A inovação dos antigos agricultores para melhorar a fertilidade do solo continua a ter um impacto na biodiversidade da Amazônia mesmo após milhares de anos, mostra um novo estudo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e da Universidade de Exeter, no Reino Unido.

Pesquisadores das duas universidades descobriram que as áreas com a chamada “Terra Preta de Índio” têm um conjunto diferente de espécies de árvores, contribuindo para um ecossistema com maior diversidade de espécies de árvores. Os primeiros habitantes destes locais fertilizavam o solo com carvão de restos de fogueiras e resíduos de alimentos. O legado dessa tecnologia de manejo de terras para agricultura dos índios pré-colombianos são milhares de fragmentos de Terra Preta espalhados pela região, a maioria do tamanho de um campo de futebol.

O estudo, publicado esta semana na revista “Global Ecology and Biogeography”, revela pela primeira vez até que ponto os ameríndios pré-colombianos influenciaram a estrutura e a diversidade atuais da floresta amazônica das áreas que antes cultivavam. Os pesquisadores amostraram cerca de 4 mil árvores no sul e leste da Amazônia e revelaram maior fertilidade do solo nas Terras Pretas, encontrando ainda muitos fragmentos de cerâmica e outros artefatos indígenas deixados pelas antigas comunidades de agricultores.

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A foto mostra a diferença entre a camada de terra escura fértil na superfície e a terra típica da região, mais pobre para a agricultura. Crédito: Ben Hur Marimon Junior
Legado impressionante

Segundo os pesquisadores este é o primeiro estudo que mede a diferença de vegetação das Terras Pretas e áreas naturais na Amazônia. A equipe de ecólogos e arqueólogos estudou áreas abandonadas ao longo do principal trecho do rio Amazonas, perto de Tapajós, e nas cabeceiras da bacia do rio Xingu, no sul da Amazônia, onde crescem florestas exuberantes de Terra Preta, com árvores colossais de espécies diferentes da floresta circundante, incluindo frutíferas comestíveis, como taperebá e jatobá. O número de comunidades indígenas que vivem na Amazônia sofreu forte redução após a colonização europeia da região, e muitas áreas de Terra Preta foram abandonadas.

Segundo o professor Ben Hur Marimon Junior, da Unemat, os povos indígenas pré-colombianos que fertilizaram os solos pobres da Amazônia por pelo menos 5 mil anos deixaram um legado impressionante de terras de alta produtividade agrícola sem a necessidade de adubação. “O segredo dessa tecnologia dos índios é o carvão vegetal adicionado ao solo. Por isso, serve como modelo tecnológico atual para bioprocessos, como a adição de nanopartículas de carbono para aumento da fertilidade de solos agrícolas, processo que já estamos pesquisando”, revela o professor.

O professor José Iriarte, arqueólogo da Universidade de Exeter revelou que, ao criarem a Terra Preta, os primeiros habitantes da Amazônia conseguiram cultivar com sucesso o solo por milhares de anos em um sistema agroflorestal sustentável. “Acreditamos que as comunidades antigas usavam áreas de Terra Preta para o cultivo agrícola e as florestas adjacentes para ”, conclui Iriarte.

Pesquisa expandida

O professor Ted Feldpausch, da Universidade de Exeter, explica que, depois de ter sido abandonado por centenas de anos, ainda é possível encontrar uma “impressão digital” do antigo uso da terra nas florestas atuais, revelando o legado de uma população da Amazônia pré-colombiana que poderia ter chegado a vários milhões de habitantes. “Atualmente, estamos expandindo essa pesquisa em toda a Bacia Amazônica para avaliar se as antigas queimadas dos índios também influenciaram na estrutura e diversidade da floresta fora das Terras Pretas”, revela ele.

Pesquisadores examinam espécies de área de Terra Preta: árvores colossais. Crédito: Edmar Almeida de Oliveira

A professora da Unemat Beatriz Schwantes Marimon, coautora do estudo, afirma: “Atualmente, muitas áreas de Terra Preta são cultivadas por populações locais e indígenas, que tiveram grande sucesso com suas safras, mas a maioria ainda está oculta na floresta nativa, contribuindo para o aumento do tamanho das árvores, estoque de carbono e biodiversidade regional”.

Os pesquisadores afirmam que, por esse motivo, as exuberantes florestas de Terra Preta de Índio e sua riqueza biológica e cultural na Amazônia devem ser preservadas como um legado para as gerações futuras.

“A Terra Preta aumenta a riqueza de espécies, uma consideração importante para a conservação da biodiversidade regional. Essas descobertas destacam o legado de longo prazo de habitantes pré-colombianos nos solos e na vegetação da Amazônia”, aponta o professor Edmar Almeida de Oliveira, da Unemat e primeiro autor do estudo. Segundo Edmar, as Terras Pretas estão hoje severamente ameaçadas devido ao desmatamento e queimadas ilegais, mas merecem ser preservadas para futuros estudos.