Muitos anéis da corona – filamentos de plasma que os cientistas há muito pensavam que existiam na atmosfera do Sol, também chamados de loops magnéticos – podem realmente ser ilusões de ótica, de acordo com um novo artigo que desafia nossos conhecimentos sobre o Sol.

A pesquisa, liderada pelo Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR, nos EUA) e publicada na revista The Astrophysical Journal, contou com uma simulação 3D realista e de ponta da coroa solar. A simulação, realizada no NCAR há vários anos, permitiu que os cientistas cortassem a coroa em seções distintas em um esforço para isolar os anéis coronais individuais.

O que eles descobriram é que muitos dos loops não eram loops.

Paradigma novo

Os pesquisadores conseguiram identificar alguns dos anéis coronais que estavam procurando. Mas também descobriram que, em muitos casos, o que parecem ser anéis nas imagens tiradas do Sol podem na verdade ser pregas de plasma brilhante na atmosfera solar. À medida que as folhas de plasma brilhante se dobram sobre si mesmas, as dobras parecem linhas finas e brilhantes, imitando a aparência de fios distintos e autocontidos de plasma.

As descobertas, que a equipe de pesquisa está chamando de hipótese do “véu coronal”, têm implicações significativas para nossa compreensão do Sol, uma vez que os supostos anéis coronais têm sido usados ​​por décadas como uma forma de inferir informações sobre densidade, temperatura e outras características físicas da atmosfera solar.

“Passei toda a minha carreira estudando anéis coronais”, disse a cientista do NCAR Anna Malanushenko, que liderou o estudo. “Eu estava animada que essa simulação me daria a oportunidade de estudá-los com mais detalhes. Eu nunca esperava isso. Quando vi os resultados, minha mente explodiu. Este é um paradigma inteiramente novo de compreensão da atmosfera do Sol.”

Financiada pela Nasa, a pesquisa incluiu colaboradores do High Altitude Observatory do NCAR, do Laboratório Solar e de Astrofísica da Lockheed Martin, do Southwest Research Institute e do Centro de Voos Espaciais Goddard da Nasa. O NCAR é patrocinado pela National Science Foundation (NSF).

Intuição desafiadora

O que parece ser anéis coronais pode ser visto em imagens tiradas do Sol em luz ultravioleta extrema. A suposição de que eles existem é natural para os cientistas porque se encaixa em nossa compreensão mais básica do magnetismo.

A maioria das crianças em idade escolar já viu o que acontece quando limalha de ferro é espalhada perto de um ímã de barra. As limalhas se orientam ao longo das linhas do campo magnético que circulam de um polo da barra magnética para o outro. Essas linhas curvas se espalham, tornando-se mais fracas e menos densas quanto mais distantes estiverem do ímã.

Os aparentes anéis coronais nas imagens do Sol parecem surpreendentemente semelhantes e, como existe um campo magnético significativo no Sol, a existência de linhas de campo magnético que poderiam prender um cordão de plasma entre elas e criar anéis parece uma explicação óbvia. E, de fato, o novo estudo confirma que esses anéis provavelmente existem.

No entanto, os anéis coronais vistos no Sol nunca se comportaram exatamente como deveriam, com base em nossa compreensão dos ímãs. Por exemplo, os cientistas esperariam que as linhas do campo magnético do Sol se afastassem, assim como no experimento de limalha de ferro, à medida que você se move mais alto na coroa. Se isso acontecesse, o plasma preso entre as linhas de campo também se espalharia entre os limites, criando anéis mais espessos e menos brilhantes. Mas as imagens do Sol não mostram esse fenômeno. Em vez disso, os loops mais distantes ainda parecem finos e brilhantes.

A possibilidade de que esses anéis sejam rugas em um véu coronal ajuda a explicar essa e outras discrepâncias com nossas expectativas sobre os loops – mas também levanta novas questões. Por exemplo, o que determina a forma e a espessura das dobras? E quantos dos anéis aparentes nas imagens do Sol são reais, e quantos são ilusões de ótica?

“Este estudo nos lembra como cientistas que devemos sempre questionar nossas suposições e que às vezes nossa intuição pode trabalhar contra nós”, disse Malanushenko.

Nova visão do Sol

A descoberta de que os anéis coronais podem ser ilusões foi possível graças a uma simulação extremamente detalhada da coroa solar produzida pelo MURaM, um modelo magneto-hidrodinâmico radiativo que foi estendido para modelar a coroa solar em um esforço liderado pelo NCAR.

A simulação foi inovadora quando produzida pela primeira vez porque conseguiu modelar simultaneamente o que estava acontecendo em várias regiões do Sol, da parte superior da zona convectiva – cerca de 10 mil quilômetros abaixo da superfície do Sol – através da superfície solar e além, até quase 40 mil quilômetros na coroa solar. Essas regiões variadas do Sol cobrem uma vasta gama de condições físicas, incluindo diferenças de densidade e pressão, e, portanto, os cientistas ainda não descobriram uma maneira de representar matematicamente essas regiões em uma simulação unificada.

Entre outros resultados, a nova simulação foi capaz de capturar pela primeira vez todo o ciclo de vida de uma erupção solar, desde o acúmulo de energia abaixo da superfície do Sol até o surgimento da erupção na superfície e, finalmente, a liberação explosiva de energia.

Novas técnicas necessárias

O modelo também produziu conjuntos de dados tridimensionais que contêm a estrutura do campo magnético e do plasma, que podem ser usados ​​para gerar observações “sintéticas”. Como a coroa solar é opticamente fina – o que significa que é relativamente fácil de ver através dela –, as estruturas da coroa se sobrepõem nas imagens do Sol. Isso torna difícil dizer se um “loop” que está se sobrepondo a outros anéis está na frente ou atrás. Também é difícil dizer se o próprio anel tem uma seção transversal compacta, como uma mangueira de jardim, ou se assemelha a uma longa fita vista de ponta. Também é possível que o que parece ser um fio fino seja um artefato óptico causado por uma dobra em uma folha de plasma brilhante.

Os dados produzidos pelo MURaM proporcionam aos cientistas a oportunidade de dissecar a atmosfera solar e estudar as estruturas sobrepostas separadamente, algo que não é possível com os observatórios e instrumentos que temos atualmente.

Embora a simulação MURaM seja uma das mais realistas já criadas da coroa solar, ainda é apenas um modelo. Entender quantos anéis coronais são realmente ilusões de ótica exigirá métodos observacionais cuidadosamente projetados que sondam a coroa e novas técnicas de análise de dados.

“Sabemos que projetar tais técnicas seria extremamente desafiador, mas este estudo demonstra que a maneira como atualmente interpretamos as observações do Sol pode não ser adequada para entendermos verdadeiramente a física de nossa estrela”, disse Malanushenko.