Visitar a região mineira da Serra de Ibitipoca é entrar num universo singular. O cenário rural magnetiza e o olhar remete a cenas guardadas no calendário da memória: a lembrança do ar puro e do saboroso cheiro de café, de pão artesanal e de comida caseira. Flashes de pessoas caminhando pelas ruas de terra ou de pedra, agrupando-se em torno da praça da Matriz, para dar um “tiquim” de prosa. Afinal, nas Gerais, o que não falta são contadores de “causos”. Um imponente oceano de montanhas tingido de tons de verde abraça o povoado de Conceição de Ibitipoca, um distrito de Lima Duarte. O vilarejo é um dos mais antigos do Estado, e a sua gente se orgulha de ele ser a ponte de acesso ao Parque Florestal Estadual de Ibitipoca, um lugar onde a natureza ainda não foi totalmente explorada – há muitas espécies botânicas e da fauna que ainda estão sendo descobertas e outras que você apenas poderá conhecer lá.

Mas para desfrutar desse exuberante refúgio é preciso pagar um preço. Ou os seus pecados, se você é daqueles que levam uma vida sedentária e não gostam de se exercitar. Primeiro, você terá de ir até o município de Lima Duarte (a 510 quilômetros da capital paulista) e percorrer mais 30 quilômetros rumo ao parque. Se preferir, poderá se hospedar em uma das pousadas ou hotéis em Conceição de Ibitipoca, um encantador arraial com umas 200 casinhas.

De lá, enfrentar uma subida íngreme numa estrada de terra estreita e cheia de curvas – os três quilômetros parecem intermináveis. Há, porém, quem se aventure a fazer o sinuoso trajeto a pé. Qualquer que tenha sido a sua opção, cuidado! Quando chove, é praticamente impossível seguir em frente.

Enquanto você não chega ao seu destino, sintonize-se com a natureza e aproveite o deslumbrante cenário ao seu redor. Sinta-se como um mortal privilegiado e agradeça por isso. Afinal, está percorrendo um dos pontos mais elevados do maciço da Serra da Mantiqueira. Lá em cima, está o Parque Florestal Estadual de Ibitipoca.

GEOLOGICAMENTE, ele é uma preciosidade. Em uma área de 1.488 hectares, reúne mais de 40 grutas de quartzito (a maior concentração do Brasil), sendo que apenas 13 delas foram registradas e as demais jamais foram exploradas. Das cadastradas, só oito estão abertas à visitação. Passear por suas encostas íngremes exige fôlego e preparo físico, mas todo o esforço é recompensado por um incessante desfile de cachoeiras, lagos, corredeiras, cânions e mirantes naturais.

Em termos de biodiversidade, a escalada pela vegetação predominantemente formada de campos rupestres (nasce em solo pedregoso) e mata atlântica é um verdadeiro aprendizado: o parque é tão importante ecologicamente que ainda hoje pesquisadores de todo o planeta ali se encontram para estudar as inúmeras espécies de fauna e flora que habitam o local, de muitas das quais a humanidade nunca ouviu falar e que só agora estão sendo conhecidas. Outras foram descobertas há tão pouco tempo que ainda nem têm um nome popular, apenas o científico de batismo.

Da esquerda para a direita, a cachoeira do Arco-íris, nas imediações de Lima Duarte; uma das quedas de água do parque de Ibitipoca; típica rua do vilarejo de Conceição de Ibitipoca; a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, no pequenino arraial mineiro; e vista parcial do município de Lima Barreto.

Ao todo são mais de 800 espécies botânicas, incluindo as endêmicas, que só podem ser encontradas ali. Caso de 33 espécies de bromélias, da boca-de-peixe, do líquen Cladonia ibitipocae e do cacto Anthocereus melaneus.

Mas a paisagem é ainda toda enfeitada por vassourinhas, orquídeas e flores de cactos, sempre-vivas, quaresmeiras e candeias – árvores que têm galhos cobertos por esverdeados e raros líquens (mix de musgos e algas). A flora, por sinal, faz a festa de especialistas do mundo inteiro. Prova disso é que vários exemplares de lá foram levados para herbários de todo o globo terrestre.

Mais de 200 espécies de aves vivem no parque, entre as quais o tucanoaçu (considerado o maior do País), a maritaca, o gavião-pomba, o papagaiode- peito-roxo e o pavá, estes dois últimos ameaçados de extinção. Eles dividem o espaço com a onça-parda, a jaguatirica, o lobo-guará, o porco-domato, a paca, o coelho-do-mato, o mono-carvoeiro (o maior macaco das Américas) e os macacos sauá e barbado, além da Hyla ibitipoca (uma perereca que foi descoberta no parque, mas não é endêmica) e do gafanhoto brasileirinho, de exótica coloração. Já o Peripatus acacioi é uma curiosidade à parte: misto de inseto e minhoca, mantém suas características há milhões de anos, sobrevivendo às mais radicais mudanças climáticas vividas pela Terra.

Agora que você já entendeu por que é um privilegiado por estar num lugar tão raro e único, mais um aviso: em tupiguarani, “ibi” é uma corruptela de “ita”, que significa pedra, e “oca”, casa, montanha partida. Outra versão pode ser “ibitu”, ventania, e “pug”, estrondo. Por essas traduções, Ibitipoca ficou sendo conhecida como a serra da ventania, fenda torcida, terra que estoura, pedra fendida, serra que estala. O nome foi dado pelos primeiros habitantes da região: os índios aracis ou araris. Pacíficos, eles foram exterminados por ávidos mineradores que para lá se dirigiram contaminados pela febre do ouro das Gerais, no século 17.

LEMBRE-SE BEM do significado do nome do parque antes, durante e até o término de sua jornada. No alto da serra, enquanto estiver caminhando pelo terreno extremamente acidentado, os ventos cortantes, certamente, não o deixarão esquecer. Outra dica: embora as trilhas sejam bem sinalizadas, se puder, percorra-as acompanhado por um guia – há muitas cobras (inclusive venenosas) no local. Sem contar que nele a incidência de raios é grande (esqueceu que Ibitipoca quer dizer terra que estoura?). Por isso, se começar a chover, vá embora imediatamente. Se não der, tente se abrigar num lugar mais seguro.

Por falar em solo, saiba que ali o terreno é pobre para a agricultura e pecuária, mas rico em quartzito, uma espécie de pequenos pedregulhos que não conseguem se transformar em rocha, formando uma espécie de carpete de areia branquinha criado há bilhões de anos. Por essa sua composição, muitos geólogos acham que a região da Serra da Ibitipoca já foi mar e o chão de lá faz mesmo a gente acreditar nessa hipótese.

No sentido horário, os biscoitos caseiros, bolinhos de chuva e o queijo branco fazem parte do “dedim” de prosa dos mineiros; já a fama do pão de canela de Conceição de Ibitipoca atravessou as fronteiras de Minas; o bar da cidade é ponto de encontro da moçada; a costela, o tutu de feijão, a couve cortada bem fininho e mandioca frita do Restaurante Dona Miriam, um prato que arrebatou o primeiro lugar no Festival de Gastronomia da cidade.

Criado em 1975 (começou a ser demarcado em 1965), o parque tem uma boa infra-estrutura: oferece camping, restaurante e lanchonete, estacionamento e um Centro de Informações. Preocupada com a depredação, a administração do parque limita o número de visitas a 300 pessoas nos dias úteis e a 800 nos fins de semana e feriados. É no Centro de Informações que você poderá conhecer e optar por um dos circuitos: o das Águas, o do Pico do Pião e o da Janela do Céu. Você pode fazer todos eles, mas precisará, no mínimo, de três dias para isso.

O CIRCUITO DAS ÁGUAS é o mais fácil dos três. Ele dá direito a você percorrer trilhas que ziguezagueiam entre cachoeiras, rios e lagos de águas frias e escuras, típicas de Ibitipoca. Como transportam sedimentos vegetais e minerais que se deslocam das rochas, elas não têm peixes e a sua coloração é amarronzada.

Os penhascos e desníveis transformam- se em incríveis quedas de água, como a cachoeira do Macaco, de 32 metros. Outros destaques são o lago das Miragens e o dos Espelhos, a prainha, o rio do Salto e a Ponte de Pedra, um imenso túnel de 25 metros escavado pelas forças das águas, que pode ser explorado por dentro ou por cima (coragem, você consegue).

Você lembra dos “causos” que mencionei no começo do texto? Pois é… Um deles é sobre o lago das Miragens. Lendas locais contam que no fundo dele encontra-se um casal de índios que morreu de mãos dadas. Dois guerreiros disputavam o amor de uma índia. Lutaram até a morte e o preferido dela perdeu e foi jogado no lago. Inconformada, ela decidiu que ficaria com o amado para sempre e pulou nas águas. Desde esse dia, os dois vivem um dolce final feliz no lago… Eu disse que os mineiros eram bons de prosa, não disse?

O outro roteiro é o do Pico do Pião. Entre a ida e a volta, você caminhará nove quilômetros. A 1.722 metros de altitude, o pico é um dos pontos mais altos do parque. Além dele, o trajeto inclui paradas nas grutas do Monjolinho, dos Viajantes (muitos deles ali paravam para descansar da viagem, nos séculos 17 e 18) e do Pião, além das ruínas da Capela Senhor Bom Jesus da Serra.

EM 1925, A PRIMEIRA missa foi celebrada na capela. Em 1932, o bispado de Juiz de Fora inaugurou a capela, visando se apoderar das terras devolutas. Mais tarde, o Estado ganhou na Justiça a posse delas. O templo foi abandonado. Os intensos ventos, raios e tempestades que compõem a paisagem da serra se encarregaram de destruir a construção. Hoje, só o altar permanece para testemunhar essa história.

Por fim, o terceiro (e mais difícil) roteiro é o da Janela do Céu. São 16 quilômetros, entre ida e volta, até a cachoeira de mesmo nome, com 180 metros de altura e sete quedas, num total de quatro horas de caminhada. A trilha inclui o rio Vermelho, o responsável por um dos mais bonitos cartões-postais de todos os três circuitos: a Janela do Céu, assim chamada porque o céu reflete em suas águas cristalinas, proporcionando um show à parte. Impossível descrever, só vendo mesmo…

Neste roteiro, você também conhecerá marcos regionais, como o Cruzeiro, onde foi realizada a primeira missa à Santa Cruz, a gruta da Cruz e o Pico da Lombada (o ponto mais alto do parque). Com 1.784 metros, é um mirante natural onde você vai desfrutar de uma inigualável vista panorâmica. Há, ainda, as grutas das Bromélias (considerada pela Sociedade Brasileira de Espeleologia a segunda maior caverna de formação quartzítica do mundo), a dos Três Arcos e a dos Fugitivos. Nos séculos passados, os escravos que fugiam dos engenhos já usavam o local para se esconder. Daí, o nome.

O parque oferece ainda um incontável número de atrações para serem apreciadas e exploradas. Só não vale levar embora suvenires de lá. Sequer uma flor ou pedrinha. Afinal, a preservação desse refúgio paradisíaco também depende de você. Se cair em tentação, resista: a fiscalização ali é rigorosa e você será multado por sua atitude. Fora isso, divirta-se! Até porque o trem é danado de bão, uai.

A placa fixada no solo do parque de Ibitipoca indica a altitude do Pico da Lombada, o ponto mais alto do lugar. À direita, a fachada de uma loja de artesanato de Conceição de Ibitipoca.

SERVIÇO EM CONCEIÇÃO DE IBITIPOCA

Onde ficar

Pousada Janela do Céu – www.janeladocéu.com.br – Tels. (32) 3281-8118 e 3281-8128.

Hotel Serra do Ibitipoca – www.serradoibitipoca.com.br – Tel. (32) 3281-8148.

Pousada Manacás – altomanacas@hotmail.com – Tel. (32) 8401-0027.

Tangará Pousada e Café – tangará@yahoo.com.br – Tel. (32) 3281- 8117.

Pousada Poente – pousadapoente.ibitipoca@hotmail.com – Tel. (32) 3281-8125.

Onde comer

Hospedaria e Restaurante Filé’s da Montanha – Tel. (32) 3281-8155.

Alquimia Chalés e Restaurante – www.ibitipoca.tur.br/alquimia – Tel. (32) 3281-8235.

Açaí da Serra – Casa de Sucos – romyau@ig.com.br – Tel. (32) 8404-3228.

Padaria Ibitipão – Tel. (32) 3281-8161. Ibitilua – Bar e Restaurante – Tel. (32) 3281-8211.

Pizzaria Serra Nostra – Tel. (32) 3281- 8239.

Gula do Lobo – Gastronomia – Tel. (32) 3281-8299.