Está complicado. Por aqui, neste 2018, penamos em meio à pior crise econômica da história, que deixou mais de 26 milhões de brasileiros desempregados.

Associadas a ela estão uma mons­truosa cultura de corrupção e uma casta dominante que, no geral, não tem pudores de sacrificar aqueles que representam para manter seus privilégios. Enquanto isso, a violência não dá trégua, de norte a sul do país.

Sente-se sufocado e quer mudar de ares? Pois a situação aí fora também não anima muito. Veja-se a vizinha Venezuela: para as dezenas de milhares de seus habitantes que chegaram à Colômbia e ao Brasil nos últimos meses, os problemas desses países são preferíveis aos que eles enfrentavam na sua pátria.

É vantajoso ter um otimismo moderado (Foto: iStockphoto)

Mais ao norte, o presidente da maior potência mundial vai confirmando algumas das piores expectativas que havia sobre seu governo. Do outro lado do Atlântico, a onda de imigração abala a União Europeia, que ainda lida com o Brexit e a letárgica economia.

A Coreia do Norte ameaça iniciar uma guerra nuclear com os Estados Unidos, no gesto mais inusitado das ditaduras escancaradas ou disfarçadas que têm prosperado no mundo.

O Estado Islâmico e outros grupos cometem atos terroristas aqui e ali. Nem falamos ainda do aquecimento global, e o rol de notícias preocupantes está longe de acabar.

Diante de um quadro desses, muitos desanimam. Outros, porém, seguem – intuitivamente ou não – a máxima chinesa de que “crise é oportunidade” e vão em frente, abrindo-se a novas possibilidades. A impulsioná-los está uma atitude mental presente desde os primeiros tempos da humanidade: a esperança.

Ela está por trás das inúmeras voltas por cima que pessoas, comunidades e países vêm dando ao longo da história.

Tempos de incerteza

A esperança pode ser definida como a expectativa positiva, otimista, em relação a determinado momento ou evento difícil por que estamos passando. “[Ela] não é sua forma típica de positividade”, observa Barbara Fredrickson, professora de psicologia da Universidade da Carolina do Norte (EUA). “A maioria das emoções positivas surge quando nos sentimos seguros e saciados. A esperança é a exceção.

Ele entra em jogo quando nossas circunstâncias são terríveis – as coisas não estão indo bem ou, pelo menos, há uma incerteza considerável sobre como elas vão acabar.” Essa atitude, diz Barbara, aflora exatamente nos momentos em que o medo, a desesperança ou o desespero parecem tão prováveis. “Talvez você tenha acabado de perder seu emprego, seus sonhos para iniciar um novo negócio ou se aposentar.

A esperança, em tempos como estes, é o que o psicólogo Richard Lazarus descreve como ‘temer o pior, mas desejar o melhor’”, afirma.

Eventos como atos de terror (acima) podem deflagrar um “modo medroso” de ser no hemisfério direito (abaixo) (Fotos: iStockphotos)

A força das “circunstâncias terríveis” citadas por Barbara não pode ser desprezada. No artigo “The Neural Basis of Optimism and Pessimism” (“A Base Neural do Otimismo e do Pessimismo”), publicado em setembro de 2013 na revista Experimental Neurobiology, o neurocientista britânico David Hecht escreve que “nosso bem-estar e sobrevivência requerem um equilíbrio entre otimismo e pessimismo”, cuja desestabilização não chega a ser difícil. Hecht lembra que, segundo as pesquisas, o otimismo está basicamente associado ao hemisfério cerebral esquerdo, enquanto seu oposto “mora” no hemisfério direito. “A atenção aos aspectos positivos de uma determinada situação, a elevada autoestima e a crença de que o futuro será brilhante são todos mediados pelo hemisfério esquerdo”, afirma.

Por seu lado, o hemisfério direito “geralmente está envolvido na mediação de um foco no lado negativo, em baixa autoestima e numa visão sombria sobre o futuro.” O equilíbrio exato entre os dois lados não é desejável, diz Hecht. “Uma dose moderada de otimismo, embora distorça a percepção de realidade da pessoa em certa medida, pode ser vantajosa”, afirma. “Estudos que investigaram a correlação entre o otimismo e a saúde sugerem que os otimistas geralmente têm melhor saúde física, menos doenças cardiovasculares e melhor sistema imunológico.”

Negativismo

Já o hemisfério direito, lembra Hecht, está modelado para detectar perigos e preparar o corpo para lidar com ameaças. Embora necessária à sobrevivência, essa disposição é acompanhada por medo, ansiedade e estresse, emoções que submetem a percepção da realidade a lentes negativas. “Além disso, a mediação do hemisfério direito de um modo ‘medroso’ dá suporte a uma relativa passividade – estratégias de inibição, fuga e precaução – quando se lida com obstáculos ao longo do caminho. Essas funções biológicas primárias do hemisfério direito moldam sua forma de perceber o mundo, e assim o hemisfério direito ‘vê’ mais problemas em potencial do que oportunidades em potencial.” O processo aciona redes neurais que dão suporte e facilitam o desencadear de sentimentos de medo, estresse, padrões de pensamentos negativos e conjuntos de ações posteriores.

Para Scioli, a conexão espiritual é relevante (Foto: iStockphotos)

Sem o controle dessa característica do hemisfério direito, o efeito é perverso. “O medo nos encerra”, diz Barbara Fredrickson. “Nossas ações se tornam rígidas e previsíveis. O pessimismo impregna nosso monólogo interior e conduz nossas decisões. Nossas perspectivas sombrias vazam em nossas trocas com familiares, amigos e colegas, erodindo qualquer senso coletivo de segurança ou confiança. A negatividade do medo também se infiltra em nossos corpos e afeta nossa saúde.” Em vários lugares do mundo, os últimos tempos têm sido pródigos em fornecer estímulos para o lado direito do cérebro. A globalização, por exemplo, é frequentemente ligada ao desânimo de membros da classe média em países desenvolvidos.

Com a transferência de muitos empregos e fábricas para países em desenvolvimento, essas pessoas perderam a perspectiva de progresso na vida. Outro aspecto, ligado ao primeiro, é o intenso fluxo de imigrantes de países em desenvolvimento (estes na esperança de melhorar de vida) rumo às economias mais prósperas – algo que, para os que se sentem prejudicados, significa reduzir ainda mais o número de empregos disponíveis (em geral, porém, os imigrantes aceitam trabalhar em ocupações que os nativos rejeitam). Tais ingredientes podem levar à desesperança e a consequências como o surgimento de governos populistas, no estilo de Donald Trump nos EUA, e o isolacionismo caracterizado no Brexit, o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia.

Rotas para o sucesso

Eventos como esses mostram que a esperança pode ser sufocada ou perdida. Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais ela tem despertado o interesse acadêmico nas últimas décadas. A primeira área a abrir os olhos para o tema foi a psicologia, nos anos 1990, com o americano C. S. Snyder, autor do livro The Psychology of Hope (“A Psicologia da Esperança”). Ele criou uma “Escala da Esperança” e, avaliando seus resultados após mais de uma década de aplicação, chegou a conclusões importantes. Segundo ele, pessoas com “baixa esperança” têm objetivos ambíguos e trabalham para atingi-los um de cada vez. Já os indivíduos com “alta esperança” frequentemente investem em cinco ou seis metas distintas ao mesmo tempo, traçam rotas para o sucesso e caminhos alternativos caso deparem com obstáculos – uma providência que os indivíduos com baixa esperança não tomam.

Somalis buscam uma vida melhor na Itália (Foto: iStockphotos)

Outro estudioso destacado da área é Anthony Scioli, professor de psicologia do Keene State College (EUA) e autor dos livros Hope in the Age of Anxiety (“A Esperança na Era da Ansiedade”) e The Power of Hope (“O Poder da Esperança”). Para ele, a esperança é uma habilidade necessária que pode ser adquirida e tem múltiplas facetas a serem cultivadas. Como os esperançosos revelam-se propensos a ser mais resilientes, confiantes, abertos e motivados do que as outras pessoas, tendem a receber mais do mundo, num processo de retroalimentação contínua.

A espiritualidade, independentemente de religião, também é importante, frisa Scioli. “A fé é o bloco de construção da esperança”, afirma. O vínculo cooperativo que se estabelece inclui tanto o próximo como uma entidade superior. As ciências sociais também descobriram o tema nas últimas décadas. Para Hirokazu Miya­zaki, professor de antropologia na Universidade Cornell (EUA), esse assunto despontou a partir de dois eventos – o colapso da União Soviética, que derrubou a esperança de teóricos progressistas em relação a uma alternativa ao capitalismo global, e a crise de oportunidades para jovens em países industrializados, prejudicados pela economia fraca.

Sonho renovado

Miyazaki é um dos grandes estudiosos do tema. Em seu primeiro livro, The Method of Hope (“O Método da Esperança”), de 2004, ele analisa como os suvavous, de Fiji (país insular da Oceania), têm mantido a esperança de recuperar sua terra ancestral, ocupada pela capital do país, mesmo depois de cem anos de pedidos frustrados, por meio de estratégias como doação de presentes, rituais cristãos e práticas de negócios. O segundo, Arbitraging Japan (“Japão em Arbitragem”, em tradução livre), de 2013, trata dos sonhos de futuro de corretores de bolsa japoneses em meio à prolongada crise de crescimento do país.

O desemprego de jovens trouxe o tema para as ciências sociais (Foto: iStockphotos)

Miyazaki foi um dos membros do conselho consultivo de uma das maiores iniciativas acadêmicas para estudar a esperança: a Hope & Optimism, um investimento de US$ 5 milhões liderado pelo professor de filosofia Andrew Chignell (atualmente na Universidade da Pensilvânia) que reuniu pesquisadores das universidades da Pensilvânia, Cornell e Notre Dame (EUA) para explorar as dimensões teóricas, empíricas e práticas da esperança, do otimismo e de estados relacionados a eles. Iniciados em 2014, os estudos estão sendo concluídos este ano e deverão trazer um vasto material novo para a ciência se aprofundar nesse terreno.

Enquanto isso, vale a pena investir na esperança. Como lembra Barbara Fredrickson, “ao contrário de qualquer outra criatura terrestre, nós, seres humanos, podemos imaginar nosso próprio futuro e, ao fazê-lo, todas as calamidades possíveis. Sem esperança, nossas previsões podem nos restringir ao desespero imobilizante. No entanto, com a esperança, nos energizamos para fazer o máximo que pudermos a fim de resolver nossos dilemas atuais e criar uma vida boa para nós mesmos e para os outros”.


A vida melhor

A esperança é um conceito comum a diversas religiões e já aparece na mais antiga delas ainda viva, o hinduísmo. A esperança hinduísta está ligada à ideia de carma, a lei de ação e reação. Uma jornada voltada para ações positivas, de acordo com essa religião, resultará inevitavelmente em bem-aventurança e elevação interior, nesta vida ou numa futura.


Guia para construir esperança

A seguir, um roteiro elaborado pelo psicólogo Anthony Scioli para que a esperança seja reerguida e mantida.

1) Metas – Anote seus três objetivos de vida mais importantes. Agora, liste três ou quatro modelos inspiradores e gente que pode ajudar e lhe fornecer experiências de capacitação.

2) Relacionamentos – Liste de duas a três pessoas que irão construir, e não corroer, seu senso de confiança. Procure gente com quem você pode se abrir e evite indivíduos que o fazem se sentir cauteloso ou defensivo. Comprometa-se a conhecer ou se encontrar com um desses indivíduos pelo menos uma vez por semana.

3) Estratégias de conduta – Liste duas ou três habilidades de gerenciamento de estresse que você tem ou gostaria de ter e comprometa-se a praticá-las pelo menos várias vezes por semana. A esperança também está relacionada a ter opções. Qual é sua forma preferida de lidar com os problemas? Resolvendo-os, evitando-os, buscando apoio de outros, orando, planejando-se antecipadamente? Todas essas estratégias têm seu lugar. O objetivo é expandir seu repertório de enfrentamento. Comprometa-se a praticar uma ou duas estratégias que não fazem parte do seu repertório de enfrentamento normal.

4) Espiritualidade – Liste quatro ou cinco das suas maiores fontes de fé. Isso pode ser um deus ou poder superior, amigos, instituições sociais, qualquer coisa que lhe pareça espiritual. Faça um comitê para desenvolver um plano estratégico a fim de aprimorar sua fé e sensação de espiritualidade nessas áreas.

5) Compromisso – Escreva uma “declaração de missão” pessoal, elaborando-a o suficiente para orientar seus pensamentos, sentimentos e comportamentos diários. Considere colocar essa declaração em uma ou mais áreas visíveis ou em um local facilmente acessível, ao qual você pode recorrer quando a vida fica agitada, confusa ou frustrante.


Benefícios da esperança

Aumento da autoestima
Aumento da autoconfiança
Aumento do bem-estar
Aumento da criatividade
Aumento da resiliência física e mental
Estímulo à fraternidade e ao sentimento de grupo
Estilo de vida mais sadio
Maior longevidade
Maior paz espiritual
Maior rede de relacionamentos sociais
Maior tolerância à dor
Melhora na condição cardiovascular
Redução da ansiedade e da depressão
Redução do estresse