Uma equipe internacional de pesquisadores confirmou que um espelho de obsidiana usado por John Dee (confidente da rainha Elizabeth I da Inglaterra) para contatar espíritos sobrenaturais em suas práticas ocultas tem origem asteca. Um artigo sobre as conclusões foi publicado na revista Antiquity.

“John Dee é uma figura histórica notável, um polímata da Renascença – interessado em astronomia, alquimia e matemática – e confidente de Elizabeth I”, disse Stuart Campbell, professor da Universidade de Manchester (Reino Unido) e primeiro autor do estudo. “Mais tarde, ele se envolveu com adivinhação e ocultismo, buscando falar com anjos por meio de artefatos de vidência – como espelhos e cristais.”

John Dee, em pintura do século 16
Análise geoquímica

Há muito se suspeitava que um dos artefatos usados por John Dee, um espelho de obsidiana agora no Museu Britânico, tinha origens astecas. No entanto, sem nenhum registro de como ele o obteve, era impossível provar isso. Agora, uma equipe internacional de cientistas, incluindo o professor Campbell, resolveu esse mistério com a análise geoquímica.

A análise envolveu bombardear os espelhos com raios X, resultando nos objetos também emitindo raios X, que permitem aos cientistas medir a composição do artefato. Essas são “impressões digitais” únicas que podem ser comparadas a amostras de obsidiana para rastrear as origens do material.

A equipe estudou quatro objetos no Museu Britânico: o espelho de John Dee, dois outros espelhos astecas e uma placa retangular de obsidiana polida.

Frente e verso de objetos analisados. Crédito: Antiquity (2021). DOI: 10.15184 / aqy.2021.132
Significado espiritual

Esse método revelou que todos os quatro artefatos de obsidiana estudados foram feitos de obsidiana mexicana explorada pelos astecas. O espelho de John Dee, junto com outro de desenho semelhante, é originário de Pachuca. Essa fonte de obsidiana foi fortemente explorada pelos astecas.

Para os astecas, a obsidiana também tinha um significado espiritual. Ela poderia ser usada como parte de práticas medicinais, poderia atuar como um escudo contra os maus espíritos e capturar almas em sua superfície reflexiva.

Uma divindade, Tezcatlipoca, é até chamada de “espelho fumegante” e frequentemente retratada usando espelhos circulares de obsidiana, como símbolos de premonição e poder.

Referência aos espelhos de obsidiana em pintura. Crédito: Antiquity (2021). DOI: 10.15184/aqy.2021.132
Valor simbólico

Esse valor simbólico pode ter tornado os espelhos itens atraentes para os europeus coletarem e levarem para casa enquanto conquistavam os astecas. O fato de que os espelhos também eram frequentemente vistos como artefatos mágicos na Europa pode ter servido como motivação adicional.

“O século 16 foi um período em que novos objetos exóticos estavam sendo trazidos do Novo Mundo para a Europa, abrindo novas possibilidades no mundo intelectual da época”, disse o professor Campbell.

Esses espelhos astecas eram itens novos e exóticos que encontraram lugar em muitas das primeiras coleções.

Histórias sobre o significado dos espelhos podem ter viajado com eles e podem ter sido o que motivou John Dee a adquirir seu espelho quando o encontrou na Europa.