A Terra sustenta a vida há 3,5 bilhões de anos, apesar dos desastres naturais que cinco vezes provocaram extinções em massa nos últimos 500 milhões de anos. Cada uma delas varreu da superfície do planeta entre 50% e 90% de todas as espécies animais e vegetais. A mais recente ocorreu há cerca de 65 milhões de anos, quando um asteroide que se chocou com a Terra na região onde hoje está a Península do Yucatán, no México, pôs fim ao reinado dos dinossauros e abriu as portas para a fase de predomínio dos mamíferos. Agora, um processo semelhante está se desenvolvendo novamente, bem sob os nossos olhos, e em boa parte por culpa da nossa irresponsabilidade ambiental.

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“Os dados mais recentes mostram, sem sombra de dúvida significativa, que estamos entrando no sexto evento de extinção em massa”, informou recentemente o biólogo Paul Ehrlich, coautor de um estudo sobre o tema promovido pela Universidade Stanford, dos Estados Unidos, e publicado em junho na revista Science Advances. Mas enquanto as extinções anteriores foram associadas sobretudo a asteroides ou vulcões, a principal causa da atual é a ação de um mamífero hoje dominante na superfície do planeta: o ser humano.

Muitos cientistas advertem para esse fato há décadas, denunciando um ritmo de extinções muito mais intenso do que aquele que acontece ao longo da história devido a causas puramente naturais. Apesar disso, até agora, vozes críticas têm se manifestado argumentando que tais assertivas são ba­seadas em dados pouco corretos ou distorcidos e, com isso, lançando dúvidas sobre a realidade do declínio das espécies animais nos tempos atuais. A pesquisa da Universidade Stanford foi feita exatamente com a finalidade de verificar se essas dúvidas são justificadas.

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Apesar de terem trabalhado com estimativas baixas, os pesquisadores constataram que numerosas espécies estão desaparecendo em ritmo até 114 vezes mais rápido do que aconteceria normalmente no tempo compreendido entre duas extinções em massa. “Se isso puder continuar, a vida levaria muitos milhões de anos para se recuperar, e a nossa própria espécie tenderia a desaparecer cedo”, ressalta Gerardo Ceballos, professor de Ecologia da Universidade Nacional Autônoma do México e um dos autores do estudo.

Ceballos admite uma grande surpresa da equipe de pesquisadores ao tomar conhecimento da gravidade da situação. “Isso é muito deprimente, porque utilizamos as taxas mais conservadoras, e mesmo assim elas são muito mais altas do que a taxa de extinção normal, o que indica de fato que estamos tendo uma perda maciça de espécies”, ressalta. A seguir, apresentamos seis pontos importantes levados em consideração pelos responsáveis desse estudo a respeito da sexta extinção em massa.

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1 – O que está acontecendo não é normal

A extinção é parte natural da evolução. Desde o início da evolução da vida na Terra, estima-se que pelo menos 99% de todas as espécies já desapareceram. As coisas, no entanto, podem ficar feias quando muitas espécies desaparecem rapidamente, criando um efeito dominó capaz de embaralhar e destruir ecossistemas organizados inteiros. No novo estudo, os pesquisadores lançam mão, como pano de fundo, de índices que representam o dobro dos índices de fundo usados em vários estudos precedentes.

Quando se comparam os resultados com estimativas conservadoras das extinções contemporâneas, não resta nenhuma dúvida de que podemos dar o nome de extinção em massa ao que está ocorrendo. O estudo mostra que o número de espécies extintas apenas no decorrer do século passado teria levado, em condições normais, entre 800 anos e 10 mil anos para ocorrer. Tais estimativas revelam uma perda excepcionalmente rápida de biodiversidade, indicando que uma sexta extinção já está em curso.

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2 – Há uma guerra pelo espaço vital

Na atualidade, a causa número um do declínio da vida silvestre é a perda dos habitats e a fragmentação dos territórios. Ela representa a principal ameaça para 85% de todas as espécies inscritas na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês). Isso inclui o desmatamento para a agricultura, a implantação de núcleos habitacionais e a menos evidente fragmentação causada pela construção de estradas, represas, etc. Mesmo quando não são arrasados ou divididos, os habitats estão sendo cada vez mais alterados por outras atividades humanas.

Espécies invasoras ameaçam uma grande variedade de plantas nativas e de animais em todo o mundo, quer por matá-los diretamente ou pela competição para o alimento e os locais de nidificação (construção de ninhos). A poluição é cada vez mais generalizada em muitos lugares, a partir de produtos químicos como o mercúrio, que se acumulam no organismo dos peixes e demais seres aquáticos, ou dos detritos plásticos que lentamente matam tartarugas, cetáceos e aves marinhas. Ecossistemas inteiros estão migrando devido às alterações climáticas, deixando para trás espécies menos móveis ou menos adaptáveis. Além disso, em algumas lugares do mundo, caçadores estão destruindo espécies inteiras para atender à demanda de partes de animais silvestres, como o chifre do rinoceronte, a bile do urso, o marfim do elefante.

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Desmatamento: uma das causas do declínio da vida selvagem (Foto: Shutterstock)

3 – Os vertebrados estão desaparecendo

O número de espécies de vertebrados que desapareceram para sempre desde 1.500 é pelo menos 338, de acordo com um estudo recente. Esse cálculo não inclui as categorias menos rigorosas de “extinto em estado selvagem” e “possivelmente extinto” – se somadas, elas empurrariam o total para 617 espécies. Mais da metade dessas extinções ocorreu a partir de 1900.

Mesmo nas estimativas mais conservadoras, as taxas de extinção de mamíferos, aves, anfíbios e peixes foram todas pelo menos 20 vezes maiores do que as taxas esperadas desde 1900. Os pesquisadores ressaltam que a taxa para répteis varia de 8 a 24 vezes acima do esperado. Toda a massa populacional de vertebrados caiu 52% nos últimos 45 anos, e a ameaça de extinção paira sobre muitos deles. “Existem espécies em todo o mundo que são, essencialmente, mortos-vivos”, afirma Ehrlich.

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Urso-polar: correndo sério risco de extinção (Foto: Shutterstock)

4 – Provavelmente, ainda é pior do que se pensa

O novo estudo é conservador e, por isso, a taxa real de extinções é por certo mais alta do que os dados sugerem. “Nossos cálculos certamente subestimam a severidade da crise de extinção em curso”, escreve Ehrlich, “porque nosso objetivo era pôr um limite inferior realista do impacto da humanidade sobre a biodiversidade”. O estudo também aborda os vertebrados, em geral mais fáceis de contar do que os incluídos em faixas menos complexas, como moluscos, insetos e plantas. Como outro estudo recente apontou, a maior parcela da atual crise de extinção ainda terá de ser examinada.

“Mamíferos e aves fornecem a parte mais robusta dos dados, pois o estado da maior parte das espécies pode ser avaliado”, assinala o estudo. “Invertebrados constituem mais de 99% da diversidade das espécies, mas o status de uma pequena fração foi agora avaliado, o que significa que os níveis globais da extinção seguem drasticamente subestimados”. Quando se somam dados atualizados sobre os invertebrados terrestres, ressaltam, “esse estudo estima que possivelmente já perdemos cerca de 7% das espécies que existem na Terra hoje”.

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Aves como o condor propiciam o conjunto mais sólido de dados (Foto: Shutterstock)

5 – nenhuma espécie está a salvo

Com uma população global de 7,2 bilhões de indivíduos, e em crescimento, a humanidade parece não correr riscos imediatos de extinção. Mas isso pode mudar rapidamente, assim como ocorreu nas últimas décadas para muitas outras espécies de vida selvagem. Apesar dos nossos esforços para nos precaver contra os caprichos da natureza, nossa civilização continua dependente de ecossistemas saudáveis para obter água, alimentos e outros recursos.

Adaptar-nos à extinção em massa constitui um desafio imenso, sob quaisquer circunstâncias. Isso se torna mais complicado no contexto das alterações climáticas. “Se nos será permitido continuar, a vida precisará de muitos milhões de anos para se recuperar, e nossa própria espécie provavelmente iria desaparecer logo no início do processo”, observa Gerardo Ceballos. “Estamos serrando o galho sobre o qual estamos sentados”, acrescenta Ehrlich.

6 – Ainda temos alguma chance

Ao contrário de um asteroide, nós podemos agir com fundamento lógico. Extinções em massa anteriores podem ter sido inevitáveis, mas ainda não é tarde demais para interromper a que está em curso. Embora os autores do novo estudo reconheçam a dificuldade de conter (por causa dos lucros que proporcionam) processos de destruição ambiental como é o caso do desflorestamento, bem como as demais ações humanas que provocam o aquecimento global, muita coisa ainda pode ser feita para evitarmos a catástrofe total. Diversas ações vêm sendo desenvolvidas nesse sentido, graças à crescente conscientização do grande público e às manifestações positivas de alguns governos, corporações e de líderes mundiais, como é o recente caso da encíclica Laudato Sí, do papa Francisco, sobre o meio ambiente.

“Evitar uma verdadeira e completa sexta extinção em massa exige rápidos e ingentes esforços para se conservar as espécies ameaçadas e impedir que outras passem a fazer parte da lista”, afirma o estudo. “É necessário promover um imediato alívio das pressões exercidas contra as suas populações, sobretudo contra a perda dos habitats, a exploração não sustentável dos recursos objetivando apenas o lucro, e a luta para conter as alterações climáticas”. Enquanto isso, os pesquisadores acreditam que o seu estudo servirá como estímulo para novos esforços de conservação, serviços de recuperação e manutenção de ecossistemas e políticas públicas voltadas para a preservação da natureza. Nada disso vai ser fácil, mas certamente, se não formos totalmente inconscientes e irresponsáveis, teremos mais chance de sobrevivência do que os dinossauros tiveram.

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Reflorestamento na Tailândia: ação para evitar a catástrofe total (Foto: Shutterstock)