Fiquei imediatamente preocupada quando recebi uma ligação de minha mãe logo após as 20h do dia 26 de março. Ela tem demência em estágio inicial e mora em uma vila remota na Inglaterra com muito poucos vizinhos. Mas, em vez de pânico ou preocupação, fui recebida por uma voz animada, perguntando-me se eu havia saído para aplaudir o Serviço Nacional de Saúde (NHS), a instituição para a qual ela trabalhava há mais de 40 anos.

Apesar de sua pouca memória, minha mãe lembrava de alguma maneira que as pessoas no Reino Unido haviam prometido, às 20h daquela noite, bater palmas e manifestar apoio aos incansáveis ​​profissionais da saúde que tratavam o número crescente de pacientes com Covid-19 no país. Ela esperava estar sozinha. Para seu absoluto deleite e alegria, ela ouviu gritos altos e aplausos das três casas no final da colina. Ela estava tão animada por esse momento que mal podia esperar para ver se eu também havia sentido isso.

Como milhões de pessoas em toda a Europa, eu também havia sentido. Minha rua de Londres ganhou vida – apesar do isolamento –, com pessoas aplaudindo de suas portas ou calçadas e rostos de crianças aparecendo nas janelas abertas do quarto. Nas horas seguintes, minha mídia social estava repleta de histórias compartilhadas semelhantes e um sentimento palpável de esperança, alegria, gratidão e solidariedade. Isso me deixou pensando: por que esse simples ato comunitário teve um impacto tão significativo em muitos de nós?

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Aumento do bem-estar

Em um nível muito básico, essa demonstração de gratidão nos faz sentir bem, porque é uma oportunidade de expressar explicitamente nosso sentimento pelos esforços extraordinários que muitos de nossos profissionais de saúde estão fazendo. A atitude de manifestar gratidão tem demonstrado repetidamente aumentar o bem-estar e promover comportamentos pró-sociais.

Esses sentimentos edificantes são ainda mais estimulados pelo sistema de memória inconsciente do cérebro: desde tenra idade, aprendemos a associar palmas e aplausos a momentos positivos em nossa vida – sucesso, comemoração, apreço e vitória. Da mesma forma que a visão da comida nos faz salivar ou o cheiro da grama evoca uma sensação de verão, essas sensações automaticamente provocam sentimentos positivos através do processo básico de condicionamento.

Mas os efeitos que sentimos em 26 de março vão além da associação aprendida e da gratidão. O que muitos de nós descobrimos por esses poucos minutos foi um sentimento muito necessário de conexão e pertencimento humano. O psicólogo social Stephen Reicher mostrou que a participação coletiva, por exemplo, em eventos esportivos ou em festivais de música e religião, aprimora nosso senso de identidade social compartilhada, o que incentiva os indivíduos a apoiar e cuidar uns dos outros.

Atividades coordenadas

Como espécie, os seres humanos sobreviveram porque trabalham em grupos; portanto, é natural que nos sintamos mais fortes quando há um sentimento de união. Alguns chegaram a argumentar que nossa capacidade de participar de atividades coordenadas, como cantar, dançar e marchar, pode ter contribuído para o nosso sucesso evolutivo.

Pode haver alguns paralelos com a pesquisa sobre desempenho musical coletivo. Um número crescente de estudos científicos mostrou que o desempenho conjunto traz muitos benefícios à saúde. Por exemplo, cantar em coros e fazer música rítmica têm sido consistentemente ligados a um melhor bem-estar social, psicológico e físico. De fato, os neurocientistas agora mostraram que, quando os indivíduos atuam juntos, há evidências de que a atividade cerebral se torna sincronizada.

Para mim, uma característica marcante dessa celebração para o serviço de saúde foi o som de outras vozes humanas. A neurociência mostrou que a voz humana tem um impacto importante, reduzindo os hormônios do estresse e elevando os níveis da ocitocina, o “hormônio do abraço”. De fato, pesquisas mostram que a voz de uma mãe pode oferecer conforto semelhante a um abraço real.

Durante um período em que estamos tão restritos em termos de contato físico com os outros, talvez não seja surpresa que encontremos conforto no som físico de outras pessoas aplaudindo – o equivalente auditivo de um abraço em grupo. Também explica a enorme resposta emocional a histórias e vídeos de pessoas cantando em suas varandas, além de músicos tocando fora de casas de repouso.

Algo maior

Desde nossos primeiros momentos de vida até nosso último suspiro, nossas emoções mais fundamentais são expressas e recebidas através de variações de ritmo, afinação e timbre. O isolamento social é difícil para a maioria de nós, na melhor das hipóteses. Contradiz nosso profundo instinto humano de nos reunirmos socialmente e trabalharmos em grupos.

De uma perspectiva evolutiva, geralmente estamos mais seguros quando nos reunimos, mas, por enquanto, nos encontramos na posição incomum em que a segurança depende de mantermos distância. O que bater palmas com nossos vizinhos em 26 de março fez por mim, por minha mãe e, provavelmente por muitos de vocês foi fornecer um lembrete poderoso, emocional e físico de que fazemos parte de algo maior e, pela primeira vez, parece que estamos todos do mesmo lado.

 

* Catherine Loveday é neuropsicóloga da Universidade de Westminster (Reino Unido).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.