Um grupo de 30 investidores internacionais, responsáveis por uma carteira de mais de US$ 4,1 trilhões, enviou ontem (23 de junho) uma carta (leia a íntegra aqui) às embaixadas do Brasil nos EUA, no Reino Unido, na Holanda, na França, na Noruega e na Suécia, solicitando reuniões com os embaixadores para discutir as políticas ambientais do Brasil. O grupo, integrado por fundos da Europa, dos EUA e da Ásia, é liderado pela norueguesa Storebrand e conta com o apoio de fundos como o Legal and General Investment Management (LGIM), do Reino Unido, o Sumitomo Mitsui Trust Asset Management, do Japão, e o NN Invesment Partners, da Holanda.

Esta é a primeira vez que investidores pedem formalmente um diálogo com representantes do governo brasileiro sobre assuntos internos do país. Em 2019, a maioria dos signatários da carta já havia integrado um grupo maior, de 251 investidores, que expressou preocupação com a crise das queimadas na Amazônia. O pedido de conversa é um passo além. O seguinte pode ser o desinvestimento, que teria impacto para exportações brasileiras e para a geração de empregos no país no momento da recessão pós-pandemia.

“Queremos continuar investindo no Brasil e ajudar a mostrar que o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente não precisam ser mutuamente excludentes. Portanto, instamos o governo do Brasil a demonstrar um claro compromisso com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas”, afirma a Storebrand em nome do grupo.

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Declarações de Salles

Os investidores mencionam especificamente as declarações do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) sobre aproveitar a pandemia para avançar na desregulação ambiental, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril, o Projeto de Lei 2.633/2020 (o “PL da grilagem”), e o Projeto de Lei 191/2020, que permite a mineração e instalação de hidrelétricas em terras indígenas, além das ameaças de enfraquecimento das regras de licenciamento ambiental.

A mensagem dos investidores internacionais é de que a postura do governo Bolsonaro em relação ao desmatamento e à proteção dos direitos humanos aumenta o “risco Brasil”, potencializando a fuga de capital do país, que só entre fevereiro e abril deste ano totalizou uma perda de US$ 11,8 bilhões em ações e US$ 18,7 bilhões em títulos públicos, de acordo com o Institute of International Finance.

“Considerando o aumento das taxas de desmatamento no Brasil, estamos preocupados com a dificuldade das empresas que podem estar expostas ao desmatamento em suas operações e cadeias de suprimentos no Brasil em acessar os mercados internacionais. Também é provável que os títulos públicos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar”, afirma a carta.

Além disso, a ratificação do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul e o acordo bilateral de comércio EUA-Brasil estão ameaçados devido às altas taxas de desmatamento, num contexto em que aumentam as preocupações dos parlamentares europeus e dos democratas no Congresso norte-americano quanto ao desmonte da governança ambiental e direitos humanos.

Perdas importantes

Uma análise de pesquisadores da London School of Economics (LSE) sobre os títulos públicos brasileiros revelou que a produção agrícola nacional poderá sofrer importantes perdas como consequência do desmatamento e do sistema atual de gestão ambiental, o que leva a secas mais frequentes, degradação da qualidade e fertilidade do solo, redução da biodiversidade e aumento da exposição a desastres naturais. “Esses riscos têm impactos econômicos e fiscais que afetam os perfis de risco, o custo de capital e o acesso aos mercados internacionais de commodities e financeiros dos países”, afirmam os autores. Foi essa lógica que levou a Nordea Asset Management, que em 2019 detinha US$ 100 milhões em títulos públicos brasileiros, a suspender a compra de títulos do governo do Brasil.

A preocupação dos investidores pode ter consequências para as exportações brasileiras. Dados levantados pela consultoria Profundo, da Holanda, revelam que só a carteira de investimentos da Robeco, um dos maiores grupos de investidores holandeses, inclui mais de US$ 27 milhões em ações na brasileira Marfrig, que exporta 70% da sua produção de carne. Uma série de desinvestimentos desse porte poderiam afetar negativamente o agronegócio brasileiro, único setor em alta no PIB do primeiro trimestre de 2020. De janeiro a março de 2020, a parcela do PIB proveniente do agro totalizou cerca de US$ 9 bilhões. Em contrapartida, a LGIM, signatária da carta, tem US$ 1,5 trilhão em ativos sob gestão, com interesses nos ramos agrícola e pecuário, segundo a Profundo.