Pastagem sobre floresta queimada em Paragominas.

Paragominas surgiu no fim da década de 1950, com a construção da rodovia Belém-Brasília, 300 km a nordeste da capital do Pará, com 19 mil quilômetros quadrados de área. Era um dos maiores municípios do país, com um território equivalente ao do Estado de Sergipe. Quando se sai da capital de automóvel e passa por outras cidades paraenses, a primeira impressão ao chegar ao município de 100 mil habitantes é que ele trocou de chip. Urbanizada e limpa, sem papel nas calçadas, sem pedintes ou crianças nas ruas em horário escolar, Paragominas é a cidade com a melhor rede escolar do Norte do país, e desde 2004 ostenta um índice de analfabetismo zero.

Nos últimos dois anos, o município vem desbancando outros na arrecadação fiscal e atraindo investimentos. A explicação é o seu novo polo industrial à base de madeira certificada – extraída segundo regras de baixo impacto ambiental –, o desenvolvimento da pecuária, o reflorestamento e a mineração. Em março de 2010, a cidade foi a primeira do Pará a conquistar o certificado de Município Verde. Um feito surpreendente diante da sua história traumática.

Anúncio na Folha de São Paulo, em 1958, oferecendo terras em Paragominas: “Tempo certo para queimadas”.

Fumaça nos olhos

Há quem diga que cada cidade guarda seus fantasmas, o difícil é se separar deles. Basta que a palavra “queimada” surja, e assombrações aparecem diante dos olhos e ouvidos de Paragominas. Até o fim da década de 1990, era comum o céu virar de azul para negro e a natureza se sufocar na fumaça das queimadas ateadas na floresta a fim de criar pastos para a pecuária. A atmosfera era sombria, e a população sofria com doenças pulmonares causadas pela fuligem.

Antes da labaredas, vinham madeireiros e aventureiros para extrair das matas todas as árvores valiosas. A invasão de terras e a usurpação das posses tornou-se regra, com pistoleiros de aluguel contratados para eliminar sindicalistas, padres, advogados e políticos. A cidade ganhou, então, o apelido de “Paragobalas”. “Cansei de ir a Paragominas para cobrir crimes, queimadas e doenças respiratórias de crianças para as revistas do Sul”, lembra o fotógrafo paraense João Ramid.

O fogaréu começou em 1958, quando Paragominas nasceu. Na época, o governo federal garantia a posse das terras para quem queimasse 50% das propriedades.

Serraria ilegal em 2002, com plantações de eucalipto

As cidades surgiam sob uma cultura do desmatamento. Um anúncio emblemático daquele ano, publicado no jornal Folha de S. Paulo, convida os forasteiros a adquirir lotes na região e oferece: “Melhor região ecológica do mundo para o zebu. Temperatura constante. Tempo certo para queimadas”. O regime militar instaurado em 1964 também incentivou a expansão da pecuária e, entre 1966 e 1983, distribuiu subsídios para empresas e madeireiras, sob lemas como “integrar para não entregar” e “Amazônia: terra sem homens para homens sem terra”.

Em 1987, um levantamento do Sistema da Situação Fundiária, Ambiental e Social do Pará constatou a existência de 403 serrarias na cidade, a maioria ilegal. Paragominas era a maior concentração de serrarias do mundo. À extração intensiva da madeira nobre, seguia-se a queima extensiva da floresta e sua substituição pelo capim e o boi. Consumida a mata, a indústria “itinerante” da madeira se deslocava adiante, derrubando novas áreas, sempre atrás das espécies valiosas, abrindo caminho como batedores de queimadas. Foi assim que quase desapareceram as florestas do nordeste paraense.

Florestas devastadas pelo fogo.

 

Boiada da fazenda Riacho Fundo

Busca de alternativa

A primeira reação veio de universidades, ONGs e de fundações, nacionais e estrangeiras, que partiram para estudar a lógica do desmatamento e sugeriram medidas para mitigá-lo. Nos anos 1980 e 90, a região se transformou em laboratório para instituições como o Instituto do Homem e Meio da Amazônia (Imazon) e o Instituto de Floresta Tropical (IFP), de Belém, e a The Nature Conservancy (TNC). Todas apresentaram projetos para reduzir o desmatamento, compatibilizar as práticas agrícolas com a pecuária, expandir a silvicultura das florestas plantadas, aproveitar a biodiversidade e desenvolver o manejo sustentável das matas nativas.

Tratava-se de encontrar alternativas econômicas à substituição bárbara da floresta pelo capim. Para a indústria madeireira, o manejo sustentável propunha extrair apenas algumas árvores de uma área, com baixo impacto, deixando a floresta se regenerar naturalmente, em ciclos de 30 anos.

Desde o início, porém, essa tecnologia sofreu contestação. Hoje, há empresas e governos de países tropicais empenhados no seu desenvolvimento, mas também há pesquisas que indicam que ela é economicamente inviável, assim como utópica a ideia da regeneração das espécies abatidas. O diretor do Serviço Florestal Brasileiro, Antonio Carlos Hummel, por exemplo, concorda que algumas espécies de árvores nativas não se recompõem. “Mas isso não deve ser motivo de alarme”, afirma. “O importante é que o manejo sustentável seja um bom negócio e que a biodiversidade da floresta seja mantida.” Para a Amazônia, a viabilidade da exploração sustentável da floresta nativa é estratégica.

Ex-prefeito Sidney Rosa; “O importante é educar o povo.”

Novos políticos

O chip de Paragominas começou a mudar com cientistas ecologistas e uma nova geração de políticos. Segundo o ex-prefeito Sidney Rosa, hoje secretário especial do Estado, a história da virada começa em 1997 com investimentos em educação e consciência socioambiental. “O mais importante é educar o povo a não fazer queimadas, mesmo que pequenas e inocentes na intenção”, afirma.

O desafio de lidar com a herança do passado. permanece até hoje. Mas a cidade apostou nos projetos sociais e nas leis ambientais, que levaram ao fechamento de madeireiras ilegais. Tanto que, apesar dos traumas, elegeu e reelegeu o atual prefeito, Adnan Demarchi. “Não há modelo pronto de desenvolvimento sustentável”, diz o prefeito. “Cada cidade deve adaptar seu programa à conservação das florestas e da biodiversidade, rapidamente, sem esperarpelo consenso mundial sobre o assunto. Se esperar muito, pode ser muito tarde.”

 

Desmatamento em queda

Desde 1988, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a monitorar e medir as áreas desmatadas da Amazônia, nunca havia sido registrada uma baixa tão acentuada como a de agosto de 2010 até julho de 2011. Foram desmatados 6.238 km2, cerca de 11% menos do que no ano anterior. Para se ter ideia da proporção da redução, em 2004 o Inpe registrou a derrubada recorde de 27 mil km2 de florestas no país. O Pará continua a ser, disparado, o campeão brasileiro no desmatamento. Mas seus números vêm sendo reduzidos cerca de 10% ao ano.

 

Plantações e mudas de eucalipto em áreas degradadas.

 

 

Apesar das queimadas e das serrarias ilegais, nos anos1990 novas indústrias chegaram à cidade dispostas a mudar a cultura hostil ao ambiente. Em 1992, a Cikel Brasil Verde Madeiras instalou-se em Paragominas, comprometida a abrir caminho para o manejo sustentável das florestas nativas. “Somos aliados do Instituto Floresta Tropical desde 1995, quando desenvolvemos um planejamento de operação florestal coroado pelo certificado expedido pelo Forest Stewardship Council (FSC) em 2001”, recorda Manoel Pereira Dias, diretor do grupo.

 

Plantações e mudas de eucalipto em áreas degradadas.

O engenheiro florestal Josué Evandro Ferreira afirma que a nova tecnologia é capaz de reduzir o impacto do abate a apenas 6% da área total explorada da floresta.

Já em 1989, outra indústria moderna instalada em Paragominas, a Florapac, tornou-se a primeira fábrica de aglomerados de MDF (painel de fibras de madeira) da Amazônia, usando madeira de reflorestamento, eucalipto e paricá (árvore nativa), plantada em áreas degradadas pelas pastagens. Outras, como a Dalmaso Engenharia, desenvolveram projetos para a construção de casas e móveis, usando madeira descartada por serrarias.

Instalações da Florapac, produtora de aglomerados de madeira.

Mas as queimadas ainda continuavam. O vexame veio em fevereiro de 2008, quando Paragominas foi incluída na lista negra do Ministério do Meio como um dos 36 municípios com o mais alto índice de desmatamento do país. Logo depois, o Ministério Público aplicou o torniquete final, travando o crédito e proibindo a comercialização de quase a totalidade dos produtos gerados na cidade. Em consequência, as serrarias fecharam e o desemprego explodiu. Em 23 de fevereiro de 2008, uma multidão de desempregados chegou a tentar atear fogo no hotel que hospedava os técnicos do Instituto Brasileiro do Meio (Ibama).

Diante da crise, os políticos e a população pressionaram para que 51 associações de classe da cidade se aliassem e dessem um basta à situação. Foi formado um pacto por desmatamento zero e produtos sustentáveis.

 

A movimentada praça central da cidade.

 

O prefeito Adnan Demarchi

Na esteira, vieram compromissos com a limpeza pública, a saúde, a construção de centros esportivos, culturais e parques.

Demarchi acha que a lista negra foi um mal necessário para mexer com o brio dos empreendedores. Na mesma linha, o ex-presidente da OAB de Paragominas, Raphael Vale, concorda que a autoestima da população foi o dínamo da mudança. “Quase morremos quando vimos que fazíamos parte da lista negra”, explica.

 

Madeiras tropicais de Paragominas.

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Em março de 2010 Paragominas recuperou a maioridade ao se tornar a primeira cidade amazônica a deixar a lista dos desmatadores: atingiu indicadores superiores aos exigidos pelo Cadastro Rural Ambiental (taxa média anual de desmatamento inferior a 40 km2 e 80% das propriedades rurais cadastradas) e ganhou o título de Município Verde. Se em meados de 1990 era o fim da picada, hoje virou exemplo pedagógico. “A cidade criou uma onda exitosa e deu a volta por cima”, ressalta o prefeito Adnan Demarchi.