Entre todas as formas de geração de energia, a solar é uma das que mais crescem em todo o mundo. A potência instalada no planeta subiu de 234 gigawatts (GW) em 2015 para 301 GW em 2016, um aumento de 28,6%. No Brasil, ela cresceu bem mais no mesmo período, passando de 32 GW para 84,7 GW, uma elevação de 164,6%. A maior parte dessa energia é produzida por células fotovoltaicas de silício (uma tecnologia empregada desde os anos 1980), que, por serem pesadas e rígidas, têm aplicações limitadas. Por isso, muitas instituições de pesquisa e empresas estão investindo no desenvolvimento e fabricação de células orgânicas OPV (do inglês “organic photovoltaic”).

Feitas de material semicondutor à base de carbono, essas células são dispositivos na forma de filmes finos que podem ser aplicados e moldados em vários locais, como vidros de janelas, capotas de veículos ou fachadas de prédios, por exemplo. Algumas empresas já produzem OPV em escala comercial. É o caso da mineira Sunew, líder mundial na fabricação e comercialização dessas células solares, com capacidade produtiva instalada de 400.000m²/ano. No Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), em Campinas (SP), o pesquisador Fernando Ely trabalha desde 2007 no desenvolvimento de OPVs.

“Grande parte desses esforços foi dedicada às células híbridas (orgânicas-inorgânicas), feitas a partir de nanopartículas de telureto de cádmio (CdTe), seleneto de cádmio (CdSe), sulfeto de estanho (SnS), sulfeto de ferro (FeS2) ou sulfeto de cobre (CuS/CuS2) dispersos numa matriz de polímero semicondutor”, conta. “Nos últimos anos, temos dedicado nossos esforços, com sucesso, à fabricação de células denominadas perovskitas híbridas, que são as mais promissoras para rivalizar e complementar com as tecnologias que se baseiam em silício cristalino.”

Eficiência crescente

Nessas células, o material que absorve a luz é um semicondutor, composto por um haleto de chumbo e um sal de amônio, com arquitetura muito similar à de uma OPV. O desenvolvimento é feito em cooperação com a Universidade do Texas, em Dallas (EUA), e inclui estudo da adição de nanopartículas metálicas, para aumentar a absorção de luz e melhorar as características elétricas da célula fotovoltaica. “Em pouco menos de um ano de estudos, conseguimos alcançar eficiências próximas de 15%”, conta Ely. Até o fim do ano, esperamos atingir valores de aproximadamente 20% em áreas relativamente grandes.”

Painel solar fotovoltaico: eficiência ainda maior que a da OPV (Foto: Divulgação)

A Sunew está mais adiantada em sua tecnologia. De acordo com Filipe Ivo, diretor de Novos Negócios da empresa, o início do processo de estudo e desenvolvimento dela começou em 2010, dentro do centro de pesquisas da companhia (CSEM Brasil), especializado em eletrônica orgânica e impressa, entre outras tecnologias. “Em novembro de 2015 foi fundada a Sunew e em 2016 o produto começou a ser levado ao mercado”, informa.

Ivo explica que os painéis orgânicos são a terceira geração de tecnologias para aproveitamento da energia solar. A primeira são as placas convencionais de silício mono e policristalino e a segunda são as de “filme fino”, como telureto de cádmio ou silício amorfo. As OPV são produzidas por um processo de impressão rolo a rolo semelhante ao da indústria gráfica. “Utilizamos um substrato plástico (PET) e materiais orgânicos e abundantes na natureza”, explica Ivo.

De acordo com ele, o processo produtivo é contínuo, escalável e de baixo consumo energético. “O resultado desses fatores é um painel solar com a menor pegada de carbono dentre todas as alternativas disponíveis hoje, ou seja, o mais ‘verde’ ou sustentável”, garante. “A OPV é leve (aproximadamente 300g/m2), fina (espessura de 0,4mm), flexível e semitransparente. Ou seja, essa tecnologia inovadora proporciona a abertura de novos e inexplorados mercados para essa energia.”

Mercados potenciais

Por isso, a Sunew está de olho em três mercados potenciais principais. O primeiro é o de edificações sustentáveis, nas quais as OPVs serão aplicadas em fachadas de vidro de edifícios, claraboias, estruturas metálicas leves que não suportam muito sobrepeso (como galpões industriais). “O segundo são as chamadas cidades inteligentes, com a integração de células solares orgânicas a mobiliários urbanos, como abrigos de ônibus, árvores de energia, bancas de revista e estacionamentos”, acrescenta Ivo. “O terceiro mercado é o da mobilidade, com a colocação de OPV em carros, ônibus, caminhões e barcaças, por exemplo.”

OPV fabricada pela Sunew no Brasil (Foto: Divulgação)

O primeiro caso já é uma realidade. Um dos projetos pioneiros com OPV desenvolvidos pela Sunew é a fachada de vidro do novo prédio da Totvs (empresa brasileira de software) em São Paulo, concluído recentemente. “É a instalação da primeira fachada de célula orgânica encapsulada em vidro e geradora de energia elétrica do país”, garante. “Com 100m2 recobertos por OPV, os vidros externos do novo edifício vão gerar eletricidade para consumo interno, suficientes para abastecer 65 estações de trabalho (computadores).”

Além disso, a Sunew mantém projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) com a Fiat, para integração de células solares orgânicas no teto de automóveis; com a Votorantim, para aplicação em estruturas flutuantes em usinas hidrelétricas; e com a Medabil, para aplicação em telhas metálicas, entre outros projetos.

Espaço ampliado

Na comparação entre as OPVs e as células de silício há vantagens e desvantagens de umas em relação às outras. A tecnologia das segundas é uma indústria madura, com mais de 40 anos de existência. Já a orgânica impressa é recente e vem conquistando espaço agora. Os painéis fotovoltaicos de silício são mais pesados, com 25kg/m2, e por serem rígidos, não flexíveis, são mais frágeis mecanicamente. Em compensação, apresentam melhor eficiência na conversão solar – mais de 15%, ante algo entre 4% e 8% das OPVs. Essas porcentagens indicam o quanto do total de energia recebida do Sol é convertido em eletricidade.

Célula produzida pela belga Imec (Foto: Divulgação)

As células solares orgânicas, por sua vez, têm uma pegada de carbono de 10 a 20 vezes menor que o silício. “Além disso, são fáceis de transportar, instalar, manter e operar”, acrescenta Ivo. “Elas também têm potencial de ser 20 vezes mais baratas já em 2020.” Como desvantagem, além da menor eficiência energética, elas têm menor tempo de vida útil que as de silício. De qualquer forma, as OPVs vieram para ficar e vão ganhar cada vez mais espaço no mercado de energia solar. Há muito para crescer. “No Brasil, essa fonte é muito pouco aproveitada”, diz Ivo. “A nossa matriz energética tem apenas 0,02% de fotovoltaica. O potencial de crescimento é enorme, tendo em vista que o nosso país possui um dos maiores potenciais solarimétricos do mundo.”

Para Ely, o aumento do uso de energias renováveis e de baixo impacto ambiental, como a solar, é inevitável. “Tenho percebido na sociedade uma conscientização crescente de que os recursos do planeta são finitos e que sua disponibilidade é incompatível com nosso estilo de vida atual”, diz. “A meu ver, a pressão de uma sociedade mais consciente deve levar os governos a adotar políticas ainda mais agressivas de incentivo ao uso de fontes de energia como a solar e de carros elétricos.” A dificuldade, segundo ele, sempre será vencer o lobby de grupos econômicos que “fizeram fortunas” à custa da queima de carvão e petróleo. “Para vencer essa guerra, as novas tecnologias de geração de energia devem enfrentar o desafio de ser mais eficientes e atingir um custo similar ou inferior às baseadas em combustíveis fósseis.”