Fósforo, cálcio e carvão em manchas de solo fértil na floresta amazônica sugerem que processos naturais como incêndios e enchentes de rios, e não a engenhosidade das populações indígenas, criaram os raros locais adequados para a agricultura na região, de acordo com novas pesquisas.

A presença de artefatos pré-colombianos e sinais de domesticação de plantas descobertos no solo fértil amazônico, comumente chamado de terra preta da Amazônia, significava que práticas agrícolas (incluindo queimadas controladas) dos povos indígenas aumentavam os nutrientes do solo.

No entanto, a datação por radiocarbono do solo em uma bacia extensivamente estudada de 210 hectares perto da confluência dos rios Solimões e Negro, no Amazonas, conta uma história diferente, disse Lucas Silva, professor de estudos ambientais da Universidade do Oregon (EUA) que liderou o projeto.

Fósforo e cálcio

Uma equipe de 14 membros relatou, em artigo publicado na revista “Nature Communications”, que os níveis de fósforo e cálcio no local, que abriga uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), são de ordens de magnitude mais altas do que no solo ao redor.

Esses níveis, disse Silva, se correlacionam espacialmente com 16 oligoelementos que indicam que a fertilidade não se formou no local. A partir da combinação com outros elementos no solo e proporções isotópicas de neodímio e estrôncio, os pesquisadores concluíram que a inundação do rio antes do assentamento provavelmente trouxe nutrientes e carvão de áreas mais próximas das nascentes.

“Analisamos os reservatórios de carbono e nutrientes à luz do contexto antropológico local para estimar a cronologia do manejo e a densidade populacional necessária para atingir o ganho observado na fertilidade da terra preta da Amazônia em comparação com a paisagem circundante”, disse Silva.

Grande parte da Amazônia contém latossolos e ultissolos altamente intemperizados, tipos de solo tropical com alta acidez e baixos níveis de nutrientes. Artefatos arqueológicos foram encontrados em solo rico em carvão que começou a se formar há cerca de 7.600 anos, aproximadamente 1.000 anos antes da transição dos povos indígenas de nômades para populações sedentárias em fragmentos de terra no ambiente amazônico notoriamente pobres em nutrientes, observaram os pesquisadores.

Duas possibilidades

“Nossos resultados mostram que grandes populações sedentárias teriam que manejar os solos milhares de anos antes do surgimento da agricultura na região ou, mais provavelmente, que os povos indígenas usaram seu conhecimento para identificar e preferencialmente ocupar áreas de fertilidade excepcionalmente alta antes do início do manejo do solo na Amazônia central”, disse.

Os pesquisadores há muito teorizam que a terra preta da Amazônia foi formada pela queima controlada da biomassa da floresta. Essa visão, disse Silva, alimentou toda uma indústria de produção de carvão vegetal a partir de biossólidos, como o biochar (carvão vegetal usado como correção para o solo), em que tais solos são considerados modelo de agricultura sustentável.

O acúmulo de carvão e nutrientes, argumentam os pesquisadores, é compatível com o encontrado em depósitos sedimentares que podem ser rastreados até incêndios abertos na vegetação rio acima dos rios que inundaram.

Padrões divergentes

Os registros do conteúdo do solo e da intensidade das monções anteriores, disseram os pesquisadores, indicam uma mudança causada pelo clima na dinâmica do rio após um longo período de seca entre 8 mil e 4 mil anos atrás. Essa mudança para inundações, eles observaram, teria reduzido a perturbação provocada pelo fogo, aumentado a cobertura de árvores regionais, e “poderia ter causado padrões divergentes de acúmulo de carbono e nutrientes em áreas inundadas versus não inundadas”, consistente com os minerais na terra preta na pesquisa local.

Muitas áreas da Amazônia central hoje estão associadas a depósitos de sedimentos que refletem regimes de inundação desativados durante o Holoceno ou que estão atualmente em processo de desativação, quando os depósitos sedimentares se tornam habitats adequados para pastagens dentro da floresta tropical, escreveram os pesquisadores.

“Nossas descobertas ressaltam a necessidade de uma visão mais ampla da evolução da paisagem como um caminho para entender a formação das terras pretas amazônicas e redirecionar as aplicações para o uso e conservação sustentável da terra”, disse Silva, que visitou e coletou amostras do local desde 2009, quando era estudante de doutorado.

“Se corroborada em outro lugar”, disse ele, “nossa hipótese iria transformar nosso entendimento da influência humana na Amazônia, abrindo novas fronteiras para o uso sustentável de paisagens tropicais daqui para a frente”.