A riqueza hídrica e as chuvas do Brasil são invejadas pelo mundo, mas não recebem a devida atenção aqui. Ainda não se entendeu que a preservação dos recursos naturais afeta o bem-estar e a economia.

Ele não é ambientalista de formação nem brasileiro de nascimento, mas adotou o Brasil como pátria e viabilizou dois dos importantes estudos sobre os recursos hídricos nacionais. O aviador suíço Gérard Moss empresta suas asas ao meio ambiente, idealizando projetos de pesquisa de campo, vendendo ideias e divulgando resultados – sempre em parceria com sua esposa, Margi Moss, de origem queniana.

Moss foi o primeiro a dar a volta ao mundo num motoplanador e já sobrevoou o Brasil todo em baixa altitude recolhendo amostras dos rios e do vapor-d’água suspenso no ar. Essas empreitadas lhe renderam, no fim de 2011, a medalha e o título de Membro da Ordem do Império Britânico, recebidos das mãos da rainha Elizabeth II, do Reino Unido. Com o reconhecimento, Moss segue trabalhando para gerar mudanças de comportamento dentro do país que escolheu como casa. “Nosso objetivo é fazer o paulista e o goiano, que estão a milhares de quilômetros da Amazônia, entenderem que a floresta e a bacia hidrológica têm uma relevância muito grande para o bem-estar deles.”

 

Tudo começou com a viagem de lua de mel em um monomotor?
Nossa lua de mel foi uma mudança de vida para mim. Eu tinha uma empresa de distribuição de soja produzida por cooperativas no Brasil e trabalhava muito. Pensei que nunca ia casar, porque sempre tive uma vida diferente, viajando bastante, fazendo explorações. Mas acabei encontrando a Margi, que nasceu no banco traseiro de uma Land Rover na África, acampando com girafas e elefantes. Isso nos estimulou a viajar e decidimos fazer uma volta ao mundo de três anos (de 1989 a 1992). A viagem foi uma descoberta de mim mesmo. Descobri que a Terra é finita. Há 20 anos, quando se dizia que ainda havia muita floresta tropical, a gente já podia ver de cima que o ser humano tinha chegado e depredado muito – e se entristecia. A partir dali, passei a sentir a necessidade de dividir essa experiência e mostrar que menos é mais: precisamos viver com menos, desenvolver outros interesses, ser menos consumistas.

Por que, mesmo depois de voar pelo mundo inteiro, vocês escolheram o Brasil para morar?
Já morei na Suíça, na Inglaterra, nos Estados Unidos, mas o país que mais me faz vibrar é o Brasil. Moro aqui há 30 anos e me sinto muito mais brasileiro – apesar do sotaque – do que suíço, britânico ou americano.

O sr. tem formação na área ambiental ou científica?
Não sou cientista, sou engenheiro mecânico. Não tenho formação na área ambiental. O que aprendi foi na prática mesmo. Os cientistas geralmente não conseguem vender seu trabalho. Meu trabalho é montar um projeto, encontrar financiamento para ele e batalhar uma comunicação de mídia interessante. No meu modo de ver, a ciência é importante, mas é preciso divulgá-la para tentar provocar uma mudança de comportamento. As pessoas precisam se dar conta de que as questões ambientais são importantes para o nosso futuro bem-estar e para a nossa economia, que qualquer tipo de preservação da Floresta Amazônica e de qualquer bioma no Brasil não é um sacrifício, mas um investimento.

Como começou a atuar no setor das iniciativas ambientais?
Meu primeiro projeto de cunho ambiental foi em 2001, o “Asas do Vento”, a primeira volta ao mundo realizada de motoplanador. Fizemos a coleta de ozônio a baixa altitude para medição da qualidade do ar. Descobri que gostava muito disso, porque podia juntar o gosto de voar, tirar fotos e contribuir para a sociedade. Então criei o projeto “Brasil das Águas”, em 2003, pensando em suprir a falta de informações sobre a atual situação dos recursos hídricos brasileiros. Foram 14 meses viajando com a minha esposa em um hidroavião capaz de fazer voos rasantes e pousar em rios. Cobrimos duas vezes e meia a volta ao mundo em extensão, mas sem sair de cima do Brasil. Apesar da metodologia limitada de colher dados, pois coletamos uma amostragem única em um ponto específico, foi uma metodologia uniforme para todo o país e deu para formar uma fotografia geral da qualidade das águas nacionais.

O Brasil saiu bem na foto?
Vimos que as nossas águas ainda estão bem preservadas, o que é bem positivo. Principalmente se comparamos com a China, que é praticamente o contrário – 80% das suas águas chinesas são superimpactadas. Por isso chamamos o projeto de “Brasil das Águas”, para mostrar que, antes de país do Carnaval, o Brasil é o país das águas. Só que esse panorama não é resultado de preservação. As águas com impacto leve e sem impacto são assim até hoje porque o ser humano não chegou a essas áreas mais remotas. Isso é um alerta. Em regiões mais povoadas, como São Paulo e Curitiba, a situação já é péssima.

Foi a partir dessa experiência que surgiu o projeto “Rios Voadores”?
Quando eu estava desenvolvendo o projeto ‘Brasil das Águas” e vi aquela massa enorme de água no Norte do país, idealizei um projeto com o amigo cientista Antônio Nobre. A ideia foi mostrar como a Bacia Amazônica influencia o continente sul-americano, principalmente as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além do norte da Argentina.

Como o trabalho do ecólogo Enéas Salatti sobre as chuvas amazônicas influenciou o projeto?
O Nobre me apresentou o professor Salatti na época de elaboração do projeto e tivemos uma sinergia muito grande, porque ele tinha dados e projeções dos anos 70, mas pouca informação de campo atualizadas. Planejamos então os voos e hoje colhemos informações bem interessantes. Mas essa maneira poética de tratar o fenômeno (“Rios Voadores”) veio do climatologista José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Assim que entrei em contato com o termo liguei para ele e pedi permissão para usá-lo.

Como foram feitas as coletas?
Usamos um avião especificamente montado para o projeto. Foi um investimento grande, com laboratório aéreo, certificado pelo Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Usamos um balão para conseguir amostras de vapor-d’água da floresta, sem influência de nada. Voei acompanhado de um técnico que extraía o vapor do ar, porque era uma questão delicada garantir a confiabilidade dos resultados. O avião, mesmo a baixa altitude, mistura um pouco o ar e deixa dúvidas sobre a amostra.

Que tipo de resultados práticos vocês tiveram até agora?
Hoje podemos estimar a quantidade de vapor-d’água que sai da Amazônia e vai parar em cada região do País. Assim, temos como detectar um rio voador. Podemos afirmar que, durante 2011, Brasília teve 73 ocorrências de rios voadores, ou seja, durante 20% dos dias do ano qualquer tipo de chuva ou umidade do ar em Brasília teve origem na Amazônia. No Centro-Oeste, Cuiabá, região vital para a agricultura do país, teve 146 dias (40%), em 2011, principalmente concentrados no verão.

A influência do ambiente sobre a economia é direta, portanto?
O objetivo do projeto é fazer o paulista e o goiano, que estão a milhares de quilômetros da Amazônia, se sentirem tocados pelo tema e entenderem que a floresta e a bacia hidrológica têm uma relevância muito grande para o bem-estar deles. Com os modelos de cálculo criados no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe, disponíveis no site do projeto, o fazendeiro pode calcular se vai ter uma safra a menos no ano ou se vai ter necessidade de irrigar. No Brasil, somente 5% da agricultura é irrigada mecanicamente. Boa parte dos 95% irrigados pela água de chuva depende da Floresta Amazônica. Isso é quase um milagre. Não há país no mundo que tenha uma produção agrícola tão intensa como nós temos, com chuvas naturais.

Em que etapa o projeto está?
O trabalho científico está chegando ao fim. Na primeira etapa (de 2007 a 2009) coletamos 500 amostras e já temos um conteúdo bem rico. Nossos grandes parceiros nesse projeto, o CPTec/Inpe e o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, vão continuar trabalhando sobre as amostras, alimentando os produtos que disponibilizamos no site, como os mapas meteorológicos. Neste momento, a outra parte da equipe está mais direcionada aos trabalhos educacionais. Hoje temos cerca de 50 mil crianças envolvidas, de 296 escolas em todo o país. Estamos multiplicando essa iniciativa e capacitando professores – já treinamos mais de 100 deles.

Como esse trabalho lhe rendeu a medalha e o título de Membro da Ordem do Império Britânico?
Eu tinha feito um trabalho conjunto com o príncipe Charles, sobre as florestas tropicais do mundo. Depois tive a sorte de fazer uma apresentação para ele e sua equipe sobre os rios voadores, alguns anos atrás. Mas a notícia da condecoração foi uma surpresa total, inimaginável. Foi uma experiência fantástica e única receber o título das mãos da rainha Elizabeth II.

Isso ajuda a divulgar o projeto e obter financiamento para outras iniciativas?
Não sei, talvez ajudasse lá fora. Mas, de propósito, não aceitamos financiamento do exterior. Sempre defendo o imperativo de que o Brasil precisa fazer o seu trabalho. Por isso, já tive proposta de outros países e nunca aceitei. Felizmente há empresas como a Petrobras que têm visão e interesse social para financiar projetos desse tipo. Estamos contentes com isso.

Qual vai ser o próximo projeto?
Tenho mil ideias! Mas ainda não decidi. Preciso de mais tempo!