Um estudo internacional publicado na revista “Cell” descreveu 109 variantes genéticas associadas a oito transtornos psiquiátricos: autismo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e síndrome de Tourette, em cerca de 230 mil pacientes em todo o mundo.

O estudo, promovido pelo Psychiatric Genomics Consortium – a plataforma internacional mais ambiciosa em genética de condições psiquiátricas –, é liderado pelo especialista Jordan W. Smoller, da Universidade Harvard (Estados Unidos). Além de listar possíveis fatores de predisposição genética (ou resiliência) a patologias, esse trabalho determina os genes específicos que as diferentes patologias compartilham e completa o mapa genético dos distúrbios psiquiátricos.

Nova perspectiva genética

Cerca de 25% da população mundial é afetada por algum tipo de doença psiquiátrica que pode alterar a capacidade intelectual, o comportamento, a afetividade e as relações sociais. O novo estudo – baseado em 230 mil pacientes e 500 mil indivíduos de controle – analisa a base genética compartilhada por oito patologias psiquiátricas e define três grupos de distúrbios geneticamente relacionados: aqueles que respondem a comportamentos compulsivos (anorexia nervosa, transtorno obsessivo-compulsivo); distúrbios do humor e psicóticos (transtorno bipolar, depressão maior e esquizofrenia); e distúrbios do desenvolvimento neurológico de início precoce (distúrbio do espectro do autismo, TDAH e síndrome de Tourette).

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“ (…) distúrbios listados no mesmo grupo tendem a compartilhar mais fatores genéticos de risco entre eles do que com outros grupos”, observou Bru Cormand, professor do Departamento de Genética, Microbiologia e Estatística e chefe do Grupo de Pesquisa em Neurogenética da Universidade de Barcelona (Espanha), que participou do estudo. “Além disso, vimos que esses grupos construídos com base em critérios genéticos combinam com o resultado clínico.”

“No entanto, o novo estudo não enfatiza os genes compartilhados por membros de um grupo específico, mas os genes compartilhados pelo maior número de distúrbios”, acrescentou Cormand. “Ou seja, aqueles fatores que de alguma forma dariam lugar a um cérebro ‘sensível’, com maior probabilidade de sofrer de algum distúrbio psiquiátrico. E o fato de que esse poderia ser um ou outro distúrbio dependeria de fatores genéticos específicos, sem esquecer fatores ambientais.”

Muitos transtornos psiquiátricos mostram comorbidades – eles tendem a co-ocorrer, às vezes de maneira sequencial. Portanto, é bastante provável que um paciente mostre mais de um distúrbio ao longo de sua vida.

De acordo com os resultados, um gene relacionado ao desenvolvimento do sistema nervoso, o CCD, é um fator de risco para todos os oito distúrbios estudados. Além disso, o gene RBFOX1, que regula a combinação em muitos genes, está envolvido em sete dos oito distúrbios. E o TDAH e a depressão compartilham 44% desses fatores de risco genéticos comuns na população em geral. Em relação à esquizofrenia e ao transtorno bipolar, esses números atingem 70%.

Fatores de risco

Além da genômica, o estudo se concentra na análise dos aspectos funcionais das variantes de risco genético: por exemplo, o impacto na expressão gênica no espaço (quais órgãos, regiões específicas do cérebro, tecidos e até células expressam os genes da doença) e no tempo (em que fase do desenvolvimento do indivíduo essas variantes são ativadas). O trabalho analisa também o genoma em um nível tridimensional para detectar possíveis relações entre variantes genéticas de risco e genes distantes.

Uma das descobertas mais relevantes do estudo revela que os genes que são fatores de risco para mais de um distúrbio (genes com efeitos pleiotrópicos) geralmente estão ativos durante o segundo trimestre da gravidez, coincidindo com um estágio crucial no desenvolvimento do sistema nervoso.

Curiosamente, algumas variações genéticas podem atuar como fatores de risco genéticos em um determinado distúrbio, mas eles têm um efeito protetor em outros casos. Segundo Raquel Rabionet, pesquisadora da Universidade de Barcelona envolvida no estudo, foram identificadas 11 áreas do genoma em que os efeitos são opostos em diferentes pares de distúrbios; ou seja, proteção em um caso e suscetibilidade no outro. Isso pode fazer sentido, por exemplo, em alguns casos em que haveria uma variante genética com efeitos contrários no TDAH – um distúrbio geralmente relacionado à obesidade – e anorexia.

“No entanto, em relação aos distúrbios do desenvolvimento neurológico, como autismo e esquizofrenia, existem variantes genéticas com efeitos opostos e outras que funcionam na mesma direção”, observou Rabionet. “Isso sugere que a genética dos distúrbios psiquiátricos é mais complexa do que pensávamos, e ainda estamos longe de resolver esse quebra-cabeça.”

Fatores ambientais

Alterações em um único polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) de DNA explicam menos de um terço da genética dessas patologias. Os outros dois terços podem corresponder a outros tipos de alterações genéticas – como variantes raras – que não são tão comuns no genoma humano.

“Os transtornos psiquiátricos têm origem multifatorial”, observam os especialistas. “Por exemplo, graças a estudos com gêmeos, sabemos que o TDAH possui uma carga genética de 75% e os 25% restantes seriam explicados por fatores ambientais (experiências traumáticas na infância, exposição a toxinas etc.).”

“Esse panorama pode ser expandido para outros distúrbios psiquiátricos que estudamos, porque a contribuição da genética geralmente é superior a 50% e os SNPs sempre explicam menos da metade dessa porcentagem. Ou seja, os SNPs têm um peso importante, mas há muitos fatores ainda a serem explorados”, observaram Cormand e Rabionet, que, como parte do estudo, trabalharam no grupo de pacientes com TDAH, anorexia ou transtorno obsessivo-compulsivo em hospitais catalães.

Novas fronteiras da genética

O estudo publicado na “Cell” amplia o horizonte de conhecimento de um estudo anterior (“Nature Genetics”, 2013), promovido pelo Psychiatric Genomics Consortium em uma base de 32 mil pacientes e 46 mil indivíduos de controles e cinco distúrbios (autismo, TDAH, esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão). As conclusões do novo artigo melhoram as do estudo anterior, que analisou em uma perspectiva global a genética compartilhada de transtornos mentais, mas não apontou para genes específicos.

No futuro, uma das prioridades do Consórcio será concluir o cenário genético dos transtornos mentais através da análise de outras variações genéticas – por exemplo, as variações do número de cópias (CNVs, na sigla em inglês) – que afetam grandes segmentos de DNA. De uma perspectiva epigenética – em particular a metilação do DNA (tipo de modificação química do DNA que pode ser herdada e subsequentemente removida, sem alterar a sequência original da molécula) –, os pesquisadores querem analisar as interações entre genes e ambiente, que podem ser decisivas na psiquiatria.

“Será importante entender como as alterações genéticas são traduzidas para o fenótipo – o distúrbio –, e isso envolve o estudo da função de cada gene identificado nos estudos genômicos (usando modelos animais ou celulares)”, afirmaram Cormand e Rabionet. “De qualquer forma, o objetivo é usar a genética para melhorar e personalizar o diagnóstico, o prognóstico e a terapia dessas patologias, que podem ser altamente incapacitantes para as pessoas afetadas.”