Após passar por três campos de concentração e perder 64 de seus familiares na guerra, judeu polonês Leon Weintraub dá até hoje palestras sobre suas experiências. É sua contribuição para que o passado nunca se repita.Leon Weintraub nasceu em 1926 numa família judaica de Łódź, Polônia. Com a morte do pai, no ano seguinte, sua mãe arcou com a criação dele e de quatro irmãs, em condições de problema extrema. Aos 13 anos testemunhou a ocupação do país pelas tropas nacional-socialistas alemãs, e família foi forçada a viver no gueto local.

Para sobreviver, ele teve que trabalhar numa fábrica de galvanização da Wehrmacht, as Forças Armadas alemãs. Com a derrota dos invasores na Batalha de Stalingrado, começaram as liquidações e deportações de judeus e outros grupos indesejados.

Em agosto de 1944, a família foi enviada para o campo de concentração de Auschwitz, onde a mãe as irmãs de Weintraub foram provavelmente assassinadas na câmara de gás. Ao todo, perdeu 64 familiares mais próximos durante a Segunda Guerra Mundial.

Nos meses seguintes, sobreviveu, ainda, aos campos de Gross-Rosen e Flossenbürg. Ao fim da guerra, estudou medicina na cidade alemã de Göttingen. Em 1950, retornou à Polônia, porém 19 anos mais tarde, devido ao antissemitismo crescente em seu país natal, emigrou com os filhos para a Suécia, onde vive até hoje.

Com frequência, Leon Weintraub dá palestras sobre suas experiências. Em entrevista à DW, confirma que o fato de ter sobrevivido ao Holocausto lhe é uma fonte de alegria até hoje. Ele diz ter riscado de seu vocabulário a palavra “queixar-se” – da mesma forma que “vingança”. Mas também “perdoar”.

“Não poderia perdoar o homem da SS que ligou o gás e, assim, matou a minha mãe e uma grande parte da minha família. […] Mas algumas palavras chegam perto de 'perdão', como 'reconciliação'. Isso é possível para mim, e eu tento viver nesse espírito.”

DW: O senhor tem 96 anos. A Segunda Guerra Mundial e os campos de concentração aparecem às vezes em seus sonhos?

Leon Weintraub: É raro eu conseguir me lembrar dos meus sonhos. Minha mulher realmente conta às vezes que estive muito agitado, ou que gritei, mas eu mesmo não me lembro de nada. Só existe um tipo de impressão, positiva ou negativa. Durante meu estudo de medicina, um professor explicou que quem teve experiências negativas sonha com menos frequência com elas do que quem teve uma boa vida. Na época, eu não fiquei convencido.

O senhor esteve em alguns campos de concentração e extermínio alemães. O primeiro foi Auschwitz-Birkenau. Como é a lembrança da sua chegada lá?

Desumanização pavorosa. O primeiro choque quando entrou na estação o trem com vagões de gado. Ficamos de pé, apertados uns contra os outros: deitar ou sentar, nem pensar. Nada para beber, nada para comer. E o silêncio: nenhum choro, nenhum grito de protesto, nenhuma decepção.

Nos cartazes, tinham nos prometido que, como o front estava se aproximando, íamos ser evacuados bem para o interior do Terceiro Reich, onde podíamos continuar trabalhando para a Wehrmacht. E de repente nos transportavam assim? Ficamos atordoados, e esse silêncio mortal ainda soa nos meus ouvidos.

A viagem durou dois dias e duas noites. Depois da chegada, vimos umas figuras estranhas, de “pijamas” de listras. Eu pulei rápido para fora, com a mochila nas costas. Um preso me arrancou a mochila das mãos. “Mas eu tenho um monte de selos aí dentro!”, eu disse. Ele replicou: “Não se vem para cá para viver, tu não precisas de nenhum selo.”

Na plataforma, o senhor viu a sua mãe pela última vez.

Os homens tinham que ir para a esquerda, as mulheres, para a direita. A minha mãe ainda parecia jovem, embora tivesse 50 anos, de costume azul-escuro, blusa branca, rouge no rosto. Eu acenei para ela e gritei: “A gente se vê lá dentro!”

Mas aí, com o canto do olho, vi arame farpado, isoladores brancos e mais fios. Para onde tinham nos levado? Só depois da guerra fiquei sabendo que ali era Auschwitz.

O senhor tinha 18 anos, e foi selecionado para o grupo que, de início, podia viver. O que tinha que fazer no campo?

Éramos mão de obra de reserva. Quando faltavam homens numa empresa nazista, detentos do nosso grupo eram enviados para lá.

Quanto tempo esteve em Auschwitz?

Seis ou oito semanas. Um dia encontrei um grupo de homens nus entre dois blocos de barracas e escutei que estavam esperando pela roupa para partir para o trabalho. Esse “partir” foi para mim como um sinal: eu me misturei no grupo. Aí a minha boa estrela se fez notar: eles nos levaram para o vestiário, e pouco mais tarde nos puseram no trem. A última imagem de Auschwitz-Birkenau foi uma mulher pregada no arame farpado: ela havia escolhido a morte voluntária.

Aí o senhor veio para Gross-Rosen e depois para Flossenbürg. O que o ajudou a suportar isso tudo?

Psicologicamente, minha explicação é que eu estava num estado de choque constante. Hoje temos o conceito de catatonia, um estado físico em que as funções cerebrais superiores ou são desativadas ou ficam muito limitadas. Essa limitação, aceitar as coisas negativas que vinham de fora, me fechar, foi talvez um efeito para sobreviver, um instinto de autopreservação.

Para o meu corpo mesmo, bastava uma coisinha para me manter vivo: um pedaço de pão, um pouco de sopa que nos davam de manhã. Isso era tudo: bastava para manter a centelha de vida, para que ela não se apagasse.

Também mais tarde o senhor se nutriu desse poder de sobrevivência?

Sou cheio de alegria por ter sobrevivido. Eu sempre acentuo esse otimismo nas minhas conversas com a gente jovem. Faz pouco tempo, um jornal holandês publicou um artigo sobre mim. O título era: “Dr. Weintraub não conhece o termo 'se queixar', depois de Auschwitz”. Eu assumi a postura de que tudo o que aconteceu depois é incomparável com o que eu passei no gueto ou nos campos. E isso me deixou feliz com o que tenho.

Que outras palavras riscou do seu vocabulário?

Acima de tudo, a palavra “vingança”. Se eu pagasse na mesma moeda, estaria no mesmo nível que os criminosos. E eu não quero ser comparável aos criminosos. Por isso também não sou a favor de “olho por olho”. Sou a favor de punir os crimes segundo a lei vigente.

E a palavra “perdoar”?

Não, não consigo nem perdoar, nem justificar os atos a que a ideologia nazista levou. Não poderia perdoar o homem da SS que ligou o gás e, assim, matou a minha mãe e uma grande parte da minha família. Eu contei que, depois da guerra, dos 80 membros da minha família mais próxima, só sobravam 16. Mas algumas palavras chegam perto de “perdão”, como “reconciliação”. Isso é possível para mim, e eu tento viver nesse espírito.

O senhor encontra muitos jovens. Sobre o que eles perguntam?

Eles também perguntam se são culpados. Aí eu explico que eles, naturalmente, não têm nenhuma culpa direta, pois naquela época não estavam no mundo. Mas se descobrirem que o avô ou bisavô deles foi um criminoso nazista ativo, então têm que se confrontar com o fato. Dessa constatação eu não tenho como libertá-los. O único conselho que eu posso dar é que devem fazer tudo para que isso nunca mais aconteça.

O que o deixa mais apreensivo, hoje em dia?

Para mim é incompreensível que nos nossos países, na Europa, exista gente que se identifica com os nazistas, com essa ideologia. Isso é mais do que um tapa na cara de milhões de vítimas, vítimas indefesas, cuja vida foi tirada sem qualquer escrúpulo. Para nós, sobreviventes, é inconcebível se identificar com essa ideologia.

Que forma pode tomar, no futuro, a recordação das atrocidades nazistas?

Para começar, temos memoriais na Europa. É dever de um país preservar esses memoriais, como advertência de o que seres humanos são capazes de fazer com seres humanos. Há museus. Essa é parte material.

Aí temos as testemunhas da época. Nossos relatos existem também como brochuras ou filmes. Ajuda-me a sobreviver saber que os jovens que me escutaram não vão sucumbir às palavras de ordem da AfD [partido populista de direita Alternativa para a Alemanha] na Alemanha, ou às palavras de ordem na Polônia. E depois de mim, meus netos e outros jovens vão transmitir o testemunho inesquecível. Pois esquecer seria o pior de tudo.