Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo. Essa dependência tem impactos que vão além do preço dos alimentos. Especialistas apontam alternativas que diminuem custos e protegem o meio ambiente.Quase um terço dos fertilizantes utilizados no agronegócio brasileiro são importados de apenas dois países, Rússia (22%) e Belarus (6%), de acordo com o Ministério da Economia. Conhecidos como NPK – siglas para os elementos químicos nitrogênio, fósforo e potássio –, eles são empregados em toda a agricultura convencional do país

“Hoje, os fertilizantes químicos são essenciais em todas as culturas de grande porte no Brasil, principalmente nas cultivadas na Amazônia e Cerrado, como milho, café, cana-de-açúcar, soja, pastagens, fruticultura, trigo e arroz”, explica a engenheira agrônoma Marina Piatto, diretora do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

“A produção de alimentos é algo bem vasto no Brasil, mas, de modo geral, somente pequenos produtores e a agricultura familiar não utilizam esses fertilizantes em seu sistema produtivo por causa do preço”, acrescenta Piatto.

Com a dependência destes químicos, a guerra na Ucrânia trouxe um novo desafio ao país. Diante das importações paralisadas, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que o Brasil tem reservas de fertilizantes para atender a demanda interna somente até setembro. “Se nada for feito pelo governo como alternativa até lá, o café, que já está custando R$ 20 o quilo, vai virar um absurdo”, exemplifica Piatto.

Alternativas mais ecológicas

Apesar de utilizados em grande escala, com as culturas de cana, soja e milho consumindo 73% de todo os fertilizantes químicos no país, a geóloga e pesquisadora da Universidade de Brasília, Suzi Huff Theodoro, afirma que os NPK não são essenciais para a agricultura. Especialista em remineralização dos solos, uma forma de adubação baseada em pó de rocha, ela aponta que há alternativas mais baratas e sustentáveis, como os bioinsumos – gerados a partir de compostagem, esterco, lixo doméstico, rochas, cinzas, entre outros.

“Os bioinsumos resultam de processos orgânicos, que podem ser desenvolvidos pelos próprios proprietários das terras. Ou seja, são rotas tecnológicas que tornam o produtor mais autônomo em relação ao mercado de fertilizantes”, diz a geóloga.

Piatto também cita como alternativas a mudança do sistema produtivo que considere as técnicas de manejo mais ecológicas e permita a recuperação dos solos. “Estamos falando de técnicas que o próprio Brasil já usa há décadas, como a integração lavoura-pecuária-floresta, intensificar a rotação de culturas, plantio direto. Mas para que isso seja viável, o governo precisa dar escala, financiamento e assistência técnica”, avalia.

Os problemas dos NPK

O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes NPK do mundo. Se considerado somente o potássio, é o segundo maior consumidor. Essa dependência tem impactos que vão além do preço dos alimentos.

“O solo e as plantas necessitam de uma variedade de nutrientes. Pela tabela periódica, vemos que a natureza oferece 100 elementos químicos, mas a agricultura convencional no mundo todo utiliza cerca de 13 nutrientes, que são, nada mais, nada menos, que compostos químicos”, alerta Theodoro.

A pesquisadora lembra que, no século 20, para que a agricultura atendesse ao mercado global dos fertilizantes, surgiram as plantas geneticamente modificadas que necessitam de poucos nutrientes para se desenvolver. Com essa redução, a indústria criou, segundo Theodoro, “uma erosão genética” com consequências para a nossa saúde.

“Diversos estudos mostram que micronutrientes como o lítio, por exemplo, já não fazem parte da nossa alimentação por causa da maneira como cultivamos os alimentos. Muitas doenças frequentes atualmente, como a depressão, estão relacionadas a essa alimentação restrita de nutrientes”, diz a geóloga.

Os NPK também geram problemas ambientais. Aplicados diretamente no solo antes de plantar as sementes, os fertilizantes químicos são hidrossolúveis, sendo lavados pelas chuvas para rios, lagos e lençóis freáticos. Nos corpos hídricos, esses resíduos estimulam um crescimento excessivo das algas, roubam o oxigênio da água e causam a eutrofização, ou seja, a morte de um rio ou lago por asfixia.

Já o nitrogênio utilizado nos fertilizantes NPK também impulsiona as mudanças climáticas. “O nitrogênio é derivado de um gás associado ao petróleo. Tudo o que a planta não usa de nitrogênio no processo de adubação é evaporado na forma de nitrato, contribuindo para o efeito estufa. Vale lembrar que os nitratos são mais graves que o CO2 para o aquecimento global”, explica Theodoro.

Resposta à atual crise

Para tentar reduzir a dependência de insumos importados, o governo federal lançou em 11 de março o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF). Atualmente, o Brasil importa 85% de todo o fertilizante usado pela agricultura nacional. Cerca de seis países produzem e exportam os NPK: Rússia, Belarus, China, Canadá, EUA e Marrocos.

O PNF prevê diminuir a dependência das importações de 85% para 45% até 2050, mesmo com a estimativa de aumento no consumo destes insumos, além de estimular novas técnicas de adubação mais sustentáveis.

Durante o lançamento, o secretário Especial de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha, afirmou que o plano não abandonará os NPK, mas irá estimular o uso de técnicas inovadoras. A ministra da agricultura Tereza Cristina destacou, porém, que a proposta não tem como objetivo alcançar a autossuficiência do país, mas sim reduzir o percentual de dependência externa.

Piatto elogia a iniciativa, mas lembra que o Brasil, por ser um dos maiores consumidores de fertilizantes, deveria ter elaborado o PNF ainda no século 20. “É um plano necessário, mas foi construído de forma muito expressa, uma resposta a um problema pontual. Também deveria ter tido a consulta da sociedade civil, não foi um documento participativo. Talvez, por isso, deixou de fora as práticas no modelo produtivo e focou apenas nos insumos”.

Ignorando alternativas

Apesar das alternativas mais ecológicas, o presidente Jair Bolsonaro tem aproveitado a atual crise para impulsionar a aprovação do projeto de lei que libera a exploração de recursos naturais e a mineração em terras indígenas, o PL 191/2020. Ele alega que essas áreas de conservação protegidas pela legislação são ricas em potássio, principal elemento químico utilizado pelo agronegócio.

Em nota, a Federação Brasileira de Geólogos afirma que as reservas de potássio localizadas na Amazônia já são conhecidas desde o final da década de 1980, mas nunca foram exploradas por diversos motivos que impedem a exploração.

“Dentre os desafios que precisam ser vencidos, destacam-se quatro como os mais emblemáticos: as jazidas localizam-se a cerca de 900 m de profundidade em uma área extremamente sensível da Floresta Amazônica (no estado do Amazonas) e nas proximidades da foz do rio Madeira; o processo de exploração e de beneficiamento do minério ainda precisa vencer desafios tecnológicos significativos em função de suas características (alta solubilidade); não existe infraestrutura, especialmente de oferta de energia, no porte exigido para viabilizar um empreendimento dessa natureza”, diz a nota.