Presidente nacional do PSD se manteve neutro na disputa entre Lula e Bolsonaro e afirma que seu partido teria facilidade de compor a base do petista, assim como MDB, Podemos e PSDB.No xadrez de Brasília, os movimentos de Gilberto Kassab são acompanhados com atenção. Ex-prefeito de São Paulo, o presidente nacional do PSD é tido como um ator influente, que dita tendências no mundo político. Não à toa, seu apoio foi cobiçado pelas campanhas de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – sem sucesso.

Kassab optou pela neutralidade na disputa. Em São Paulo, é um dos principais articuladores da campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao governo do estado. O apoio, porém, não se estende ao presidente Bolsonaro, padrinho político de Tarcísio.

O Partido Social Democrático (PSD) foi criado em 2011 para acolher políticos de centro-direita que buscavam se aproximar do governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Após o impeachment, passou à base de apoio ao governo Michel Temer (MDB), que tinha Kassab como ministro da Ciência e Tecnologia.

Em entrevista à DW, Kassab reafirma a posição de que Lula teria maioria confortável no Congresso caso vença a eleição.

“O PSD e o MDB, com mais de 40 quase 50 deputados cada um, têm certa facilidade de compor a base dele. É também o caso do Podemos e do PSDB. E dentro da atual base governista, do Centrão, tem algumas lideranças que têm sintonia, em relação que poderá não ser fisiológica”, avalia.

Quando foi prefeito de São Paulo, Kassab teve Lula como interlocutor na Presidência entre 2006 e 2010. O cacique do PSD classifica positivamente a relação.

“Eu posso falar que eu prefeito e o Lula presidente foi uma relação harmônica, de muita cooperação, com o governo federal ajudando muito a Prefeitura, e a Prefeitura também consolidando diversas parcerias”, recorda.

Para Kassab, a economia será o maior desafio para o próximo presidente, seja ele Lula ou Bolsonaro. Embora seja contrário à revogação do teto de gastos, proposta ventilada pela campanha do petista, o presidente do PSD, que também é engenheiro civil e economista, defende que a medida seja aperfeiçoada.

“Nós não podemos ter uma lei engessada, porque ela não vai ser cumprida nunca, já que sempre surgem as exceções. Veja a própria pandemia e outras situações emergenciais de extrema relevância para o país”, afirma.

DW: O senhor afirmou nesta semana que a economia será o maior desafio para o próximo presidente, seja ele Bolsonaro ou Lula. Quais são as maiores preocupações nessa área?

Gilberto Kassab: Primeiro, é importante registrar que a carga tributária no Brasil é muito alta. Então, é impensável aumentá-la. Pelo contrário, nós temos que fazer uma reforma tributária para diminuir a carga tributária. Simultaneamente a essa preocupação, nós não podemos diminuir os problemas sociais, nem o Auxílio Brasil, nem os outros, o que nos leva a um impasse. Nós precisamos ter uma reforma administrativa muito rigorosa para aumentar a eficiência diminuindo custos, de modo a sobrar recursos e a gente continuar esses programas, fazendo investimento especial em infraestrutura. Senão não teremos condições de chegar a um crescimento sustentável. Sem investimento em infraestrutura, não tem como se suportar o crescimento.

Qual é a gravidade da questão fiscal?

É uma situação muito difícil. Vamos ser justos aqui, não é nem tanto por conta desse governo. A política econômica até que está dando resultados, mas é preciso considerar as circunstâncias internacionais, com a covid e a guerra na Ucrânia, que nos levaram a essa situação. O Brasil tem um quadro mais confortável do que muitos países. Mas é inevitável a gente ter um momento muito difícil no campo fiscal, a partir do ano que vem, por conta da necessidade de manutenção dos programas sociais, do teto de gastos e da necessidade de investir em infraestrutura, para que a gente possa suportar o crescimento econômico. Só com crescimento nós vamos gerar empregos para atender essa demanda de [quase] 10 milhões de desempregados.

O senhor já criticou o orçamento secreto. Como esse mecanismo impacta as contas públicas?

Primeiro, o orçamento não é secreto mais. Vamos ser justos com o Congresso, hoje ele é transparente, qualquer um tem acesso às emendas parlamentares, aos valores e direcionamentos. Eu sou contra o Congresso ter um volume de repasses discricionários à sua disposição quase maior que o Poder Executivo. Você passa a ter os investimentos do país atrelados aos interesses dos parlamentares, e não aos interesses de desenvolvimento do país, o que é muito ruim. De maneira respeitosa em relação ao Congresso, tenho deixado clara essa minha posição.

A revisão do teto de gastos, defendida por Lula, também recebeu críticas de sua parte. Ao mesmo tempo, o senhor defende o aumento de investimentos em infraestrutura. Qual é sua posição nesse debate?

Eu acho fundamental manter o teto de gastos, mas também entendo que a lei precisa ser aperfeiçoada. Nós não podemos ter uma lei engessada, porque ela não vai ser cumprida nunca, já que sempre surgem as exceções. Veja a própria pandemia e outras situações emergenciais de extrema relevância para o país. Quando se definiu o teto, foi um teto muito baixo, porque ficou aquém do orçamento implantado naquele ano. Eu já achei estranho. Isso fez com que a velocidade do crescimento regredisse. A lei do teto precisa ser observada com muita profundidade por analistas isentos que nos proporcionem avanços que não engessem o desenvolvimento do país, uma lei que seja mais flexível.

Em atos de campanha do Lula, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, tem elogiado a cooperação que o ex-presidente mantinha com os gestores municipais. Você foi prefeito de São Paulo durante o governo Lula. Como era sua relação com o petista?

Eu posso falar que eu, prefeito, e o Lula presidente, foi uma relação harmônica, de muita cooperação, com o governo federal ajudando muito a prefeitura, e a prefeitura também consolidando diversas parcerias. O importante é haver boa vontade dos dois lados. Havendo, tudo flui com muito mais rapidez. Isso aconteceu na minha gestão, eu fui o prefeito mais longevo da história da cidade de São Paulo e fico feliz que aconteceu também com o Eduardo Paes quando ele foi prefeito.

À primeira vista, Lula teria uma composição desfavorável no Congresso caso vencesse a eleição. O senhor projeta um cenário diferente. Por quê?

Pela observação dos resultados. Lula teria maioria confortável. Ele tem aproximadamente 150 deputados eleitos na esquerda. O PSD e o MDB, com mais de 40, quase 50 deputados cada um, têm certa facilidade de compor a base dele. É também o caso do Podemos e do PSDB. E dentro da atual base governista, do Centrão, tem algumas lideranças que têm sintonia, em relação que poderá não ser fisiológica. Eu espero que, caso o Lula vença as eleições, não estabeleça no Congresso uma relação fisiológica, como fez da outra vez, e sim programática.

Qual seria a postura do PSD na base de um eventual governo Lula?

O partido se posicionou pela neutralidade das eleições, significa dar liberdade aos seus quadros, seja com mandato ou sem, a definir cada um o seu apoio. Dentro do partido, a figura de maior expressão, que esteve à frente da campanha do Lula, é o senador Otto Alencar, da Bahia. É evidente que esse grupo liderado pelo Otto vai ter uma presença mais forte em um governo Lula. Caso contrário, em relação ao Bolsonaro, nós temos a figura do governador Ratinho, do Paraná, que também foi importante na campanha do presidente. Então, eu acho que o que nós teremos é justamente um encaminhamento com essas lideranças, caso vença um, caso vença outro.

Diversos analistas enxergam um risco autocrático com a reeleição do presidente Bolsonaro. Como você avalia a proposta de aumentar o número de ministros do STF?

Eu sou contra, acho ela casuísta. É uma medida artificial para dar maioria no Supremo para um presidente, qualquer que seja ele. Você foge do que prega a Constituição, cujo lema é a independência dos Poderes.

Você enxerga esse risco autoritário?

Não, eu acho que as declarações do Bolsonaro e do Lula, afastando com muita profundidade essa possibilidade, me tranquilizam. Acho que já assumiram compromissos.