Embora não tenham tido acesso ao ensino superior, muitos pais ajudam os filhos a realizar o sonho de entrar na universidade. Mas em outros casos ainda faltam informações ou condições financeiras para o apoio necessário.Ao longo do ano, alunos da rede pública de todo o Brasil estiveram presentes em todos os meus textos para esta coluna, e pude ouvir suas vozes em cada palavra por mim digitada. Dois agentes sempre foram muito citados por eles: os professores e as famílias.

Tive o privilégio de falar com 27 professores de todo o país e trazer suas perspectivas. E agora, para fechar 2021 com chave de ouro, acho necessário que este meu último texto do ano seja um espaço para a perspectiva das famílias, agentes tão importantes para nosso sistema educacional e que, mesmo assim, poucas vezes são consultados.

Falei com duas famílias: a do Expedito, do Amapá, atual calouro de Medicina na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); e a da Mariely, do Rio Grande do Sul, caloura em Direito pela Unipampa.

Embora estejam em lados opostos do Brasil, Expedito e Mariely têm alguns pontos em comum: são de origem humilde, sonhavam em ingressar em alguma universidade pública e tiveram o apoio de suas respectivas famílias para tornar o sonho possível.

Seus pais não tiveram a oportunidade de cursar o ensino superior, mas sabem da importância da educação e entendem que há uma relação positiva entre escolaridade e salário. Segundo Amaury, pai da Mariely, “estudando, a pessoa terá melhores condições de vida”.

Eles frisaram que, especialmente nos dias de hoje, não é necessariamente fácil manter os filhos só estudando e que precisam se esforçar muito para isso. Amaury reforça: “A gente deixa de comprar roupa para investir na própria saúde dos filhos, pois é importante que se criem bem e possam estudar.”

Eles entendem que hoje é mais fácil ter oportunidades de estudo do que quando eram jovens, mas notaram que, em contrapartida, está mais difícil conseguir trabalho e também se tornou mais comum a necessidade de os jovens trabalharem para ajudar em casa.

Falta de apoio

Infelizmente, alguns jovens não têm a mesma sorte que Expedito e Mariely. Muitas famílias não apoiam e incentivam seus filhos a estudar, ou porque não entendem a importância da educação ou porque não conseguem oferecer o suporte necessário.

Sobre o último caso, a porcentagem de famílias nesse perfil cresceu significativamente no contexto de pandemia. Isso porque elas se veem num contexto em que simplesmente não conseguem isentar seus filhos de trabalhar para ajudar nas contas básicas de casa e colocar comida na mesa.

Para esses jovens, fica especialmente difícil conciliar os estudos com o trabalho e as responsabilidades para o sustento da família. Assim, muitos acabam desistindo ou, no mínimo, encontrando mais obstáculos no caminho do que deveriam.

Sobre o primeiro caso, das famílias que não apoiam seus filhos por não entenderem a importância da educação, o grande problema é a falta de informação sobre os benefícios do estudo e sobre a relação positiva entre escolaridade e salário.

Abismo entre famílias e ensino superior

Há também um abismo entre essas famílias e o ensino superior. Muito provavelmente nem irão participar da vida escolar dos filhos e, se precisarem escolher entre eles irem trabalhar ou estudar, irão escolher a primeira opção. Não porque a ajuda financeira dos filhos é necessária, mas simplesmente porque não conseguem visualizar retornos financeiros advindos da educação e temem que seja um investimento em vão.

Além disso, há um outro perfil que Valdivino, pai do Expedito, apontou: “Os antigos valorizavam muito a disciplina rígida, para que os filhos se tornassem o espelho dos pais.” Sua fala me fez pensar nos pais que não apoiam a decisão de carreira dos filhos e que projetam seus próprios sonhos neles, ignorando suas subjetividades. Filhos de pais com esse perfil precisam lidar com uma grande pressão. Muitas vezes, eles se culpam, pois é quase como se fosse uma ingratidão não respeitar ou seguir as orientações das pessoas que os sustentam.

Para Mariely, não resta dúvidas, ter o apoio dos pais foi fundamental para sua aprovação e realização do sonho de cursar Direito em uma universidade pública: “Meu pai apostou todas as fichas que eu passaria e nunca disse o contrário. Quando eu passei, todo mundo começou a chorar junto. Isso me faz sentir muito amada e acolhida. Na época, me chamaram para sair e quando eu voltei tinha uma faixa colocada lá em casa com meu nome e o curso em que fui aprovada. Foi emocionante.”

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.