Há mais de mil anos, pessoas de todo o sudeste dos atuais Estados Unidos viajavam regularmente para uma pequena ilha na costa oeste da Flórida, na região da atual cidade de Tampa, e consumiam ostras, provavelmente como um meio de lidar com mudanças climáticas e agitações sociais. O estudo a esse respeito foi publicado na revista “Southeastern Archaeology“.

A análise arqueológica da atual Roberts Island, cerca de 80 quilômetros ao norte da Baía de Tampa, mostrou que povos antigos deram sequência a sua tradição secular de se reunir para socializar e festejar, mesmo depois de uma crise desconhecida por volta de 650 d.C., que provocou o abandono da maioria dos outros locais cerimoniais da região. Nos 400 anos seguintes, pessoas de fora da cidade fizeram viagens à ilha, onde montes de conchas e uma pirâmide em estágios foram mantidos por um pequeno grupo de moradores. Mas, diferentemente das produções generosas do passado, o cardápio consistia principalmente de ostras, possivelmente um reflexo dos níveis mais baixos do mar e de condições mais frias e secas.

A persistência das pessoas em se reunir na Roberts Island, apesar das dificuldades regionais, ressalta seu compromisso com a comunidade, disse o autor principal do estudo, C. Trevor Duke, pesquisador do Laboratório de Tecnologia em Cerâmica do Museu de História Natural da Flórida.

LEIA TAMBÉM: Forte espanhol do século 16 é achado na costa oeste da Flórida

Esforço de manutenção

“O que achei mais atraente foi o fato de as pessoas estarem tão interessadas em manter seus laços com essa paisagem no meio de toda essa mudança climática e de potencial abandono”, disse Duke, aluno de doutorado no departamento de antropologia da Universidade da Flórida. “Elas ainda fizeram um esforço para colher todas essas ostras e manter essas relações sociais ativas. Essas reuniões provavelmente ocorreram quando diferentes grupos de pessoas estavam se encontrando e tentando desvendar o futuro.”

Duke e seus colaboradores compararam restos de animais de montes de conchas e casqueiros – essencialmente pilhas de lixo de cozinha – na Roberts Island e em Crystal River, um local cerimonial mais antigo e proeminente. Suas descobertas mostraram que os moradores de Crystal River desistiram em certo momento de realizar festas rituais, nas quais encantavam os visitantes com veados, jacarés, tubarões e dezenas de outros pratos. Já na Roberts Island, as festas consistiam em “ostras e muito pouco”, disse Duke.

A Roberts Island foi um dos últimos locais cerimoniais de uma rede religiosa antes florescente. Uma pequena população se estabeleceu na ilha após uma crise desconhecida, que levou muitos outros locais ao abandono. Crédito: Thomas J. Pluckhahn

O local cerimonial da Roberts Island, desocupado por volta de 1050 d.C., foi um dos últimos postos avançados no que antes era uma rede florescente de locais religiosos em todo o leste dos EUA. Esses locais eram caracterizados por cemitérios com cerâmicas distintamente decoradas, conhecidas como cerâmicas Swift Creek e Weeden Island. O que diferenciava Roberts Island e Crystal River de outros locais era a ocupação contínua de um pequeno grupo de moradores que se preparavam para o afluxo de centenas de visitantes – não muito diferente das cidades turísticas da Flórida atualmente.

“Essas eram comunidades muito cosmopolitas”, disse Duke. “Sou do condado de Broward [na região metropolitana de Miami], mas também passei um tempo no Panhandle [no noroeste da Flórida], por isso estou acostumado a fazer parte de uma pequena comunidade residencial que lida com um grande crescimento populacional por um mês ou dois meses por ano. Isso tem sido um fenômeno da Flórida por pelo menos 2 mil anos.”

Intercâmbio recíproco

Os arqueólogos estimam que cerimônias de pequena escala começaram em Crystal River por volta de 50 d.C., crescendo substancialmente depois que uma comunidade se instalou no local por volta de 200 d.C. As escavações descobriram minerais e artefatos do Centro-Oeste norte-americano, incluindo couraças de cobre dos Grandes Lagos. Da mesma forma, conchas da costa do Golfo da Flórida foram encontradas em sítios arqueológicos do Centro-Oeste.

“Havia uma rede de intercâmbio recíproco de longa distância em grande parte do leste dos EUA, da qual Crystal River fazia parte”, disse Duke.

Quando a mudança climática e a convulsão social atingiram o sudeste dos atuais EUA, pessoas ainda se reuniam regularmente na Roberts Island, mantendo sua longa tradição de rituais comunitários. Mas o luxuoso cardápio das festas do passado deu lugar a um menu modesto de ostras e pouco mais. Crédito: Thomas J. Pluckhahn

As cerimônias religiosas em Crystal River incluíam enterros rituais e alianças por matrimônio, disse Duke, solidificando laços sociais entre diferentes grupos de pessoas. Mas a comunidade não estava imune às crises sociais e ambientais que varreram a região, e o local foi abandonado por volta de 650 d.C. Um local cerimonial menor foi logo estabelecido a menos de 1,6 km rio abaixo na Roberts Island, provavelmente por remanescentes da população de Crystal River.

Duke e seus colaboradores coletaram amostras de montes e casqueiros nos dois locais cerimoniais, identificando as espécies presentes ali e calculando o peso da carne que elas teriam contido. Eles descobriram que as festas na Roberts Island apresentavam muito menos espécies. A carne de ostras e outros moluscos bivalves representava 75% do peso das amostras da Roberts Island e aproximadamente 25% do peso de Crystal River. A carne de veados e outros mamíferos representava 45% do peso nas amostras de Crystal River e menos de 3% nas da Roberts Island.

Mudanças ambientais

Duke disse que as evidências sugerem que os moradores da Roberts Island também tinham de ir mais longe para coletar alimentos. Com a queda do nível do mar, os leitos de ostras podem ter mudado para o mar, possivelmente explicando por que a população de Crystal River se mudou para a ilha, que era pequena e tinha poucos recursos.

“Pesquisas anteriores sugerem que as mudanças ambientais reorganizaram completamente a distribuição dos recifes e do ecossistema”, disse Duke. “Eles tinham de ir muito longe para colher essas coisas a fim de manter seu programa ritual ativo.”

Ninguém sabe o que causou o abandono generalizado da maioria dos locais cerimoniais da região em 650 d.C., disse Duke. Mas a produção de cerâmica Weeden Island, provavelmente associada a atividades religiosas, aumentou à medida que locais movimentados se tornavam cidades fantasmas.

“Isso é meio contraintuitivo”, disse ele. “Esse movimento religioso se fortalece muito bem quando tal abandono está acontecendo. Quase parece que as pessoas estavam tentando fazer alguma coisa, criar algum tipo de intervenção para impedir o que estava acontecendo.”

Pessoas de fora se reuniam em locais cerimoniais na costa oeste da Flórida por centenas de anos para socializar e festejar. Crystal River abrigava um dos locais mais importantes, com montes de conchas, uma praça e um cemitério com cerâmicas distintas, conhecidas como cerâmica Weeden Island. Crédito: Thomas J. Pluckhahn