Você já foi interrompido no trânsito por outro motorista, num incidente que o deixou ainda fervendo quilômetros depois? Ou foi interrompido por um colega em uma reunião e se pegou repassando o evento em sua cabeça mesmo depois de sair do trabalho? Eventos de grosseria como esses acontecem com frequência, e você pode se surpreender com a magnitude dos efeitos que eles têm em nossa tomada de decisão e funcionamento. Uma pesquisa americana recente sugere que, em certas situações, grosserias incidentais como essa podem ser mortais.

O estudo está programado para publicação na revista Journal of Applied Psychology.

Os pesquisadores Trevor Foulk, da Universidade de Maryland, Christopher R. Giordano e Amir Erez, da Universidade da Flórida, Heather Reed, do Envision Physician Services, e Kent B. Berg, do Thomas Jefferson University Hospital, observaram como a grosseria amplia o “viés de ancoragem”. O viés (ou efeito) de ancoragem é a tendência de se fixar em uma informação ao tomar uma decisão (mesmo que essa informação seja irrelevante).

Viés de ancoragem

Por exemplo, se alguém perguntar: “Você acha que o comprimento do rio Amazonas é menor ou maior do que 500 quilômetros?”. Essa sugestão de 500 quilômetros pode se tornar uma âncora que pode influenciar o comprimento que você acha que o rio Amazonas tem. Quando isso acontece, é difícil se afastar muito dessa sugestão inicial, disse Trevor Foulk.

O viés de ancoragem pode acontecer em muitas situações diferentes, mas é muito comum em diagnósticos médicos e negociações. “Se você vai ao médico e diz ‘Acho que estou tendo um ataque cardíaco’, isso pode se tornar uma âncora e o médico pode se fixar nesse diagnóstico, mesmo que você esteja apenas tendo indigestão”, explicou Foulk. “Se os médicos não tirarem as âncoras o suficiente, eles começarão a tratar a coisa errada.”

Como a ancoragem pode acontecer em muitos cenários, os pesquisadores queriam estudar mais sobre o fenômeno e quais fatores o exacerbam ou atenuam. Eles estudam a grosseria no local de trabalho há anos. Já sabiam, por meio de trabalhos anteriores, que quando as pessoas vivenciam a grosseria, isso consome muitos de seus recursos psicológicos e estreita sua mentalidade. Eles suspeitaram que isso poderia desempenhar um papel no efeito de ancoragem.

Para testarem sua teoria, eles executaram uma simulação médica com residentes de anestesiologia. Os residentes tinham de diagnosticar e tratar o paciente e, pouco antes do início da simulação, os participantes receberam uma sugestão (incorreta) sobre a condição do paciente. Essa sugestão serviu de âncora, mas, ao longo do exercício, o simulador forneceu feedback de que a doença não era o diagnóstico sugerido, mas outra coisa.

Insistência no erro

Em algumas interações, antes do início da simulação, os pesquisadores fizeram um médico entrar na sala e agir rudemente com outro médico na frente dos residentes.

“O que descobrimos é que quando eles experimentaram grosseria antes do início da simulação, eles continuaram tratando a coisa errada, mesmo na presença de informações consistentes de que na verdade era outra coisa”, disse Foulk. “Eles continuaram tratando a âncora, embora tivessem motivos de sobra para entender que o diagnóstico da âncora não era o que o paciente estava sofrendo.”

Esse efeito foi replicado em uma variedade de outras tarefas, incluindo negociações, bem como tarefas de conhecimento geral. Nos diferentes estudos, os resultados foram consistentes – experimentar a grosseria torna mais provável que uma pessoa se prenda à primeira sugestão que ouvir.

“Entre os quatro estudos, descobrimos que a grosseria testemunhada e vivenciada diretamente parecia ter um efeito semelhante”, afirmou Foulk. “Basicamente, o que estamos observando é um efeito de estreitamento. A grosseria estreita sua perspectiva, e essa perspectiva estreita torna a ancoragem mais provável.”

Neutralizando os efeitos

Em geral, a tendência de ancoragem geralmente não é grande coisa, avaliou Foulk. “Mas quando você está nesses domínios importantes e críticos de tomada de decisão – como diagnósticos médicos ou grandes negociações –, as interações interpessoais realmente importam muito. Coisas menores podem ficar em cima de nós de uma forma que não percebemos.”

Para fornecerem informações adicionais sobre esse fenômeno, os pesquisadores também exploraram maneiras de neutralizá-lo. A grosseria torna você mais propenso a ancorar porque restringe sua perspectiva. Então, os pesquisadores exploraram duas tarefas que mostraram expandir sua perspectiva: a tomada de perspectiva e a elaboração de informações.

A tomada de perspectiva ajuda a expandir sua perspectiva ao ver o mundo do ponto de vista de outra pessoa. Já a elaboração de informações ajuda a ver a situação de uma perspectiva mais ampla, pensando sobre ela de forma mais abrangente. Em seus estudos, os pesquisadores descobriram que ambos os comportamentos podem neutralizar o efeito da grosseria na ancoragem.

Embora essas intervenções possam ajudar a tornar menos provável a ancoragem da grosseria pelas pessoas, Foulk disse que elas devem ser o último recurso. Qual seria então o melhor remédio para o problema da grosseria?

Efeitos deletérios

“Em domínios importantes, onde as pessoas estão tomando decisões críticas, realmente precisamos repensar a maneira como tratamos as pessoas”, disse ele. “Nunca permitimos um comportamento agressivo no trabalho. Mas vemos as grosserias como algo aceitável, e agora estamos aprendendo cada vez mais que pequenos insultos têm igual impacto no desempenho das pessoas.”

E isso precisa parar, segundo ele.

“Temos a tendência de subestimar as implicações de desempenho do tratamento interpessoal. Ouvimos: ‘Se você não aguenta o calor, saia da cozinha’. É quase como se ser capaz de tolerar o tratamento que as pessoas destinam a você é como uma medalha de honra. Mas a realidade é que esse mau tratamento está tendo efeitos realmente deletérios sobre o desempenho em áreas que nos importam – como a medicina. É importante.”

Este é o quarto artigo em uma série de pesquisas de Foulk mostrando que a grosseria afeta negativamente o desempenho médico, em que os impactos podem ser muito maiores – e muito mais terríveis – do que os insultos, disse ele. “Em simulações, descobrimos que a mortalidade aumenta com a grosseria. As pessoas podem estar morrendo porque alguém insultou o cirurgião antes de ele começar a operar.”