Conversando com outras pessoas e observando seu comportamento, podemos aprender coisas inovadoras, adquirir novas habilidades e nos adaptar a condições que ainda não conhecíamos. Mas e se as informações fornecidas pelo ambiente social forem inconsistentes ou contraditórias? Em um estudo recente, pesquisadores do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano (Alemanha) e da Universidade de Amsterdã (Holanda) investigaram como as pessoas lidam com informações de diversas fontes sociais e como usam essas informações para formar crenças. O trabalho foi apresentado em artigo na revista “Proceedings of the Royal Society B”.

“A internet, em particular, mudou dramaticamente a estrutura e a dinâmica das interações sociais. A disponibilidade de fontes sociais é até certo ponto controlada por algoritmos – o que vemos é tendencioso em favor de nossas próprias preferências. Ao mesmo tempo, a internet nos dá acesso a pontos de vista potencialmente conflitantes”, diz Lucas Molleman, pesquisador associado do Centro de Racionalidade Adaptável do Instituto Max Planck para Desenvolvimento Humano e pós-doutorando na Universidade de Amsterdã, o autor principal do artigo.

Inicialmente os pesquisadores realizaram um estudo experimental com 95 participantes dos Estados Unidos. Esses participantes completaram uma versão adaptada do Berlin Estimate AdjuStment Task (Beast), que mede de forma confiável o uso de informações sociais pelos indivíduos. Eles viram imagens de grupos de animais e foi-lhes solicitado que estimassem o número de animais. Em seguida, eles viram as estimativas de três outros participantes e receberam a solicitação de fazer uma segunda estimativa. Quanto mais os participantes ajustavam suas estimativas às de seus pares, mais levavam em consideração as informações sociais.

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Mais peso à estimativa inicial

Ao longo de 30 rodadas da tarefa, os pesquisadores variaram as condições do estudo. Eles apresentaram aos participantes estimativas que se desviaram em maior ou menor medida de suas próprias estimativas, e que eram mais ou menos extremas. Os resultados mostraram que se os participantes integraram informações do ambiente social em sua segunda estimativa, isso dependia de se e com que intensidade as estimativas de seus pares se desviaram umas das outras e de suas próprias estimativas. Os participantes tinham maior probabilidade de ajustar suas estimativas quando seus pares concordavam entre si e suas estimativas não eram muito diferentes das do próprio participante. A maior variação nas estimativas dos pares reduziu seu impacto no julgamento do próprio participante.

Em geral, os participantes deram mais peso à sua própria estimativa inicial do que às estimativas de seus pares. No geral, três estratégias de ajuste foram identificadas: 1) aderir à estimativa original de alguém; 2) adotar a estimativa de um dos três pares; 3) fazer uma conciliação entre a estimativa original e as estimativas de pares.

Desconto egocêntrico

A frequência relativa dessas estratégias diferiu significativamente entre as condições do estudo. Quando os participantes observaram um único par que concordava intimamente com eles, era mais provável que eles mantivessem sua estimativa original ou adotassem a estimativa do par mais próximo. Quando nenhum dos pares estava de acordo com eles, os participantes tendiam mais a se comprometer ajustando sua estimativa para (mas raramente além) a do par mais próximo.

“Nosso experimento quantifica como as pessoas avaliam suas próprias crenças anteriores e as crenças dos outros. Em nosso contexto, não há realmente nenhuma razão para supor que a estimativa de alguém seja melhor do que a de qualquer outra pessoa. Mas o que vemos aqui é um efeito conhecido em psicologia como ‘desconto egocêntrico’ – ou seja, quando as pessoas colocam mais peso em suas próprias crenças do que nas dos outro”, explica o coautor Alan Noveas Tump, pós-doutorando no Centro de Racionalidade Adaptativa do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano. “Além do mais, nosso estudo revela que esse peso é fortemente impactado pela consistência das crenças dos outros em relação às suas próprias. As pessoas são mais propensas a dar atenção a informações que confirmam suas próprias crenças.”

Bolha de filtro

Com base nessas descobertas, os pesquisadores desenvolveram um modelo que integra as estratégias de ajuste observadas e capta que as pessoas prestam atenção especial às informações sociais que confirmam seus julgamentos pessoais. Usando simulações, eles investigaram como as pessoas se comportariam em situações da vida real.

Por exemplo, eles simularam uma “bolha de filtro” [estado de isolamento social criado por algoritmos usados por sites como Google, Facebook e certos veículos de comunicação ao exibirem a cada usuário conteúdos supostamente alinhados com interesses que a pessoa manifestou no passado – N. da R.] típica, em que as informações sociais tendem a vir de indivíduos com ideias semelhantes. Eles também simularam tentativas típicas de mudar a mente das pessoas, confrontando-as com informações inconsistentes com suas próprias crenças. Finalmente, eles investigaram como as pessoas reagem ao ser expostas simultaneamente a diferentes grupos com crenças extremas. Suas simulações sugerem que os efeitos de confirmação podem levar à recusa de informações sociais divergentes, à exacerbação dos efeitos da bolha de filtro e a uma radicalização maior das pessoas em suas atitudes.

Imunidade a argumentos opostos

“Embora nosso estudo tenha sido experimental em design, nosso modelo ajuda a explicar muitos fenômenos contemporâneos”, diz o coautor Wouter van den Bos, cientista pesquisador adjunto do Centro de Racionalidade Adaptativa do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano e professor associado da Universidade de Amsterdã. “Ele mostra como a maneira pela qual as pessoas processam as informações sociais pode exacerbar as bolhas de filtro na internet e por que os debates públicos muitas vezes se tornam polarizados à medida que as pessoas rapidamente se tornam imunes a argumentos opostos. Como as interações ocorrem cada vez mais on-line, as pessoas podem encontrar informações que confirmam suas crenças existentes, tornando-as menos dispostas a ouvir alternativas.”

Em estudos futuros, os pesquisadores querem integrar outros aspectos da realidade ao modelo para descobrir, por exemplo, se tem relevância se as informações sociais vêm de um amigo, um estranho, um especialista ou alguém com o mesmo viés político ou diferente do receptor. Eles também estão investigando como outras pessoas influenciam as doações altruístas dos indivíduos e a conformidade com as normas sociais.