2010. “Estamos desenvolvendo em Aparecida um projeto completo de cidade com o máximo de eficiência energética. Queríamos fazer um teste com todas as tecnologias do momento, para estarmos preparados para a demanda que virá”, explica Jeferson Marcondes, gestor de tecnologia da EDP.

Com a troca dos medidores, a leitura, que antes era feita uma vez por mês por um técnico da empresa, agora poderá ser feita em qualquer horário. Isso porque, em vez de exigir a designação de um funcionário da companhia para passar de casa em casa a fim de conferir a medição do relógio de luz, o acompanhamento pode ser feito remotamente. Até o desligamento ou religamento de energia poderá ser feito sem a necessidade de visita técnica. “Vamos ter todas essas informações online e em tempo real. Vamos poder orientar os consumidores sobre a melhor forma de usar a energia”, atesta Jeferson Marcondes. O custo do projeto de troca dos medidores ficou em R$ 10 milhões. O InovCity Aparecida também envolve ações de conscientização da população, instalação de aquecedores solares em tetos, troca do sistema de iluminação pública e distribuição de lâmpadas e eletrodomésticos mais eficientes para a população carente. 

A 200 quilômetros de Aparecida, outro projeto de Smart Grid está sendo desenvolvido, pela AES Eletropaulo. Em Barueri, a empresa vai trocar os medidores de 72 mil residências até 2015, atingindo assim 250 mil pessoas. “Queríamos escolher uma área com todas as características de metrópole para testar a Smart Grid”, explica Maria Tereza Vellano, diretora regional e responsável pelo projeto. O custo total da operação gira na casa dos R$ 72 milhões, sem contar os R$ 220 milhões que a empresa afirma já ter investido na modernização da sua rede. 

Isso porque, a rigor, não basta apenas trocar os medidores analógicos por aparelhos eletrônicos. A rede de geraambiente  ção, distribuição e transmissão precisa estar adaptada. A AES Eletropaulo teve de instalar equipamentos de automação e digitalizar as subestações. “Estamos falando de uma rede totalmente informatizada, que vai gerar aumento da eficiência operacional e redução das perdas comerciais”, diz Maria Tereza. Ou seja: menos desperdício de energia nos sistemas de distribuição e transmissão e mais redução de tarifa. Para que uma verdadeira Smart Grid fosse implantada em todo o Brasil, cada concessionária teria de se adaptar. Atualmente, há mais de 40 empresas gerenciando a distribuição de energia em diferentes regiões do país. 

Como os técnicos da AES Eletropaulo não sabem ainda quais demandas serão feitas pelo consumidor, a empresa afirma que instalou medidores com o maior número de funcionalidades possível. Dessa forma, no futuro os consumidores poderão não apenas monitorar o consumo em tempo real,como também vender a energia excedente. Ocorre que o atraso brasileiro é tamanho na área que, por enquanto, não será possível conferir separadamente o consumo de energia de cada aparelho da casa. Essa funcionalidade depende de que entre cada eletrodoméstico e a tomada haja um aparelho específico para fazer a medição.

Tarifa branca
Além das melhorias técnicas nas redes e nos medidores, há atraso burocrático. Antes de revolucionar seu sistema de transmissão de energia, o país precisa ter marco legal para tanto. A Aneel já vem trabalhando nisso há algum tempo, e em 2012 elaborou uma resolução que estabelece a chamada Tarifa Branca. Nesse sistema, a energia elétrica tem três preços diferentes. Um valor, mais barato, para os horários considerados de baixo consumo; outro, mais elevado, para os horários de pico; e um preço intermediário na transição entre os dois períodos. 

A adesão à Tarifa Branca é opcional e já pode ser solicitada pelo consumidor desde fevereiro de 2014). Mas a instalação vai depender do fato de a concessionária já dominar a nova tecnologia. Os novos medidores são sempre instalados sem custo adicional. A própria Aneel alerta que a mudança só vale a pena para os clientes que usam muita energia fora dos horários de maior consumo, entre 18 e 22 horas.

É bom lembrar que a simples troca do medidor ou a adoção da Tarifa Branca não garante uma conta mais barata. “A economia não depende do medidor, é só um incentivo ao uso racional da energia; o importante é a vontade do cliente”, nota Jeferson Marcondes, da EDP. “Como não havia informação em tempo real, ele não tinha como agir. Daqui em diante, o consumidor vai poder saber o valor e identificar quando está gastando mais.” 

Mesmo sem aparelhos inteligentes e tarifas diferenciadas, já é possível fazer um uso mais racional da energia. Basta trocar as lâmpadas incandescentes por fluorescentes, passar menos tempo no chuveiro e desligar aparelhos ligados sem necessidade.