As zonas de velocidade ultrabaixa (ULVZ, na sigla em inglês) são pontos no limite entre o núcleo e o manto que têm velocidades sísmicas extremamente baixas. Elas estão localizadas abaixo do Pacífico central e da África, no topo do núcleo externo da Terra. Nessas áreas, as ondas sísmicas diminuem até a metade e a densidade aumenta em um terço.

Inicialmente, os cientistas pensavam que essas zonas eram áreas onde o manto estava parcialmente derretido e poderiam ser a fonte de magma para regiões vulcânicas de pontos quentes como a Islândia. Uma nova pesquisa sugere que é possível que algumas das zonas de velocidade ultrabaixa sejam resquícios dos processos que moldaram a Terra primitiva. O artigo a esse respeito foi publicado na revista Nature Geoscience.

“Zonas de velocidade ultrabaixa podem ser coleções de óxido de ferro, que vemos como ferrugem na superfície, mas que podem se comportar como um metal no manto profundo”, disse o dr. Michael Thorne, pesquisador do Departamento de Geologia e Geofísica da Universidade de Utah (EUA) e coautor do estudo. “Se for esse o caso, bolsões de óxido de ferro fora do núcleo podem influenciar o campo magnético da Terra, que é gerado logo abaixo.”

Pachhai et al. empregaram análise de dados sísmicos e modelagem geodinâmica de alta resolução para estudar a origem das zonas de velocidade ultrabaixa abaixo do Mar de Coral entre a Austrália e a Nova Zelândia. Crédito da imagem: Pachhai et al., Doi: 10.1038/s41561-021-00871-5
Em busca de uma imagem clara

“As propriedades físicas das zonas de velocidade ultrabaixa estão ligadas à sua origem, que por sua vez fornece informações importantes sobre o estado térmico e químico, a evolução e a dinâmica do manto inferior da Terra – uma parte essencial da convecção do manto que impulsiona as placas tectônicas”, acrescentou outro coautor, o dr. Surya Pachhai, pesquisador de pós-doutorado no Departamento de Geologia e Geofísica da Universidade de Utah e na Escola de Pesquisa de Ciências da Terra da Universidade Nacional Australiana.

Para obterem uma imagem clara, Thorne, Pachhai e seus colegas estudaram zonas de velocidade ultrabaixa na zona de subducção Tonga-Fiji, abaixo do Mar de Coral, entre a Austrália e a Nova Zelândia. O local é indicado por causa da abundância de terremotos registrados ali, que fornecem uma imagem sísmica de alta resolução do limite núcleo-manto.

Esperava-se que as observações de alta resolução pudessem revelar mais sobre como as zonas de velocidade ultrabaixa aparecem juntas. Mas obter uma imagem sísmica de algo através de quase 2.900 km de crosta e manto não é fácil. Tampouco é sempre conclusivo: uma camada espessa de material de baixa velocidade pode refletir as ondas sísmicas da mesma forma que uma camada fina de material de velocidade ainda mais baixa.

Os pesquisadores contornaram o problema usando uma abordagem de engenharia reversa. “Podemos criar um modelo da Terra que inclua reduções ultrabaixas da velocidade das ondas e, em seguida, executar uma simulação de computador que nos diga como seriam as formas de onda sísmicas se essa fosse a aparência real da Terra”, disse Pachhai. “Nosso passo seguinte é comparar essas gravações previstas com as gravações que realmente temos.”

Oceano de magma

Uma questão específica que os cientistas queriam responder é se existem estruturas internas, como camadas, dentro de zonas de velocidade ultrabaixa. De acordo com seus modelos, a resposta é que as camadas são altamente prováveis. Isso é muito importante, porque mostra o caminho para entender como essas zonas surgiram.

“Até onde sabemos, este é o primeiro estudo usando uma abordagem bayesiana nesse nível de detalhe para investigar zonas de velocidade ultrabaixa e também é o primeiro estudo a demonstrar estratificação forte dentro de uma zona de velocidade ultrabaixa”, afirmou Pachhai. “Mais de 4 bilhões de anos atrás, enquanto o ferro denso estava afundando no núcleo da Terra primitiva e minerais mais leves flutuavam no manto, um objeto planetário do tamanho de Marte pode ter colidido com o jovem planeta. A colisão pode ter jogado detritos na órbita da Terra que mais tarde poderiam ter formado a Lua. Também aumentou significativamente a temperatura da Terra – como você pode esperar de dois planetas colidindo um com o outro.”

Pachhai prosseguiu: “Como resultado, um grande corpo de material fundido, conhecido como oceano de magma, se formou. O oceano seria composto de rochas, gases e cristais suspensos no magma. O oceano teria se separado à medida que esfriava, com materiais densos afundando e se acumulando no fundo do manto. Ao longo dos bilhões de anos seguintes, conforme o manto se agitava e entrava em convecção, a camada densa teria sido empurrada em pequenos pedaços, aparecendo como as zonas de velocidade ultrabaixa em camadas que vemos hoje”.

Heterogeneidades

O pesquisador concluiu: “Portanto, a descoberta primária e mais surpreendente é que as zonas de velocidade ultrabaixa não são homogêneas, mas contêm fortes heterogeneidades (variações estruturais e composicionais) dentro delas. Essa descoberta muda nossa visão sobre a origem e a dinâmica das zonas de velocidade ultrabaixa. Descobrimos que esse tipo de zona de velocidade ultrabaixa pode ser explicado por heterogeneidades químicas criadas no início da história da Terra e que ainda não estão bem misturadas após 4,5 bilhões de anos de convecção do manto”.

O professor Hrvoje Tkalčić, da Universidade Nacional Australiana e coautor do estudo, afirmou: “Ao longo de bilhões de anos de formação e remodelação da Terra, essas zonas se agitaram perto do núcleo do planeta, mas permaneceram praticamente intactas. É como um ovo em um bolo que não se mistura com o resto dos ingredientes, mas permanece como [gema] e clara de ovo, apesar da constante mistura ao redor”.

Tkalčić também afirmou que o fenômeno aparentemente não está relacionado à formação de pontos quentes, como se imaginava antes. “Não há associação espacial convincente entre os dois fenômenos”, disse ele ao site IFLScience.