“O Ano da Itália no Brasil, 2011, celebrará a forte ligação entre os dois países”

abre as portas do Castelo Ruspoli, na região do Lácio, para um ensaio do fotógrafo Lamberto Scipioni. Princesa da família Marescotti-Ruspoli, ela desvenda nesta entrevista exclusiva um pouco da saga de sua família milenar e revela que participa da organização do evento Ano da Itália no Brasil, em 2011. Mecenas das artes, Giada se dedica a unir os dois países pela cultura.

O castelo ruspoli, em vignanello, no lácio, é famoso pelo jardim-labirinto medieval

A história dos Marescotti-Ruspoli, família da princesa italiana , é uma saga relatada em vários livros e registrada nos anais do Vaticano, que se inicia no século 8 d.C., com Carlos Magno. “Somos uma família papal”, diz com naturalidade a aristocrata, que tem no sangue 15 papas – sim, 15! -, uma santa (“Santa Jacinta Marescotti, uma franciscana; o dia dela é 30 de janeiro”) e uma árvore genealógica enraizada na alta nobreza italiana e europeia.

Morando entre o Brasil e a Itália há 35 anos, Giada é filha de Don Sforza Vicino Ruspoli e Donna Domitilla dei Duchi Salviati (“família ligada aos Medici de Florença”), é Matarazzo pelo lado paterno (“minha avó Claudia era a caçula do Conde Francisco Matarazzo”) e mãe de dois rapazes ítalo-brasileiros. Essa princesa incomum se dedica a unir os dois países da família, Itália e Brasil, estreitando seus laços culturais.

Com simplicidade, conta que sua herança inclui, entre outros itens, o Palácio Ruspoli, do século 18, em Roma (“é na via del Corso com via Condotti, onde moram meu pai, minha irmã e uns familiares”), e o Castelo Ruspoli, uma fortaleza medieval no vilarejo de Vignanello, a meia hora da capital italiana. Nessa edificação do século 9, onde vive metade do ano, a castelã já realizou mostras de artesanato brasileiro proveniente de associações ligadas ao Sebrae. “A Associação Favos do Sul de São Borja (RS) e a Associação de Taguatinga (Brasília) tiveram seus trabalhos expostos nas oito igrejas de Vignanello”, recorda. “Foi lindíssimo.”

Situado na região do Lácio, província de Viterbo, Vignanello (pronuncia-se vi-nha-né-lo) é um bucólico vilarejo de 5 mil habitantes que, desde os tempos feudais, tem no Castelo Ruspoli (www.castelloruspoli.com) o epicentro cultural, político e econômico das atividades locais. Apesar de a propriedade gozar de um jardim-labirinto medieval famoso na Europa, aberto a visitantes, para a castelã a verdadeira natureza do lugar é a música. “Meu antepassado do século 18, o príncipe Francesco Maria Ruspoli foi mecenas de Händel”, revela, sem pompa. Nesse cenário, ela fundou o Centro de Estudos Santa Giacinta Marescotti (www.centrostudisgm.it) para músicos, filósofos e artistas, e desde 2006 realiza anualmente em outubro o festival Domingos de Diálogo e Música com o Prêmio Francesco Maria Ruspoli de música barroca.

O compositor händel viveu dois anos no castelo ruspoli, compondo o oratório a ressurreição, obra-prima da música sacra barroca

“Foi a jovem musicista Renata Pereira, do grupo brasileiro Quinta Essentia, quem me inspirou para o prêmio”, revela Donna dei Principi Ruspoli, título que leva de Senhora dos Príncipes. “Genealogicamente, não sou princesa, mas, de acordo com uma bula papal, quando uma Donna Ruspoli viaja, deve usar o título de princesa para representar a família no exterior. Mas prefiro ser Donna”, confessa a moderna mecenas.

Nesta entrevista, abre as portas do Castelo Ruspoli, pela primeira vez no Brasil, para um ensaio do fotógrafo italiano Lamberto Scipioni, desvenda um pouco da saga de sua família milenar e revela como está organizando o evento Ano da Itália no Brasil, em 2011.

Atualmente, o Castelo Ruspoli, em Vignanello, pertence a quem?

Em 1996, meu pai, Sforza Vicino Ruspoli, passou-o a mim, à minha irmã, Claudia, e ao filho de meu tio Alessandro Ruspoli, meu primo Francesco, cineasta que vive em Londres, na Inglaterra. Ele é o 10º príncipe, detentor do título na atual geração.

Qual a ligação histórica de seu ca stelo com a música barroca?

Fundei o Centro de Estudos Santa Giacinta Marescotti para desenvolver temas relacionados à música porque o genius loci (em latim, “espírito do lugar”), aqui, é a música. No século 18, o príncipe Francesco Maria Ruspoli (1672-1731), que foi o 1º Príncipe de Cerveteri, 1º Marquês de Riano e 6º Conde de Vignanello, viveu aqui.

Era amante da arquitetura, construiu a praça central de Vignanello, oito igrejas na região e o Palácio Ruspoli, em Roma, em 1520. Foi um dos fundadores do movimento literário Arcádia, o mais importante do século 18 na Itália. Mas a sua grande paixão era a música. Foi mecenas da música barroca, ajudou Händel, Scarlatti, pai e filho, Caldara e o compositor francês Jacques Hotteterre, Le Romain – “o romano” -, alcunha que ganhou em virtude do tempo em que viveu sob os auspícios do príncipe. Durante os dois anos em que Händel (1685-1759) morou no castelo, ele compôs o oratório A Ressurreição, obra-prima da música sacra barroca. Foi lá que a apresentou pela primeira vez, regendo uma orquestra de 47 músicos. O primeiro violino foi Corelli, o maior violinista de todos os tempos. Hoje, os músicos que dão recitais no castelo se emocionam ao se apresentar na mesma sala onde esses mestres já tocaram.

Os músicos que dão recitais no castelo se emocionam ao se apresentar nas salas onde tocaram scarlatti, caldara, corelli e händel

Como é o Prêmio Príncipe Francesco Maria Ruspoli?

Sempre dei concertos no castelo. No cinquentenário da bossa nova, convidei Zuza Homem de Mello para uma mesa-redonda com o professor Giorgio Monari, de musicologia, da Universidade La Sapienza, em Roma.

Há quatro anos, criei uma programação anual de música de todos os estilos, Domingos de Diálogo e Música, e dois prêmios Príncipe Francesco Maria Ruspoli só para música barroca. Meu objetivo é fazer intercâmbios e master classes de música barroca para transformar o local em centro de estudos do barroco, já que o lugar é uma referência desse estilo musical.

Qual é a história do Castelo Ruspoli di Vignanello?

Ele foi construído no século 9 como convento beneditino. Em 1531, o papa Paulo III, da família Farnese, o presenteou à sobrinha Beatrice Farnese. A filha dela se casou com um Marescotti, ascendente de Mario, O Escocês, cavaleiro de confiança de Carlos Magno, que se estabeleceu na Itália. O castelo foi chamado Castelo Marescotti até o casamento entre Sforza Ercole Marescotti com Vittoria Ruspoli, de Siena, em 1704. O pai dela era banqueiro e exigiu a manutenção do nome Ruspoli, por isso as armas da família, desde então, são Marescotti-Ruspoli. Um dos netos desse casamento foi justamente o mecenas Francesco Maria Ruspoli, que se tornou o primeiro príncipe da nossa família ao ganhar, em 1709, o título do papa Clemente XI, passado até hoje ao primogênito.

O castelo ruspoli foi construído no século 9. o conde matarazzo, das indústrias matarazzo, do brasil, financiou a sua restauração em 1925

Qual o seu pa rentesco com a fa mília Matarazzo?

Minha avó Claudia Matarazzo era a caçula dos 13 filhos do Conde Francisco Matarazzo, fundador da dinastia no Brasil, e de D. Filomena. Ela se casou com Francesco Ruspoli, 8º príncipe, meu avô, no Mosteiro de São Bento, em fevereiro de 1925, em São Paulo. Na realidade, foi uma celebração dupla, porque o Chiquinho Matarazzo, o Francisco II, irmão de minha avó, casou-se com Maria Angela. Houve uma grande festa no antigo casarão da Avenida Paulista. Meu pai conta que meu avô pediu a Francisco Matarazzo um cargo nas Indústrias Matarazzo. O conde disse ser uma honra ter uma filha casada com um Ruspoli, mas tinha outros planos para o genro. Chamou meu avô Francesco e disse-lhe: “Tu vai in Italia fare il príncipe! (você vai para a Itália ser príncipe).” Não se pode esquecer o mérito de Francisco Matarazzo na imigração italiana.

Cerca de 9 milhões de italianos se mudaram para o Brasil, subdivididos em dois fluxos: após a unificação da Itália, entre 1870 e 1913, e depois da Segunda Grande Guerra, de 1945 a 1947. Na época, ele criou do nada um dos maiores complexos da América Latina. Uma das fábricas em São Caetano (SP) tinha o nome de minha avó Claudia. Seus navios mercantes tinham cada um o nome de um filho, eram 13 filhos…

O seu av ô Francesco Ruspoli seguiu o conselho do Conde Matarazzo e foi ser príncipe na Itália. Como ficou a ligação entre as duas fa mílias?

Quando meus avós se casaram, o conde Matarazzo deu de presente de núpcias boa parte do restauro do Palácio Ruspoli, em Roma, feito por artesãos florentinos, incluindo a magnífica Galeria Zucchi, do século 16. Em 1945, no pós-guerra, meu pai embarcou para o Brasil, em Lisboa. Depois, já casado, esteve em São Paulo, em 1948, para vender a cota de sua mãe das Indústrias Matarazzo. A moeda brasileira estava forte e a lira, desvalorizada, a Itália estava em plena reforma agrária e perdemos muitas terras. Em 1954, com a herança Matarazzo, ele reestruturou o patrimônio dos Ruspoli e o dividiu com o irmão, meu tio Alessandro. O Castelo de Vignanello ficou com meu tio, que o vendeu, em 1978, ao meu pai.

2011 será o ano da Itália no Brasil. O que você está preparando para apresentar em São Paulo?

Faremos uma exposição com curadoria de Nurimar Falci, brasileira filha de imigrantes napolitanos, homenageando minha avó Claudia Matarazzo Ruspoli através das cartas que escrevia da Itália para a família no Brasil. Apresentaremos os três primeiros colocados do Premio Príncipe Francesco Maria Ruspoli, que terá como diretor artístico Sergio Casoy, e um show do músico italiano Domenico Imperato. Também teremos um evento de arte contemporânea, o Cinevideo 01 Dialogos, com curadoria dos artistas plásticos Rachel Rosalen e Rafael Marchetti, e o lançamento do livro Francesco Maria Ruspoli (1672- 1721): Príncipe e Mecenas do Século 18, em edição bilíngue. A relação dos Ruspoli com o Brasil é muito grande. O Ano da Itália no Brasil celebrará a forte ligação entre os dois países.